No primeiro dia da Jornada Lei Maria da Penha de 2023, a ministra Rosa Weber, presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), pediu um olhar interseccional sobre a violência contra mulher, da qual negras são as maiores vítimas. Na análise, ela resgatou dados do Anuário Brasileiro da Segurança Pública de 2022.
O estudo mostrou que, em 2020 e 2021, 2.695 brasileiras entraram nas estatísticas do feminicídio, sendo 62% delas mulheres negras e 37,5% brancas. As mortes violentas num geral atingiram 70,7% das negras e 28,6% das brancas.
“Tais dados desnudam o que antes apontei: a face da dupla discriminação que sofrem as mulheres negras em nosso país – vítimas em maior percentual de violência–, um cenário que evidencia as consequências do racismo estrutural em nossa sociedade e a imprescindibilidade do olhar para o problema a partir das variáveis da interseccionalidade”, apontou a ministra na abertura da 17ª edição do evento que ocorre, neste ano, em parceria com o Tribunal de Justiça do Ceará (TJ-CE).
Para Weber, existe um "cenário endêmico de violência que persiste e se agudiza em alarmantes proporções na sociedade brasileira". É nesse contexto, observa, que a Jornada Lei Maria da Penha surge para promover um debate permanente sobre formas de mudar essa realidade entre os atores da Justiça no País.
Ela observa que é necessário discutir "as formas normativas e institucionais para que se aprimore o enfrentamento da violência contra a mulher como uma das práticas vocacionadas à efetivação dos direitos fundamentais assegurados em nossa Constituição de 1988 e em tratados internacionais ratificados pelo Brasil".
A farmacêutica Maria da Penha, que deu nome à mais importante legislação pelas mulheres e virou símbolo da luta, ressaltou a importância do evento e da lei de 2006.
"Engana-se quem pensa que a Lei Maria da Penha só existe para responsabilizar as pessoas agressoras. Ela não é punitivista. A lei existe para informar e ela divide os cinco tipos de violência doméstica e familiar: a física, a moral, a psicológica, a sexual e a patrimonial", afirmou durante a abertura do evento.
Caminhos na Justiça
A ministra convocou os atores a Justiça a se debruçarem sobre as normas e políticas em vigência, a fim de revisá-las para evitar a reprodução da "desigualdade em matérias de gênero", a partir de uma metodologia de julgamento diferenciada que considere também as nuances da sociedade.
Na última semana, o Supremo tomou uma decisão histórica derrubando a tese da legítima defesa da honra, que permitia a diminuição da pena de agressores ou feminicidas e até mesmo a absolvição.
"Tais invisibilidades concretas dificultam e até obstaculizam, muitas vezes, o acesso das mulheres à Justiça, entendendo esse acesso em sua concepção substantiva. Vale dizer não limitado o acesso à instituição do Poder Judiciário, mas a significar o acesso à ordem jurídica justa, o que perpassa sempre o reconhecimento das desigualdades históricas", observou.
Além disso, apontou a necessidade de a Justiça ser célere em atender a demandas tão urgentes e sensíveis. "Os números (do CNJ, relativos a janeiro de 2020 a maio de 2022) evidenciam que em 30% dos processos foi desconsiderado o prazo de 48h para o exame liminar previsto na legislação", destacou.
Ação articulada
Na rede de atenção à mulher vítima de violência, a vice-governadora e Secretária das Mulheres Jade Romero (MDB) destaca o funcionamento de uma Casa da Mulher Brasileira (CMB) em Fortaleza e três Casas da Mulher Cearense (CMC). Segundo a gestora, além das outras três CMC em construção, a ministra das Mulheres, Cida Gonçalves, deve anunciar mais três CMB nos próximos dias.
Jade também informou que neste mês de Agosto Lilás, de conscientização pelo fim da violência contra a mulher, o Governo do Estado vai lançar o Tempo de Justiça Mulher para "diminuir a sensação de impunidade e, dentro de um ano, seguir todo o processo legal e entregar esses feminicidas para o juri".
"As instituições do sistema de Justiça – Procuradoria-Geral da Justiça, Defensoria Pública, Secretaria de Segurança Pública, Polícia Civil e Militar e outras instituições publicas e privadas – procuram soluções para o enfrentamento de tão graves chagas", disse o presidente do TJ-CE, Abelardo Benevides.