As discussões do Plano Diretor Participativo de Fortaleza (PDP-For) na Câmara Municipal, que estavam previstas para acontecer ainda este ano, devem ser postergadas, mais uma vez. O engajamento dos parlamentares na campanha eleitoral que se aproxima e o atraso na conclusão dos debates do instrumento de planejamento pelo Executivo são os responsáveis por empurrar a tramitação da pauta, que está atrasada há cinco anos.
A lei, cuja função é fornecer diretrizes para a política urbana da Capital cearense, deve ser revisado obrigatoriamente a cada dez anos, como prevê o Estatuto da Cidade. A última vez que isso aconteceu foi em 2009 e, portanto, uma nova atualização deveria ter ocorrido em 2019.
Na etapa em que se encontra, conforme relataram partes envolvidas no processo, resultado obtido por intermédio das plenárias populares em 39 territórios e pelo trabalho das equipes técnicas ainda precisa ser avaliado pelo Núcleo Gestor do PDP-For e apreciado em uma audiência pública.
Só depois da conclusão desta fase é que a Conferência das Cidades, a reunião final sobre o produto, poderá ser convocada pelo Poder Público. Assim, em seguida, feitas as devidas alterações, é que o projeto de lei será então remetido ao Legislativo.
Alterações que preocupam
O vereador Gabriel Aguiar (PSOL), membro da bancada de oposição e ativo nas discussões do Plano, demonstrou preocupação quanto ao atraso. “Já está atrasado em muitos meses. E já temos indicativos, falas públicas de algumas pessoas, que apontam que talvez nem virá esse ano. Isso nos preocupa e nos frustra também”, iniciou, mencionando o valor do Orçamento municipal investido e as dezenas de encontros realizados para a elaboração do texto.
“Essa morosidade também nos preocupa porque aqui na Câmara o Plano está sendo alterado todo dia. Na semana passada foi alterado, na outra também e seguirá sendo alterado ao longo do ano. Isso nos preocupa porque o processo participativo não está sendo aqui, está sendo nessas reuniões. Tivemos encontros nessas últimas semanas, ainda falta apresentar parte significativa do resultado e depois será marcada a audiência pública para tramitar”, descreveu Aguiar.
Líder do Governo Municipal na Câmara, Iraguassú Filho (PDT) admitiu o atraso. Segundo ele, um “rito” está sendo seguido pela Prefeitura de Fortaleza, “dentro da programação”. “Obviamente, o cronograma acabou atrasando um pouco, mas acontece em uma grande ação de diálogo e debate com a comunidade, vários aspectos relevantes precisam ser avaliados para ser finalizado internamente e depois feita a avaliação para uma apresentação da proposta”, justificou.
O pedetista disse ainda que ele e seus colegas não foram comunicados sobre a previsão de envio da peça para a Casa Legislativa, que só irá participar “mais efetivamente”, conforme comentou, quando a proposta for protocolada pelo Executivo municipal.
Governistas defendem postergação
Em entrevista aos editores de Política do Diário do Nordeste, Jéssica Welma e Wagner Mendes, na live do PontoPoder da última quinta-feira (16), o presidente do Legislativo municipal, Gardel Rolim (PDT), falou do clima de indefinição quanto o envio e a votação das diretrizes de planejamento do Município ainda este ano.
“Não sei se chega na Câmara ainda este ano. A Prefeitura está fazendo os debates nos territórios, tem um produto disponibilizado, é um Plano Diretor Participativo, foram feitas 39 reuniões. Estamos aguardando uma última reunião, que a gente chama de Conferência das Cidades, em que todos os interessados possam participar e deliberar acerca desta lei”, comentou o legislador, falando do passo a passo para a apreciação.
Gardel admitiu que defende que a votação do Plano Diretor fique para 2025. No entendimento dele, o Parlamento “precisa de muita tranquilidade para tratar do tema”. “Este ano acho que tem algumas coisas que são impróprias”, continuou, falando também de uma dificuldade em escolher o “melhor momento”. Para ele, o acirramento entre os políticos durante a corrida eleitoral poderia “contaminar” o debate.
Já o vereador Lúcio Bruno (PDT), que compõe a Comissão Especial do Plano Diretor na Câmara, também falou que a peça não deve mais ser encaminhada neste ano. “Até pela questão da importância para a cidade, é um projeto que requer um bom tempo de discussão, embora já tenha mais de um ano sendo discutido nos territórios”, discorreu.
“Caso venha, iremos ter que nos debruçar bastante nele. Infelizmente, esse é um ano eleitoral e atrapalha muito, não só pela questão dos vereadores não terem tempo para tratar do Plano, mas a gente sabe que, no ano eleitoral, muitas vezes se desvia a questão que interessa para vir outras questões ideológicas”, ponderou.
Prejuízos para a cidade
A elaboração do Plano Diretor é acompanhada por representantes de organizações não governamentais (ONGs), da academia e de movimentos sociais organizados. Eles participam do processo enquanto membros do chamado Campo Popular. À reportagem, um dos integrantes do grupo, o professor Luís Renato Bezerra Pequeno, do Departamento de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Ceará (UFC), pontuou que o atraso na entrega do planejamento pode trazer prejuízos para a cidade.
