Eleições 2022: o que presidente, governador e parlamentares podem fazer pelas crianças

O Diário do Nordeste explica a responsabilidade de cada cargo para que os eleitores saibam a quem cobrar

Garantir prioridade na efetivação dos direitos de crianças, como acesso à saúde, educação, alimentação, esporte e à convivência familiar, é dever da família, da sociedade e do poder público. Essa é a definição que consta no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), e diz, em linhas gerais, quem deve legalmente cuidar dessa população.

Nesta eleição, na qual está em jogo quem ocupará a presidência, os governos estaduais e o parlamento, é comum vermos candidatos prometendo priorizar a atenção aos pequenos. Mas, o que, de fato, cada cargo pode fazer por crianças e adolescentes? 

No dia a dia, as demandas do público infanto-juvenil são muitas, dentre elas, vagas em creches; escolas em condições adequadas; garantia de comida; espaços de lazer; acesso a tratamentos de saúde; e proteção diante de ameaças e crimes, como o trabalho infantil e exploração sexual.

No período eleitoral as reivindicações se acentuam e, em paralelo, candidatos elevam as promessas para convencer pais e responsáveis que vão, se eleitos, trabalhar para proteger essa população. E qual a responsabilidade do presidente, do governador, dos senadores e dos deputados nesse assunto?

No Brasil, além do ECA, da perspectiva jurídica, o Marco Legal da Primeira Infância (Lei 13.257/2016) também estabelece o que deve ser priorizado no cuidado com essa população. A norma determina que são áreas prioritárias: 

  • Saúde;
  • Alimentação e nutrição;
  • Acesso à educação;
  • Garantia do direito de brincar;
  • Proteção contra a violência e exploração

Assim como o ECA, a norma também indica que os responsáveis por esse grupo populacional são a família, a sociedade e o poder público, que, no caso, engloba tanto representantes políticos, como os que serão eleitos em outubro, como os funcionários públicos não eleitos nas diversas esferas de governo. 

O Diário do Nordeste explica a responsabilidade de cada cargo para que os eleitores que têm crianças e adolescentes como prioridade saibam exatamente o que é de quem cobrar. 

O que o presidente pode fazer

O presidente da República tem um mandato de 4 anos, sendo permitida a reeleição, e assim como governador e prefeito, ele é chefe do Poder Executivo. O presidente deve dirigir a política interna e externa, nomear ministros de Estado que chefiam os órgãos de áreas específicas, como o Ministério da Saúde e da Educação.

Embora seja o maior mandatário da nação, ele não tem poder ilimitado ou completamente independente dos outros poderes da República, portanto, algumas ações dependem da aprovação, por exemplo, do Poder Legislativo. Em âmbito nacional, trata-se do Congresso Nacional. 

No caso das crianças e adolescentes, o presidente pode propor projetos de lei ou sancionar normas aprovadas no Congresso que possam beneficiar essa população. 

Um dos papeis importantes é a definição do Orçamento Geral da União - mecanismo que organiza a previsão de arredacação e gastos pelo governo durante o ano - no qual o presidente pode definir, via lei, verbas para ações e programas que tenham as crianças e adolescentes como prioridade. 

Com base no ECA, Marco Legal da Primeira Infância, e em um documento elaborado por 140 organizações da sociedade civil, dentre elas, a Coalizão Brasileira pelo Fim da Violência contra Crianças, a Rede Nacional Primeira Infância e Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), o Diário do Nordeste lista uma série de ações objetivas que podem ser tomadas pelo presidente da República para cuidar e proteger as crianças e adolescentes: 

