Como a Justiça Eleitoral se prepara para combater fake news nas eleições de 2022

Redes sociais e aplicativos de mensagem foram inseridos no combate à desinformação, que, agora, é passível de prisão, multa e até cassação de mandato

As disputas eleitorais brasileiras são terrenos férteis para a desinformação. Mentiras e fofocas plantadas para desestabilizar adversários políticos interferem quase sempre nas eleições e prejudicam a integridade do processo eleitoral, ajudando a eleger quem busca o poder apenas por interesses individuais e não por comprometimento com a vida pública

Esse problema já vinha sendo acompanhado pela Justiça Eleitoral. No entanto, nas últimas eleições presidenciais, em 2018, as redes sociais e os aplicativos de mensagem instantânea, com sua capacidade de transmitir informações em massa em questão de segundos, abriram uma brecha ainda mais perigosa nessa prática, dificultando ainda mais identificar e punir os culpados.  

Vendo redes sociais como Instagram, Facebook e Twitter e aplicativos de mensagens como WhatsApp e Telegram serem usados como armamento político para confundir o eleitorado e interferir no resultado das eleições, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) teve de se reorganizar internamente e se preparar para que nos próximos pleitos isso não se repetisse — especialmente o deste ano, que promete ser ainda mais acirrado do que foi em 2018. 

Além de chamar as empresas de tecnologia para a responsabilidade sobre as informações que são disseminadas em massa em suas plataformas, o TSE entendeu que precisava punir de forma mais severa os autores dos disparos dessas informações — hoje, isso é passível de prisão ou multa — e orientar suas regionais a desenvolver ações permanentes de prevenção e fiscalização

Alinhado ao TSE, o Tribunal Regional Eleitoral do Ceará (TRE-CE) vai publicar, em breve, a resolução sobre propaganda e poder de polícia no Estado para as eleições deste ano. O documento deve traçar estratégias específicas para suprimir o compartilhamento de informações falsas em âmbito local e criar um juizado específico para analisar processos sobre propaganda na internet.

O TRE-CE vai fazer uma capacitação específica de seus magistrados e servidores para minimizar os efeitos da desinformação nas eleições de 2022. A capacitação vai ter a participação de órgãos como Polícia Federal, Polícia Civil e Agência Brasileira de Inteligência (Abin). O Tribunal também vai promover palestras sobre o assunto para os representantes partidários.

Punições


Quando se trata de desinformação na internet, é difícil encontrar culpados. Isso porque é comum que os disparos de informações falsas sejam feitos por robôs ou por perfis falsos, o que demanda crivo e uma investigação mais aprofundada e especializada no âmbito digital.

As punições mais comuns existentes para a desinformação no processo eleitoral são a retirada da informação da internet e a aplicação de multa a quem a veiculou.

No entanto, no ano passado, o TSE decidiu que a disseminação de notícias falsas ou contendo injúrias, calúnias e difamações com o intuito de beneficiar candidatos, partidos ou federações pode, também, ser punida com prisão de dois meses a um ano e pagamento de multa.

"A Justiça Eleitoral pode determinar que os aplicativos (de redes sociais e mensagens instantâneas) forneçam os dados do titular daquelas contas que foram atreladas a algum disparo em massa. A Justiça já vinha fazendo isso quando observava comportamentos inautênticos, como aqueles disparos em velocidade sobrehumana. Se ainda assim não for possível chegar à autoria real, pode encaminhar o processo para a Polícia Federal instaurar inquérito para aprofundar a identificação da autoria dessa conduta criminosa", explica o advogado e doutor em direito pela Universidade de São Paulo (USP), André Xerez.

Além disso, o presidente do Comitê de Enfrentamento à Desinformação no TRE-CE, o juiz Rommel Moreira Conrado, lembra que, em caso de conduta suficientemente grave, pode ser exigida a cassação do mandato do político que se beneficiou com a desinformação propagada.

"Como recentemente se verificou em decisão do TSE que cassou o mandato do deputado estadual do Paraná, Fernando Francischini, por divulgar notícias falsas sobre o sistema eletrônico de votação", citou o juiz.

