Era madrugada de 28 de dezembro de 1993, uma segunda-feira. Um grupo de amigos retornava de uma festa no 'Pirata Bar', na Praia de Iracema, entre risos e recordações de uma amizade que se mantinha, apesar da distância física em que os envolvidos se viam durante a maior parte do ano.
>Família e amigos planejam ato em julgamento
Na volta para casa, o veículo, um Jeep, recebe uma 'fechada' de uma caminhonete importada. O desfecho daquela noite de diversão seria uma tragédia que, 21 anos depois, retorna pela terceira vez aos tribunais.
Renata Maria Braga de Carvalho tinha 20 anos. Era bailarina e modelo. Cearense, mas morava no Rio de Janeiro onde fazia cursos para se especializar nas duas atividades. Havia deixado família e amigos para buscar um sonho, sozinha. Naqueles dias, estava em Fortaleza para aproveitar as férias e festas de fim de ano. Marcou aquela saída para rever os amigos, extirpar a saudade de quem só via quando estava de férias na Capital cearense.
Mas aquela foi a última vez que os amigos a viram com vida. Renata teve os sonhos de uma vida entregue à arte interrompidos por uma bala que lhe transpassou o olho esquerdo naquela fatídica madrugada.
O acusado do crime, Wladimir Lopes de Magalhães Porto, dirigia uma caminhonete. Trafegava pela Avenida Beira-Mar, na Praia de Iracema. Fechou o Jeep, onde estava o grupo de jovens. Retomou seu caminho.
Mas o Jeep o perseguiu. E Wladimir estava armado. Os dois veículos chegaram ao cruzamento da Avenida Beira-Mar com Avenida Barão de Studart.
Naquele reencontro, Wladimir sacou o revólver e atirou contra o Jeep. Acertou o olho esquerdo de Renata. A bailarina e atriz chegou a ser socorrida em um hospital particular, mas morreu.
O acusado fugiu. Houve perseguição policial, e ele foi detido em uma concessionária de veículos, no bairro Aldeota.
Wladimir vive em Brasília. Lá fez faculdade e construiu a vida, entre realizações e sonhos dentro das possibilidades que teve. E já enfrentou duas vezes o banco dos réus pelo crime.
Julgamentos
O réu foi julgado pela primeira vez no ano de 1997. Wladimir foi condenado. Era 18 de fevereiro e o então estudante universitário teve a sentença fixada em sete anos de prisão por homicídio simples.
A família de Renata recorreu da decisão judicial. Não ficou satisfeita com a pena imposta, que considerou branda demais para o crime que o réu cometera três anos antes.
A defesa de Wladimir também recorreu da decisão. Não concordou com a pena, por achar dura demais.
Entre idas e vindas na Justiça, o processo chegou ao Supremo Tribunal Federal (STF), em Brasília. E em 2004, o julgamento foi anulado pela Corte e o réu foi mandado a novo Júri.
Em 20 de junho de 2008 ocorreu o segundo julgamento. Naquela ocasião, o conselho de sentença do 5º Tribunal Popular do Júri de Fortaleza decidiu, por quatro votos a três, pela absolvição de Wladimir.
A tese posta pela defesa dizia que o réu teria praticado o crime em legítima defesa. Os jurados não acataram a legítima defesa própria, mas votaram pela legítima defesa putativa, isto é, quando o réu sentiu-se ameaçado por ter sido perseguido pelo outro motorista e ter dito que acreditava que seria morto. Por este motivo, segundo os advogados, Wladimir atirou primeiro.
À época, a promotoria se disse 'indignada' com a decisão. E novamente recorreu da sentença para que um novo julgamento, o terceiro, fosse realizado.
De volta
Wladimir Lopes de Magalhães Porto sentará novamente no banco dos réus nesta segunda-feira (1º). O réu terá a defesa realizada pelos advogados Clayton Marinho e Marcelo Vinícius Gouveia Martins.
A juíza titular da 5ª Vara do Júri do Fórum Clóvis Beviláqua Valência Maria Alves de Sousa Aquino, presidirá o júri. A acusação ficará a cargo do promotor de Justiça Antônio Carlos Torres Fradique Accioly e do assistente de acusação José Wilson Pinheiro Sales.
O desembargador relator do processo, Raimundo Eymard Ribeiro de Amoreira, analisou o caso e defendeu que a tese montada pela defesa do réu, de que o crime teria ocorrido sob legítima defesa, seria inaceitável.
Conforme Amoreira, o ataque de Wladimir foi despropositado ao disparar o revólver contra o Jeep, com a finalidade de espantar aqueles que, segundo o réu, seriam possíveis agressores, vindo a ferir Renata de modo a tirar a vida da vítima. Segundo o magistrado, a hipótese acolhida pelo Conselho de Sentença não teve qualquer sincronia com a prova dos autos. Por este motivo, afirmou, a decisão judicial deveria ser cassada.
"Nestas condições, considerando o que já sobejamente decidido pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) e Superior Tribunal Federal (STF), em casos de decisão contrária à prova dos autos, que o réu se submeta a novo julgamento, inexistindo, nesta hipótese, ferimento à soberania do Júri, hei por bem, em compasso com o parecer da doutra Procuradoria Geral da Justiça, dar provimento ao presente recurso para que o apelado seja submetido a um novo julgamento pelo 5º Tribunal do Júri de Fortaleza", indicou o magistrado.
Wladimir ficou preso preventivamente por 11 meses no antigo Instituto Presídio Professor Olavo Oliveira (IPPOO). Ele foi beneficiado com habeas corpus, e permanece em liberdade.
O réu responde a homicídio por motivo fútil e com emprego de recurso que impossibilitou a defesa da vítima. A família entendeu que o crime, na verdade, teria sido um homicídio qualificado. A Procuradoria Geral da Justiça (PGJ) emitiu parecer contrário e a defesa do réu conseguiu anulação da qualificadora. O julgamento está marcado para as 13h30, no Fórum Clóvis Beviláqua, em Fortaleza.
Discussão
28 de dezembro de 1993
A bailarina e atriz Renata Maria Braga de Carvalho saía de uma festa na Praia de Iracema acompanhada de amigos. Após discussão, Wladimir Lopes de Magalhães Porto atira e atinge Renata no olho esquerdo
18 de fevereiro de 1997
No primeiro julgamento, Wladimir é condenado a sete anos de prisão. Resultado deixa as duas partes insatisfeitas, e todos recorrem da decisão judicial, que é anulada em 2004 pelo STF
20 de junho de 2008
Por quatro votos a três, Wladimir é absolvido da acusação de homicídio contra a bailarina no segundo julgamento. A promotoria recorre da decisão, e o acusado será levado a novo Júri nesta segunda-feira (1º)
Levi de Freitas
Repórter