  • Instituir no Governo Federal um comitê intersetorial de políticas públicas para a primeira infância para assegurar a articulação das ações voltadas à proteção e à promoção dos direitos da criança;
  • Cumprir o Plano Nacional de Educação (PNE) e atuar para expansão da educação infantil das crianças de 0 a 3 anos de idade;
  • Fortalecer e ampliar o Programa Jovem Aprendiz para incentivar a aprendizagem profissional como política pública;
  • Implementar, para os adolescentes, políticas de acesso ao Ensino Superior que possam assegurar o ingresso e a permanência dos alunos de baixa renda; 
  • No caso da primeira infância, ampliar e fortalecer as redes de unidades neonatais e emergências pediátricas nos estados e municípios; 
  • Assegurar orçamento para a execução do Programa Nacional de Imunizações (PNI), com garantia de estímulo à vacinação, sobretudo, de crianças;
  • Restabelecer o Conselho Nacional Segurança Alimentar e Nutricional (COSEA) na estrutura de governança para ajudar a implementar a política nacional de segurança alimentar e nutricional;
  • Criar benefício mensal para crianças e adolescentes em situação de orfandade em decorrência da Covid-19;
  • Aprimorar o Sistema de Informação para a Infância e Adolescência (SIPIA) utilizado na atuação dos Conselhos Tutelares;
  • Melhorar a educação inclusiva, com ampliação do acesso e da permanência dos estudantes com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e superdotação/altas habilidades matriculados em classes comuns da escola;
  • Aumentar os valores do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) e garantir a compra de alimentos oriundos da agricultura familiar local. 

Papel dos governadores

No caso do governador do Estado, as competências são semelhantes às da Presidência, mas com ações direcionadas ao estado chefiado. O mandato também é de 4 anos, sendo permitida a reeleição.

O governador nomeia os ocupantes das secretarias de governo e essas pessoas vão auxiliar na administração das diversas áreas, tais como educação, segurança e infraestrutura. O governador também pode estabelecer convênios com a União, com outros estados e municípios. 

E assim como na presidência, quem ocupa o cargo de governador, pode propor projetos de lei ou sancionar normas estaduais aprovadas pela Assembleia Legislativa possam beneficiar crianças e adolescentes.

Uma dessas leis é o orçamento público estadual. Nele, o governador pode direcionar recursos para ações e programas que tenham as crianças e adolescentes como prioridade. 

Ações objetivas que podem ser tomadas pelo governador para cuidar e proteger as crianças e adolescentes:

  • Fortalecer o Conselho Estadual de Direitos da Criança e do Adolescente; 
  • Buscar investimentos tanto em articulações com o Governo Federal quanto com bancos de desenvolvimento, para construção de equipamentos ou desenvolvimento de iniciativas para crianças e adolescentes; 
  • Apesar de ser uma tarefa do Governo Federal, pode investir na criação de universidades estaduais e implementar, para os adolescentes, políticas de acesso que possam assegurar o ingresso e a permanência dos alunos de baixa renda; 
  • Além de propor projetos próprios de lei, pode sancionar os de autoria de deputados estaduais que possam beneficiar o público infanto juvenil e também vetar os que possam prejudicar;
  • Definir no orçamento prioridade para implementação da educação integral e ampliação da jornada escolar; 
  • Ampliar e fortalecer as redes de unidades neonatais e emergências pediátricas;
  • Ampliar o acesso a exames no Sistema Único de Saúde (SUS);
  • Fortalecer e ampliar a Estratégia de Prevenção e Atenção à Obesidade Infantil (Proteja);
  • Financiar a construção e a melhoria de espaços públicos para lazer, esportes e cultura nas periferias das grandes cidades;
  • Criar espaços lúdicos que propiciem o bem-estar, o brincar e o exercício da criatividade em locais públicos em que haja circulação de crianças; 
  • Fortalecer ações de combate à violência estrutural e à violência intrafamiliar contra crianças e adolescentes, por exemplo, com a criação de programas de monitoramento, busca ativa.

O que compete aos parlamentares 

No caso dos parlamentares, sejam deputados federais e senadores, ou deputados estaduais, compete a produção das leis que, nesse caso, podem ser benéficas à população infanto-juvenil, ou de forma equivocada podem reduzir direitos dessa população. Além de atuarem na fiscalização do trabalho dos governadores e do presidente da República. 

De forma ampla, os parlamentares eleitos podem trabalhar diretamente propondo leis que priorizam as crianças e adolescentes ou ajudando a barrar medidas que possam ter efeitos negativos e retrocessos para esses grupos populacionais. 

