Prefeituras no Ceará são alvos do MP por irregularidades em seleções ou concursos públicos

Desde 2021, há casos envolvendo 11 municípios por suspeitas como ausência de critérios de pontuação e pouca publicidade do edital

Por recomendação do Ministério Público do Ceará (MPCE), a Prefeitura de Madalena, no Sertão Central, anulou, na última quinta-feira (17), um processo seletivo para os cargos de assistente de encanador e operador do Serviço Autônomo de Água e Esgoto (SAAE) do município.

Foi a terceira vez, em menos de um mês, que a Prefeitura foi advertida pelo MPCE por irregularidades encontradas nos editais que recrutam profissionais para a prestação de serviço à cidade. 

De 2021 até hoje, fora Madalena, pelo menos 10 outros municípios foram alvo de ações do MPCE por suspeita de irregularidades — das mais variadas possíveis, incluindo fraudes explícitas — em seleções e concursos públicos. O levantamento foi feito pelo Diário do Nordeste com base em publicações no site do Ministério Público. 

E esse número poderia ser bem maior, não fosse pelo período de restrição dos editais provocado pela pandemia de Covid-19 e pela crise econômica que o Brasil enfrenta, segundo o promotor de Justiça Silderlândio Nascimento, que coordena o Centro de Apoio Operacional da Defesa do Patrimônio Público e da Moralidade Administrativa (CAODPP) do Ministério. 

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Que irregularidades são essas?


Cada caso tem suas particularidades. No entanto, em muitos editais irregulares, predomina uma modalidade de seleção baseada em mera análise de currículo e entrevista, o que a fiscalização entende como critério muito subjetivo que tanto pode favorecer quem já integra a administração pública como quem busca um cargo por apadrinhamento político

"As investigações visam garantir a observância dos princípios da administração pública para que todos tenham igual oportunidade de participar do certame sem que haja direcionamento do concurso público para pessoas que já são contratadas precariamente pela administração. Essas pessoas podem passar no concurso, mas em igualdade de condições. Se não, é mediante favorecimento", entende Nascimento. 

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Outros indícios que sugerem fraudes nas seleções são prazos irrisórios para inscrições, pouca publicidade sobre o edital, pouco tempo para interposição de recurso, ausência da identidade dos integrantes da banca examinadora, ausência de critérios de pontuação e, alguns casos mais graves, até mesmo identificação da folha de resposta das provas objetivas e subjetivas. 

Desde 2021, há pedidos de anulação, cancelamento, suspensão ou correção em Massapê, Santana do Acaraú, Quixeramobim, Irauçuba, Tauá, Baixio, São Benedito, Itapipoca, Coreaú, Granja e Madalena.

“As notícias de irregularidade vêm a partir da publicação do edital. Editais de concurso público que procuram restringir a competitividade, direcionando (critérios) para (beneficiamento de) determinados servidores, dando pontuações para facilitar a aprovação daquela pessoa, ofendem a isonomia do concurso público”, explica o promotor do MPCE.

Quando envolve a empresa organizadora do concurso 


Há menos de duas semanas, no último dia 11, a prefeitura de Granja anulou um concurso público que havia feito para contratação de professores, enfermeiros, psicólogos, médicos e outros cargos da administração pública municipal.  

Isso aconteceu porque o Ministério Público, depois de receber denúncias anônimas sobre supostas fraudes no concurso, instaurou um procedimento investigatório para apurar os fatos e comprovou uma série de irregularidades no certame.  

Segundo o promotor de Justiça Roberto Coelho, da 2ª Promotoria de Granja, a fiscalização apreendeu, na empresa organizadora do concurso, a Consulpam, vários computadores e documentos que estão, neste momento, em análise por técnicos do Ministério. 

O caso chegou ao MPCE quando uma candidata específica apareceu na lista de aprovados do concurso e se espalhou na cidade o boato de que ela não teria feito a prova. “Ela confirma que não fez”, disse o promotor.

Depois disso, ele continuou, “a banca (examinadora), de maneira bastante estranha, sem explicar qualquer motivo do equívoco, apagou esse resultado e postou um novo sem o nome da candidata, mas mantendo todos os outros aprovados”.

