Egresso do legislativo cearense e com uma ampla base de apoio, o governador do Ceará, Elmano de Freitas (PT), tem encontrado um ambiente favorável na Assembleia Legislativa do Ceará (Alece). Em cinco meses de gestão, o petista teve todos os projetos de lei que enviou ao Parlamento aprovados sem grandes dificuldades.
Mais que isso, o prazo de tramitação das mensagens despencou diante das propostas de Elmano, se comparado aos seus antecessores: Cid Gomes (PDT) e Camilo Santana (PT). Conforme levantamento realizado pelo Diário do Nordeste, até o fim de maio, o atual governador encaminhou 35 matérias para apreciação dos deputados estaduais, todas foram aprovadas na Casa com um prazo médio de cinco dias de tramitação.
Apesar de indicar um trabalho célere dos parlamentares, o ritmo de atividades tem sido criticado por deputados da oposição, que reclamam da falta de tempo para apreciar detalhadamente as propostas enviadas pelo Executivo. Em número reduzido, tais deputados dizem não conseguir frear o avanço rápido das matérias para que possam evitar até possíveis problemas no texto.
Entre janeiro e maio de 2015, Camilo Santana se deparou com uma maior “morosidade” do legislativo, que levou, em média, 18 dias para aprovar suas matérias. Já Cid Gomes teve matérias aprovadas em 16 dias, em média. Na prática, as propostas de Elmano são analisadas e aceitas pelos deputados estaduais três vezes mais rápido.
Líder do Governo na Casa, o deputado Romeu Aldigueri (PDT) atribui o alinhamento entre Legislativo e Executivo ao histórico político do governador. “Quando ele manda mensagem, já vem alinhando com os deputados, discutindo, recepcionando emendas sem problema nenhum para que os parlamentares inclusive possam discutir e aperfeiçoar as matérias”, ressalta.
Urgência
Mas essa não é a mesma avaliação da oposição. O cerne desses parlamentares está na adoção do “regime de urgência”, mecanismo usado pela base governista na Alece para acelerar a tramitação das matérias. Das 35 propostas enviadas por Elmano, 24 foram analisadas sob esse ritmo.
Na lista, estão mudanças na política de regularização fundiária rural, alterações nas regras de ocupação das faixas de domínio nas rodovias estaduais e uma homenagem a Dom Hélder Câmara. O mecanismo, legal e previsto no regimento interno da Casa, encurta prazos e antecipa a apreciação das matérias.
“O problema da matéria de urgência é a falta de tempo para estudar, se debruçar e tentar avaliar até que ponto o texto está bom ou merece correção, e essa é a atividade própria do parlamento: legislar, trabalhar em cima da elaboração de leis que possam atender o máximo possível os interesses populares”, reclama o deputado Sargento Reginauro (União), uma das vozes mais ativas da oposição na Casa.
Conforme as regras da Alece, a urgência é decretada para a “imediata tramitação de proposições, que ficam dispensadas de quaisquer exigências regimentais, salvo leitura no expediente; parecer, embora verbal, da comissão a que for distribuída; distribuição de emendas, em avulso, quando apresentadas durante a pauta”.
Com a adoção desse regime de apreciação, as propostas terão parecer nas comissões emitido em, no máximo, cinco dias. O relator deverá apresentar parecer em até um dia. O mesmo prazo é dado em caso de eventual pedido de vista. Em plenário, essas matérias terão quatro oradores, sendo dois a favor e dois contra. Em seguida, a discussão é encerrada automaticamente.
Menos de 24 horas
Conforme o levantamento realizado pelo Diário do Nordeste, das 24 propostas do Governo Elmano aprovadas na Alece sob regime de urgência, onze foram votadas e aprovadas no mesmo dia em que foram apresentadas na Casa. Na prática, os parlamentares não tiveram nem 24 horas para apreciar cada projeto.
“As mensagens chegam aqui pela manhã e antes mesmo até da hora do almoço elas já estão aprovadas. Todo o corpo técnico que é disponibilizado para cada parlamentar oferecer um serviço de qualidade, lamentavelmente, fica subutilizado”
A crítica também é reforçada pelo deputado estadual Renato Roseno (Psol). Ele, no entanto, faz ponderações.