Uma das leis é a Lei Orçamentária Anual, enviado às assembleias legislativas, no caso estadual, pelo governador. Os parlamentares podem intervir para, por exemplo, priorizar crianças e adolescentes. 

Além disso, na Câmara Federal, por exemplo, a bancada do Ceará, com 22 deputados, pode tentar trabalhar para garantir recursos direcionados ao Estado que tenham como foco iniciativas que beneficiem projetos e programas para crianças e adolescentes. 

No caso da Câmara dos Deputados e do Senado Federal há também a Frente Parlamentar Mista (com deputados e senadores) de Promoção e Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente e Frente Parlamentar Mista em Defesa da Primeira Infância, a qual os candidatos eleitos pelo Ceará podem integrar. 

Ações objetivas que podem ser tomadas por parlamentares para cuidar e proteger as crianças e adolescentes:

  • Estimular na elaboração da Lei Orçamentária Anual (LOA) a apresentação, aprovação e execução de recursos no orçamento para iniciativas ligadas a crianças e adolescentes; 
  • Participar da discussão sobre a instituição e regulamentação do Sistema Nacional de Educação (SNE), que pretende fortalecer o pacto federativo e garantir o direito à educação para crianças e adolescentes;
  • Levar pautas relacionadas à população infanto-juvenil às comissões legislativas; 
  • No Senado, acompanhar a Comissão de Educação, Cultura e Esporte, responsável por monitorar o cumprimento do Plano Nacional de Educação (PNE);  
  • Propor ou aprimorar leis de enfrentamento à cultura de segregação escolar dos estudantes com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e superdotação/ altas habilidades;
  • Formular projeto de lei para tributação de alimentos ultraprocessados e subsídio de alimentos in natura e minimamente processados;
  • Atuar para destinar orçamento exclusivo para a prevenção às violências contra crianças e adolescentes;
  • Defender programas intersetoriais de atenção integral a crianças e adolescentes em todos os níveis de proteção do Sistema Único de Assistência Social (SUAS).

Prioridades

A integrante do Núcleo Cearense de Estudos e Pesquisas sobre a Criança da Universidade Federal do Ceará (UFC), psicóloga e professora, Lis Albuquerque Melo, explica que é “difícil definir o que é fundamental na produção de políticas públicas para crianças e adolescentes por conta da complexidade desse tema”. 

Ela indica que “quando falamos de políticas públicas para crianças e adolescentes podemos lembrar mais rapidamente da educação e da escola. De fato, a escola constitui um espaço fundamental, precisando de investimentos relacionados desde à qualidade da merenda, à formação e valorização profissional dos professores e demais funcionários, passando pelo cuidado com os espaços físicos, oferta de recursos materiais e oportunidades de aprendizagem e desenvolvimento na escola”.

Outro ponto é a saúde, destaca, incluindo a saúde mental.

"Precisando de investimentos desde a atenção básica, atendimento nos postos de saúde e saúde da família, à alta complexidade, atendimento em hospitais, conforme já preconizado no Sistema Único de Saúde, ou seja, investir no SUS para que ele funcione em toda sua proposta e possibilidades. É preocupante não haver vaga, espaço para crianças que passam por sofrimento psicológico mais leve, por exemplo, visto a superlotação nos CAPS Infantis”. 
Lis Albuquerque Melo
Integrante do Núcleo Cearense de Estudos e Pesquisas sobre a Criança (UFC), psicóloga e professora

 
Lis, reforça que as crianças e os adolescentes também vivem os efeitos de uma sociedade cada vez mais violenta, “seja pelos casos de violência doméstica, as várias formas de violência vivenciadas na escola, na comunidade, assim como pela violência institucional e do Estado”. 

A psicóloga ressalta ainda a necessidade de a sociedade aprimorar o conhecimento sobre o orçamento público, pois afirma “para que cada política, programa ou projeto possa ser realizado é necessário ter orçamento para executar e o que vemos é uma diminuição do orçamento voltado para o público de crianças e adolescentes”.