O TSE e o Telegram 


Na última segunda-feira (21), o ministro Edson Fachin, atual presidente do TSE, editou uma portaria ampliando as atribuições da Comissão de Segurança Cibernética da Corte, criada em 2020. Agora, a Comissão, que é presidida pelo ministro Alexandre de Moraes, também deve focar no combate à desinformação no País.

Na quinta-feira (24), o TSE convidou a empresa que opera o Telegram no Brasil para compor o Programa de Enfrentamento à Desinformação. Um “ato de paz” em meio a uma série de desentendimentos entre o Tribunal e o Telegram, que demora a atender aos pedidos de informação feitos pela Corte para progredir em investigações sobre casos de desinformação. 

De acordo com o TSE, o representante da empresa disse que levaria a proposta para os executivos da plataforma e afirmou que o Telegram se compromete a enfrentar a disseminação de informações falsas. 

Ainda nesta semana, Moraes havia exigido que o Telegram adotasse práticas de combate à desinformação para continuar funcionando no Brasil. Isso porque há várias denúncias de compartilhamento de informações falsas no aplicativo, incluindo no canal do presidente Jair Bolsonaro (PL), que tem mais de um milhão de inscritos. 

A importância do engajamento das empresas 


A Justiça Eleitoral já havia avançado em negociações com as outras plataformas digitais que operam no Brasil. Tanto que a Meta, que controla Facebook e Instagram, anunciou no último mês de fevereiro que as redes sociais vão ter um canal de queixas vinculado ao TSE para receber denúncias de compartilhamento de informações falsas. 

Para o juiz Rommel Conrado, essas parcerias entre a Justiça e as empresas são “pactos de cooperação contra a propagação de notícias falsas” que devem surtir efeitos positivos neste ano. 

O advogado André Xerez também acredita que o comprometimento das empresas em fiscalizar o disparo de informações falsas seja “a principal forma de resguardar e equilibrar a necessidade de legitimidade e lisura da informação com a liberdade do eleitor em se ver informado”.  

Porque, dessa forma, serão as próprias redes e os próprios aplicativos os encarregados de checar e suspender mensagens falsas, sem a necessidade de intervenção da Justiça e sem ferir direitos individuais. Apesar de que a Justiça ainda vai poder pedir a suspenção de informações comprovadamente inverídicas que difamem ou caluniem candidatos. 

“A Justiça Eleitoral não é capaz de lidar com toda e qualquer notícia falsa com viés eleitoral que esteja na internet. O papel das plataformas digitais, então, é importantíssimo, porque utiliza a inteligência artificial para tentar vedar o máximo possível de informações falsas”, complementa o presidente da Comissão de Direito Eleitoral da Ordem dos Advogados do Brasil no Ceará (OAB-CE), Fernandes Neto. 

O que cabe à sociedade


O representante da OAB acredita que, além da Justiça, a sociedade também está melhor preparada, atualmente, para lidar com a enxurrada de informações falsas que circulam nas eleições.

"Em 2018 foi uma surpresa para todos, não estávamos acostumados. Neste ano, apesar de as fake news ainda estarem muito presentes, inclusive agora, na pré-campanha, tende a sociedade a entender melhor o que é uma notícia falsa, a já saber discernir o que é verdadeiro e falso e procurar fontes de informação fidedignas", defende o jurista.

O juiz Rommel Conrado reforça que a Justiça Eleitoral, sozinha, não consegue conter a desinformação e que precisa constantemente do suporte de agências de checagem e de órgãos de investigação como Polícia Civil, Polícia Federal e Agência Brasileira de Inteligência (Abin) para apurar os casos mais graves.

Contudo, para Rommel, é a população "que deve se conscientizar da imprescindibilidade de uma checagem mínima da veracidade das informações antes de um eventual repasse".

Isso passa pelo que o advogado André Xerez chama de "alfabetização midiática". "Uma ação administrativa e pedagógica que evita que os conflitos cheguem na forma de processo no âmbito do TSE. Que a conscientização e politização da sociedade sirva de fomento, de compromisso de todos os eleitores com a manutenção da veracidade da informação", aposta.