Após as primeiras 24 horas da ofensiva russa contra o território da Ucrânia, os países que não estão envolvidos no conflito já têm posições demarcadas. O Brasil, no entanto, mantém cautela em apoiar ou condenar um dos lados. Para analistas de política internacional, assim como a maioria das nações, a postura do País deveria ser de maior oposição às ações da Rússia.
A pressão contra o presidente Jair Bolsonaro (PL) na relação com o presidente russo Vladimir Putin não é recente. Desde o início do mês, o brasileiro é cobrado a se afastar do russo, porém, os movimentos dele têm sido justamente no sentido contrário.
“O Brasil não desempenha um papel relevante ou de protagonismo nesse conflito. Nossa capacidade de intervir é pequena, mas isso não significa que não devemos nos posicionar”
Solidário à Rússia
Mesmo com as tensões elevadas e os sinais do Governo da Rússia de que poderia atacar a Ucrânia, Bolsonaro manteve uma viagem para encontrar Putin no último dia 16 de fevereiro. Na reunião, no Kremlin, sede do governo russo, o presidente do Brasil defendeu a soberania de países e o empenho pela paz, mas sem mencionar a crise envolvendo os anfitriões e a Ucrânia.
"Senhor presidente, compartilhamos de valores comuns, como a crença em Deus e a defesa da família. Também somos solidários a todos aqueles países que querem e se empenham pela paz", disse o brasileiro. A mensagem de solidariedade aos russos – assim como a viagem – foi criticada, inclusive pelos Estados Unidos, que entenderam o movimento de Bolsonaro como um apoio a Putin.
O brasileiro tentou amenizar a tensão. "Estou muito feliz, grato ao presidente russo. A gente pede a Deus que tenhamos paz na região. Até falei lá que o mundo é a nossa casa e que Deus está acima de todos. Falei a mensagem de paz. Não fomos para tomar partido de ninguém", disse, na sexta-feira (18), em transmissão nas redes sociais.
Para o cientista político Cleyton Monte, que também é professor universitário e pesquisador do Laboratório de Estudos sobre Política, Eleições e Mídia (Lepem) da Universidade Federal do Ceará (UFC), o movimento feito pelo presidente brasileiro trouxe ganhos para sua imagem junto às bases eleitorais, mas como política internacional, criou desgastes.
“Interpretar ganhos ou perdas depende de uma análise dos objetivos que foram traçados. Ele tinha o objetivo de passar uma mensagem para seus aliados de que não está isolado. Desse ponto de vista, o objetivo foi alcançado (...) Já do ponto de vista internacional e dos negócios, não teve resultado”
Início da guerra
Diante da invasão russa à Ucrânia, apesar dos esforços empenhados por Bolsonaro pela paz na região, conforme ele apontou, o Brasil foi cobrado internacionalmente a tomar uma posição, já que ocupa uma cadeira no Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas.
O primeiro posicionamento de um integrante do governo brasileiro foi do vice-presidente Hamilton Mourão, na última quinta-feira (24). Ele disse não concordar com a postura da Rússia e defendeu apoio do Ocidente à Ucrânia.
"Tem que haver uso da força, realmente um apoio à Ucrânia, mais do que está sendo colocado. Esta é a minha visão. Se o mundo ocidental pura e simplesmente deixar que a Ucrânia caia por terra, o próximo vai ser a Moldávia, depois os Estados bálticos e assim sucessivamente. Igual a Alemanha hitlerista fez no final dos anos 30", declarou.
Ainda na quinta-feira, o Itamaraty divulgou uma nota dando o tom adotado pelo governo brasileiro. O texto, no entanto, não condena a postura da Rússia de invadir o território ucraniano.
"O governo brasileiro acompanha com grave preocupação a deflagração de operações militares pela Federação da Rússia contra alvos no território da Ucrânia. O Brasil apela à suspensão imediata das hostilidades e ao início de negociações conducentes a uma solução diplomática para a questão, com base nos Acordos de Minsk e que leve em conta os legítimos interesses de segurança de todas as partes envolvidas e a proteção da população civil", diz o texto.
Professor de Direito Internacional na UFC, Newton Albuquerque critica a postura adotada pelo governo brasileiro. “É uma composição ambígua, o que se esperaria, minimamente, era que o Brasil fosse contrário à invasão russa, mas também contrário às intervenções que os países vêm fazendo na região”, afirma.
“Caberia ao Brasil, que historicamente tentou produzir um equilíbrio internacional, ter atuado com certa distância desses processos. Agora, o estrago está feito. Depois das visitas, das declarações de solidariedade ao Putin, fica difícil reparar”
No mesmo dia, em nova transmissão nas redes sociais, Bolsonaro desautorizou o posicionamento do vice-presidente. "Quem fala sobre o assunto é o presidente da República, e chama-se Jair Bolsonaro. Com todo respeito a essa pessoa que falou isso, está falando algo que não deve, não é de competência dela", disse o presidente.
Posição do Brasil
De acordo com Cleyton Monte, há uma clara divergência entre o que defende o corpo diplomático e os interesses do presidente. “O que existem são sinais trocados. Existe uma postura da diplomacia brasileira, que atua com assento no Conselho de Segurança, ao mesmo tempo em que existe uma omissão do presidente. É como se os diplomatas usassem uma linguagem e o presidente usasse outra, tanto que a carta tem um teor de não ferir a imagem que Bolsonaro construiu de ser próximo ao Putin”, avalia.
Para o professor Sidney Leite, o Itamaraty precisa conduzir um posicionamento baseado em três pilares: “cessar fogo, seguido de negociações diplomáticas e criticar com veemência a agressão à soberania ucraniana”.
“O Brasil ocupa, neste momento, uma das cadeiras rotativas do Conselho de Segurança da ONU. Então, a posição que o Brasil toma também será levada para a reunião do Conselho de Segurança. E qual deve ser a posição do Brasil no Conselho? A mesma. Defender o cessar fogo, a negociação diplomática e a soberania da Ucrânia. Ao defender a solução diplomática, ele se coloca como mediador”, conclui.