“O regime de urgência deveria ser de fato uma medida excepcional, por isso que as matérias devem chegar antes, inclusive. Algumas situações elas requerem de fato urgência até, por exemplo, quando são questões relativas à folha de pagamento, reajuste de servidores, reestruturação de carreira, isso tudo se justifica porque tem data para fechar a folha de pagamento, por exemplo, mas tem que ser muito bem dosado”, ressalta.
Trabalho célere x Projetos revogados
Considerando todas as mensagens enviadas por Elmano para a Assembleia Legislativa até o fim do mês passado, três foram as mais “demoradas”. Elas levaram 14 dias para serem aprovadas.
Duas delas — uma que criou o selo de equidade de gênero e inclusão e outra que promoveu mudanças no Plano Estadual de Banda Larga — tramitaram em regime de urgência. A outra — que cedeu um imóvel à Enel — tramitou em regime ordinário.
Mesmo entre as 11 matérias que não tramitaram sob urgência, a análise foi célere no parlamento estadual. Oito matérias levaram cerca de uma semana para serem votadas no início do ano na Casa, já que, à época, as comissões temáticas não estavam montadas e os projetos foram apreciados e receberam parecer da Mesa Diretora.
Nesta lista estão incluídas, por exemplo, a criação do Fundo Estadual de Sustentabilidade Fiscal do Ceará (FESF) — matéria que foi posteriormente revogada — e o aumento na taxa do ICMS.
O envio de novas matérias para corrigir ou revogar projetos anteriores também é apontado por Reginauro como um alerta para os deputados.
“Reforça justamente a crítica que nós temos feito de falta de tempo para se avaliar os textos, então nós aprovamos aqui e o Governo identifica erros (...) No caso do projeto de isenções fiscais (FESF), voltou-se completamente atrás quando nós havíamos pedido aqui tempo para debater inclusive com a sociedade e não foi aceito, foi atropelado e depois o próprio Governo teve que verificar que tinha cometido um grave erro para a economia cearense”, comentou o oposicionista.
“Em um caso de regime de urgência, é completamente impossível (convocar a população para debater), não dá tempo e acaba que a Assembleia carimba, infelizmente, projetos que nem sempre atendem aos interesses populares”, concluiu.
Nem ordinário, nem urgente: prioritário
Também responsável por fazer ponderações ao excesso de matérias tramitando em regime de urgência, o deputado Renato Roseno propõe a adoção de um meio termo que contemple base e oposição: o regime prioritário.
“Entre a tramitação normal e a urgência tem esse outro regime que a Casa nunca usa, eu inclusive já defendi isso (em plenário). Poderíamos usar mais esse terceiro regime em que algumas matérias teriam prazos mais aligeirados, mas não tanto quanto o urgente”
No caso das matérias prioritárias, os prazos são intermediários entre o urgente e o ordinário. Por exemplo, o prazo para emissão de parecer nas comissões é de 10 dias — cinco a mais que no regime de urgência e cinco a menos que na tramitação ordinária.
Já o parecer do relator deve ser emitido em até três dias — nem em um, como na urgência, nem em dez como na ordinária.
O pedido de vista no regime de urgência estende o prazo por um dia, no regime prioritário estende por dois, já no ordinário, três.
“Ritmo normal”
O líder do governo Romeu Aldigueri minimiza as críticas e exalta o ritmo de trabalho dos parlamentares, além da parceria com o Executivo.
“O ritmo de trabalho está normal, nós só decretamos e pedimos urgência, que é uma questão regimental, em casos de urgência, e assim o fizemos. Inclusive, essas matérias, em sua grande maioria, são aprovadas por unanimidade nesta Casa”, ressaltou.
Para o pedetista, as críticas são "infundadas”. Ele cita como exemplo de tramitação ordinária as matérias aprovadas no início do ano, como a reforma administrativa e o pacote econômico — quando as comissões temáticas não estavam instaladas e a Mesa Diretora ficou responsável por elaborar o parecer da matéria.
“Temos pedido regime de urgência em matéria de reajuste salarial, reajuste das bolsas ou algum prazo que está se vencendo e que precisa ser renovado por uma questão legal, absolutamente isso. E, mesmo assim, tramitando em regime de urgência, a discussão da urgência, a aprovação da urgência, tudo isso tramita na Comissão de Constituição de Justiça, tramita em todas as comissões técnicas, temáticas, é deliberado, é debatido, o parlamentar pode pedir vistas, pode pedir emenda de plenário, enfim, pode exercer tranquilamente o seu papel de legislador”