As investigações estão sob sigilo judicial. Contudo, o promotor adiantou que, dentre os documentos apreendidos na empresa que organizou o concurso, há alguns “bastante comprometedores” que indicam, se não uma fraude explícita, um comprometimento do sigilo do gabarito de diversos candidatos — cerca de 20 foram ouvidos até o momento pelos promotores. 

Em nota divulgada no dia 25 de janeiro, a Consulpam diz que foi ela quem solicitou, “por precaução”, à Prefeitura de Granja, a anulação do concurso. “A decisão foi tomada a partir do conhecimento de fatos apontados em procedimento administrativo, que motivou a abertura de uma sindicância interna. O Instituto Consulpam reafirma seu compromisso com a realização de concursos orientados pela moralidade, ética e qualidade”, afirma. 

Procurada pelo Diário do Nordeste, a Prefeitura de Granja informou que o alvo das investigações ministeriais é a empresa organizadora do concurso e que já tomou providências para contratar outra para aplicar um novo certame — desta vez, dentro das regras.

Concursos x processos seletivos


Há uma importante diferença entre concursos e seleções públicas. O primeiro modelo objetiva a seleção de servidores de carreira e tem impacto direto no orçamento dos municípios, enquanto que o segundo tende a ser uma tramitação rápida de contratação, geralmente para suprir alguma necessidade urgente da prefeitura.

Muitos concursos só acontecem porque o Ministério Público ou celebrou Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) com o município ou conseguiu liminar determinando a realização. Então, muitos concursos ocorrem em razão da intervenção do MP. Os processos seletivos, por serem mais céleres e voltados à contratação de servidores temporários, são os que mais frequentemente são fiscalizados, porque, normalmente, os municípios querem contratar mediante apenas análise do currículo, com critérios muito subjetivos".
Silderlândio Nascimento
Promotor de Justiça do MPCE

Recentemente, devido a irregularidades identificadas nos editais, o Ministério Público recomendou a anulação de três processos seletivos simplificados para a contratação de profissionais em Madalena, município citado no início desta reportagem. Eram vagas nas áreas de saúde, educação e para o Serviço Autônomo de Água e Esgoto (SAAE).

Para o promotor de Justiça Alan Moitinho Ferraz, que atua na região, a reincidência de irregularidades em Madalena se deve à preferência por processos seletivos simplificados, que tramitam mais rapidamente e acabariam não incidindo na Lei de Responsabilidade Fiscal.

Em nota enviada à reportagem, a prefeitura de Madalena alegou que há uma lei municipal que autoriza contratações temporárias "tendo em vista que seria desarrazoado realizar concurso para substituição eventual de pessoal". Disse também que os gastos são devidamente previstos e que as irregularidades apontadas pelo Ministério "inexistem". "O MP apenas interpretou equivocadamente cláusulas dos editais, pois inexistem quaisquer itens a caracterizar apadrinhamentos", afirmou o executivo.

"O trabalho do MP nessas questões é assegurar uma seleção transparente, que preze pelo princípio da eficiência e da impessoalidade, selecionando os melhores servidores para desempenho das funções públicas", explica o promotor Alan Moitinho, destacando o empenho do órgão em substituir processos seletivos por concursos para garantir a contratação de servidores de carreira.

Moitinho informou que o município acatou integralmente as recomendações do MP. "A Secretaria Municipal de Saúde já atualizou o edital de acordo com as requisições e deve estar lançando uma nova seletiva por esses dias. Quanto à de Educação e ao SAAE, os editais foram anulados e os entes estão analisando as correções para lançar novos editais com seleções para contratações temporárias", disse o promotor.

Os gestores municipais de cada pasta foram procurados pelo Diário do Nordeste para posicionamento sobre o assunto e a reportagem aguarda retorno. Contudo, ainda na nota enviada, a prefeitura de Madalena afirmou que "coube a cada ordenador de despesas a decisão de suspender as respectivas seleções" e que "assim agiram mais por precaução e para preservar uma boa relação com o MP", concluiu.

Foram procuradas por e-mail as 11 prefeituras dos municípios citados nesta reportagem. Só quem respondeu foi a de Granja. O espaço está aberto para as demais respostas.