Sem cargo eletivo neste mandato, a ex-deputada federal Manuela d’Ávila (PCdoB) retorna à política institucional de forma provisória para trabalhar junto ao Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania. Na pasta, ela coordena o grupo de trabalho de combate ao discurso de ódio e ao extremismo, que iniciou as suas atividades na segunda-feira (6).
O objetivo é estudar e apresentar medidas para enfrentar esses problemas dentro de 180 dias. De início, espera-se identificar grupos vulneráveis para elaborar estratégias específicas para cada necessidade. Assim, as mulheres vítimas de violência política devem entrar em foco.
“É preciso refletir sobre isso: a naturalização da violência e a ausência total de ação do Poder Público para garantir que as mulheres, sobretudo, façam política no nosso país”, observa a jornalista e mestre em Políticas Públicas.
Em passagem pelo Ceará para participar de roda de conversa sobre feminismo e políticas públicas para mulheres, na Casa de Antônio Conselheiro, Manuela conversou com o Diário do Nordeste sobre suas expectativas e percepções em relação ao grupo que coordena.
Os trabalhos são desempenhados por pesquisadores, comunicadores, influenciadores digitais, dentre outros. No grupo, está a professora cearense Lola Aronovich, que sofreu, recentemente, ameaças de cunho sexual e letal pelas redes, com exposição de dados pessoais, desde a sua oficialização no colegiado.
O caso de Lola expõe uma conjuntura maior de ataque aos direitos e à própria existência feminina, discussões que se intensificam neste 8 de março, Dia Internacional da Mulher e que são comentadas por d’Ávila.
Confira a entrevista na íntegra:
DN: A senhora coordena o grupo de combate ao discurso de ódio e ao extremismo do Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania. Tanto o discurso de ódio como os atos de extremismo são vastos, entram em diferentes áreas da sociedade. Como o grupo opera em relação a setores de maior vulnerabilidade? Há mecanismos específicos, nesses casos, ou é possível construir uma estratégia ampla de combate que envolvam diferentes necessidades?
"Esse é um grupo de trabalho voluntário, que vai se reunir apenas virtualmente, justamente em função do nosso esforço para que ele não tenha nenhum impacto financeiro nas pessoas que voluntariamente toparam participar. Nós vamos nos organizar para que, de maneira célere, talvez antes dos 180 dias, possamos produzir um relatório que apresente saídas a partir do diagnóstico que nós vamos construir. Então, sim, esse diagnóstico pretende identificar grupos vulneráveis e elaborar respostas, diretrizes para enfrentar. A gente tem brincado, eu e o relator (o advogado Camilo Onoda Caldas), que a gente tem que ser um grupo que veja a problemática e apresente a ‘solucionática’, ou seja, o diagnóstico e a proposta para enfrentar".
DN: Esse período de 180 dias é prorrogável?
"É, sim, mas nós queremos vencer o desafio no prazo em função da maneira como a dinâmica de Brasília, o ano legislativo, construção orçamentária... Ou seja, quanto antes nós produzirmos o relatório, mais poderíamos incidir para que o Congresso Nacional debata as alternativas propostas que forem porventura apresentadas pelo ministro Silvio Almeida".
DN: Neste mês de março, temos um reforço nas discussões sobre gênero por causa do Dia Internacional da Mulher. A senhora já denunciou ataques e ameaças de morte que sofreu pela internet que, inclusive, fizeram-na desistir da candidatura ao Senado em 2022. Como o discurso de ódio afeta especialmente as mulheres na política?
"O discurso de ódio é estruturado a partir de preconceitos reais. A gente fala que existe o viés de confirmação: as pessoas compartilham desinformação, compartilham fake news para reforçarem as suas crenças particulares. O Brasil é um país que estrutura as suas relações a partir do racismo e do machismo. Portanto, é natural que, no momento de escalada de discurso de ódio, os grupos que são alvo de preconceitos enraizados na sociedade brasileira sejam eles os que sofrem a violência prioritária. No caso das mulheres, no último período, representaram a resistência mais frontal a tudo o que a extrema direita representou no Brasil, e, portanto, essa onda de ódio, de misoginia, como nós chamamos o ódio dirigido às mulheres, tem relação com o volume e a intensidade da resistência que nós apresentamos. Veja, nós não estamos falando do ódio que é distribuído a qualquer mulher, mas àquelas que ousaram levantar suas vozes contra um governo que matou 700 mil brasileiros na pandemia".
DN: Ao se defender dessas situações de violência, acredita que faltou amparo do Poder Público? São lacunas que podem ser resolvidas nessa estratégia de combate ao ódio do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania?
"Não existe Poder Público para as vítimas de violência (política), né? E esse é um dos temas que nós queremos tratar. Como conseguir tipificar as novas violências, como garantir esquemas de proteção para essas vítimas que sofrem violência de maneira permanente, que sofrem ameaças de forma continuada e que veem essa violência se tornando natural. Quando eu fui parlamentar a primeira vez, em 2005, quando fui vereadora de Porto Alegre, a primeira vez que eu recebi uma ameaça de morte, aquilo produziu um escândalo no Parlamento. O Parlamento parou para enfrentar, para garantir a minha proteção, para exigir investigação e para pautar aquilo que era inadmissível que uma parlamentar fosse ameaçada. Hoje, quase todas as deputadas federais progressistas andam escoltadas. Não existe nenhuma de nós que não seja ameaçada em maior ou menor intensidade. Então é preciso refletir sobre isso: a naturalização da violência e a ausência total de ação do Poder Público para garantir que as mulheres, sobretudo, façam política no nosso país".
DN: O combate aos discursos de ódio passa fundamentalmente pela internet. O que é possível fazer para se buscar uma cultura de paz nas redes sociais e uma educação de uso do ambiente virtual? E para combater os fóruns de ódio, em que esses grupos se organizam de forma mais efetiva?
"Vocês vivem em um estado em que uma mulher, que é a professora Lola (Aronovich), sofre e sofreu violência em todas as etapas da internet, né? Na época dos blogs, a Lola era alvo preferencial, as redes surgiram, as plataformas surgiram e ela voltou a ser. Então, nós precisamos enfrentar esse problema, na minha interpretação, de duas maneiras: a primeira – não hierarquicamente – é a maneira que o Congresso Nacional está enfrentando a partir da regulamentação do chamado PL das Fake News, mas que é um grande projeto de lei de regulamentação das plataformas organizado pelo deputado Orlando Silva (PCdoB-SP), meu querido amigo. O segundo tema é como formar uma cidadania que seja ela própria capaz de enfrentar isso. Não é possível que alguém ache graça com o que a Lola passa, não é possível que naturalizem a vida de uma pessoa ser pautada pelas violências que lhe cercam. Então esse é o trabalho do GT: pensar caminhos para que nós tenhamos uma outra cultura, uma cidadania da paz, uma cultura democrática, uma cultura da paz".