A maior questão, pelo que disse, seria o espaço entre a coleta de dados que subsidiariam a execução de um PDP-For próximo da realidade com a apresentação da peça propriamente dita. “Os problemas levantados podem estar bem piores. O que eram os anseios da população, obtidos nas audiências territoriais, hoje em dia podem ser outros. A cidade é muito dinâmica”, defendeu o docente.
“Também tem outro problema quando você demora muito, e que é muito ruim para a cidade: no próximo processo de planejamento a população vai ter um descrédito para com ele”, disse Pequeno logo em seguida, mencionando um potencial de desmobilização em decorrência da conduta da Prefeitura.
O estudioso participa dos encontros com os integrantes do Campo Popular desde fevereiro. Ele, no entanto, criticou a ausência de outros atores nestes espaços: “É muito estranho que no processo de discussão não haja participação de outros agentes. A gente não sabe se está havendo um debate com o mercado imobiliário, por exemplo. É importante acontecer uma discussão mais ampla”.
Prefeitura não estipula prazo
Em dezembro do ano passado, a Coordenadoria Especial de Programas Integrados (Copifor), pasta do Município que dá andamento ao processo de revisão, indicou trabalharem com a expectativa de que ele fosse concluído ainda no primeiro trimestre de 2024. A previsão não se cumpriu.
Mais uma vez procurada para que se manifestasse sobre o assunto, a Copifor, por meio de nota, indicou que “após intensas discussões e reuniões, a equipe responsável pelo Plano Diretor de Fortaleza está finalizando a nova versão do Produto 6”. “Este documento é um passo fundamental na atualização do plano e reflete as contribuições técnicas e legais coletadas até o momento”, acrescentou.
Titular da Coordenadoria, Manuela Nogueira explicou que, neste estágio do processo, estão sendo revisados pontos construídos e discutidos. “A população está opinando, criticando e fazendo suas ponderações em relação ao plano. Estamos trabalhando no que já foi desenvolvido até agora, então é um momento mais democrático do processo, é um momento que a gente tem que ampliar a discussão o máximo possível, deixar a discussão realmente se esgotar por meio da participação popular”.
O compilado será submetido ao Núcleo Gestor do Plano Diretor e apresentado durante uma audiência pública. Através dela, a comunidade poderá fornecer novas contribuições. “As sugestões coletadas durante a audiência pública poderão ser incorporadas à versão final do Produto 6”, complementou a Copifor na nota enviada. Embora mencione uma brevidade, o comunicado não estipulou prazos ou um cronograma a ser seguido.
“Estamos no momento mais democrático da discussão do plano, quando o que foi elaborado até então é colocado para crítica, para as ponderações e sugestões da sociedade. Estamos ampliando isso o máximo possível para ser enviado para a Câmara realmente após ter sido discutido exaustivamente até o limite com a população, com toda a sociedade civil, com todos que tiveram interesse de se debruçar sobre esse documento. Isso é importante para a cidade”, disse Nogueira.
Concluída a audiência pública, o produto em questão será revisado e uma minuta do Plano Diretor será levada para a Conferência da Cidade, dando seguimento para o passo a passo da consolidação de um texto inicial que irá tramitar na Câmara Municipal.
MPCE acompanha o Plano
O não cumprimento da revisão obrigatória teve o aval do Ministério Público do Estado do Ceará (MPCE), que expediu uma recomendação em 2020 para suspender o andamento do procedimento. À época, o órgão considerou que o cenário pandêmico impossibilitava a ocorrência das audiências territoriais.
Em 2021, o MPCE se reuniu com representantes da Prefeitura e manifestou a necessidade de retomada das atividades presenciais que integram o processo antes suspenso.
O Diário do Nordeste buscou informações do MPCE, que disse acompanhar a revisão do Plano desde 2018, participando das reuniões temáticas, por intermédio das Promotorias de Justiça de Meio Ambiente e Planejamento Urbano e das Promotorias de Justiça de Habitação de Interesse Social e Conflitos Fundiários.
"Atualmente, além de fiscalizar a regularidade do processo, o MP do Ceará está participando das reuniões temáticas e contribuindo com proposições fundamentadas em dois aspectos: na percepção da instituição diante da cidade e em face às provocações que tramitam nas Promotorias de Justiça. No entendimento do Ministério Público, o processo deve ocorrer de forma legítima, transparente e com ampla participação popular", indicou o MP.
O MP estadual alegou que elaborou um documento técnico em que reuniu mais de 80 proposições relacionadas com o Plano, formatado como parte do trabalho de acompanhamento. "O material foi encaminhado à Prefeitura de Fortaleza, e norteou a participação do órgão na reunião temática de 24 de abril", continuou.
"Ainda não foi estipulado um prazo para o projeto de Revisão do Plano Diretor ser encaminhado para a Câmara Municipal de Vereadores. Neste momento, a população e as instituições ainda estão encaminhando proposições, e o Município, por sua vez, compilando estas proposições, a fim de que seja elaborado um documento final que será apresentado para deliberação na Conferência da Cidade. Após isso, o material será encaminhado à Procuradoria do Município, que transformará as proposições em textos normativos. Na sequência, o prefeito enviará a minuta para a Câmara Municipal de Vereadores, que iniciará o processo legislativo que formalizará a revisão', finalizou o MP explicando o processo.