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Dinheiro de emendas de deputados do Ceará enviado para outros estados? Entenda

Procurados, parlamentares explicaram por que esse recurso está registrado em empresas de outros estados de abrangência nacional

Escrito por Wagner Mendes , wagner.mendes@svm.com.br
Plenário da Câmara dos Deputados
Legenda: Deputados terão direito a enviar cerca de R$ 17 milhões em emendas individuais em 2022
Foto: Paulo Sergio/Câmara dos Deputados

Cerca de R$ 2,7 milhões em emendas parlamentares individuais de deputados federais cearenses estão alocadas em empresas com sedes em outros estados. O recurso, do Orçamento de 2020, foi destinado por sete deputados. O Diário do Nordeste procurou os parlamentares para entender o caminho dos recursos públicos. Em comum, eles explicam que o destino final da aplicação do dinheiro é o Ceará.

Uma análise no Portal da Transparência da Câmara dos Deputados identificou essa movimentação atípica em empresas endereçadas nos estados da Bahia, Espírito Santo, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte, São Paulo, Distrito Federal, Maranhão, Paraíba, Piauí, Rio Grande do Sul e Paraná.

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Desse valor aplicado, R$ 1,8 milhão foi pago até o fim do ano de 2021. Ainda restam ser depositados mais de R$ 800 mil. Os recursos são para organizações e instituições de atuação nacional; trabalho de combate às drogas e inclusão social; para potencializar a pesquisa e o desenvolvimento científico, além de outras iniciativas.

Mas por que esses recursos foram enviados para empresas que têm sede fora do Ceará? Em meio ao escândalo do orçamento secreto, por conta da falta de transparência nos valores, a reportagem procurou os deputados federais para ouvir explicações.

Sedes

O deputado federal André Figueiredo (PDT) diz que todos os investimentos feitos em emendas foram para o Estado do Ceará. Ele destinou cerca de R$ 135 mil em empresas com CNPJ registrados na Bahia, Espírito Santo, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul e São Paulo, mas com atuação no Ceará. 

Foram recursos para a Capitania dos Portos e a Embrapa Algodão. A assessoria do parlamentar diz ainda que houve repasses para uma empresa do Espírito Santo, fornecedora de computadores no Estado, que venceu a licitação local.

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O deputado federal Célio Studart (PV) enviou R$ 100 mil à Obra Social Nossa Senhora da Glória, que segundo ele é uma das maiores entidades mundiais no trabalho de combate às drogas e inclusão social de pessoas em situação de vulnerabilidade.

Célio afirma que a sede da entidade é localizada em Guaratinguetá, mas pondera que a execução ocorreu na instituição lotada no Ceará. "A presente emenda viabilizou a aquisição de um veículo de apoio que foi destinado para os atendimentos da Fazenda da Esperança, em Fortaleza", diz nota da assessoria.

Roberto Pessoa (PSDB) era deputado em 2019, mas deixou o cargo para assumir mais uma vez a Prefeitura de Maracanaú. Enquanto foi deputado, indicou emendas ao Orçamento de 2020. 

Por meio da assessoria técnica, o tucano explica que os mais de R$ 331 mil aplicados na Bahia, Paraíba, Piauí e Rio de Janeiro são, na realidade, investimentos para o Ceará. A assessoria diz que a destinação à Embrapa é para pesquisa de cultivo de soja no Cariri e na Ibiapaba.

Abrangência nacional

Já o deputado federal Denis Bezerra (PSB) explica que enviou recursos de emendas individuais no valor de R$ 150 mil para a Rede Nacional de Pessoas Trans (RedeTrans), com sede em Curitiba, "para ampliar as oportunidades de capacitação e de contratação no mercado formal de trabalho para pessoas travestis e transexuais através do projeto Oportunizar, com abrangência em todo o território nacional".

Segundo ele, trata-se "de um projeto de empregabilidade voltado para pessoas trans, cuja demanda foi apresentada pelo movimento social, que recebeu recursos do nosso mandato carimbados para execução obrigatória no estado do Ceará, como consta no espelho da execução orçamentária das emendas impositivas à LOA 2020 disponível no site da Câmara Federal".

Ainda de acordo com Denis, as ações estão em execução desde o ano passado e ele articulou, por exemplo, parceria com o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai) para oferecer cursos de capacitação para pessoas trans no Ceará.

A deputada federal Luiziane Lins (PT) aplicou R$ 782 mil nesse contexto, atingindo os estados do Maranhão, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Distrito Federal.

Por meio da assessoria de imprensa, a petista explicou que "os valores foram destinados a organizações e instituições de atuação nacional e tiveram a função de fomentar o desenvolvimento de pesquisas e projetos nacionais. O município que consta no espelho da emenda refere-se ao local onde estão sediadas essas entidades nacionais".

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José Guimarães (PT) também fez investimentos em ações de âmbito nacional. Foram R$ 250 mil. Através de nota da assessoria de imprensa, o deputado diz que "a destinação de emenda para a Fundação Oswaldo Cruz (com sede no Rio de Janeiro) tem como objetivo potencializar a pesquisa e o desenvolvimento científico da renomada instituição, que contribui com impactos relevantes em todo o território nacional".

Segundo ele, "os constantes cortes orçamentários em inovação promovidos pelo Governo Bolsonaro têm exigido de nós, deputados, medidas reparativas em prol da continuidade da produção científica brasileira".

O deputado federal Moses Rodrigues (MDB) aplicou R$ 959 mil na Associação Brasileira de Criadores de Camarão, com sede no Rio Grande do Norte. Em nota, o emedebista argumenta que "trata-se de uma associação de abrangência nacional, que desenvolve projetos para micro e pequenos produtores em diversos estados brasileiros, entre eles, o Ceará".

A nota diz ainda que levando em consideração sua abrangência nacional, "a Associação é responsável por realizar a Feira Nacional do Camarão, que é o maior evento do setor da América Latina. Os recursos destinados foram investidos em pesquisas, como o Censo da Carcinicultura, além de eventos para capacitação profissional, como o que foi realizado em Acaraú, maior polo produtor do Estado do Ceará".

O que são emendas?

É o Governo Federal quem executa o orçamento da União — investindo em saúde, educação, segurança pública, entre outros. No entanto, o Legislativo pode fazer alterações ao que o Executivo propõe quando faz o planejamento de como vai investir o dinheiro público no ano seguinte.

As mudanças ao texto ou incremento de iniciativas ao que a presidência da República envia ao Congresso Nacional são chamadas de emendas parlamentares. Neste ano, foram R$ 16,2 milhões colocados à disposição de cada deputado.

Desde 2015, as emendas se tornaram impositivas. Ou seja, o Governo Federal é obrigado a executar o planejamento feito pela Câmara dos Deputados. Ficou definido que o orçamento impositivo para as emendas parlamentares individuais ficaria no limite de 1,2% da receita corrente líquida, sendo metade deste percentual destinada à saúde.

Esse dinheiro pode ser transferido através de convênio, que ocorre em projetos como construção de escolas, ou no formato fundo a fundo, quando o recurso é alocado no caixa municipal para gastos com saúde. Nessa situação, é a prefeitura quem recebe a emenda que vai prestar contas diretamente com o Tribunal de Contas da União.

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