Cinco pontos para entender as 3 CPIs simultâneas que vão acontecer na Câmara de Fortaleza em 2024

Saiba qual o histórico das discussões na Casa Legislativa, prazos e o que está em jogo com a abertura dos colegiados

Três Comissões Parlamentares de Inquérito (CPIs) foram autorizadas pelo chefe do Legislativo municipal de Fortaleza, Gardel Rolim (PDT), na última terça-feira (30), para investigar a operação dos aplicativos de transporte individual, a distribuição de energia elétrica pela Enel Ceará e a prestação de serviços pela Companhia de Água e Esgoto do Ceará (Cagece) na Capital.

A composição das instâncias já foi definida pela presidência da Câmara Municipal de Fortaleza (CMFor) e é fruto de uma articulação junto aos membros do Parlamento. Cada uma delas será composta por sete membros. A previsão é que nesta semana as funções possam ser anunciadas - incluindo a presidência, vice-presidência e relatoria - e as CPIs possam ser formalmente instaladas. 

Sobre a decisão de Gardel, o autor da proposição, o vereador Márcio Martins (União) afirmou que as temáticas que serão investigados têm muita importância na realidade local. “São três temas de grande relevância para a cidade, se você, por exemplo, chegar a um Procon ou qualquer defesa do consumidor, vai ver que a maioria absoluta das reclamações estão relacionadas ao atendimento da Enel e da Cagece”, justificou.

Para ampliar o entendimento sobre a matéria, o Diário do Nordeste separou tópicos que explicam ponto a ponto da medida tomada pelo Parlamento municipal e quais os prazos para que as comissões possam trazer esclarecimentos à população alencarina.

Disputa entre base e oposição

O anúncio simultâneo das comissões ocorre em um momento de disputa entre governistas e oposição pelo espaço para a instalação dos colegiados. Isso porque, regimentalmente, com o aceite dos requerimentos ingressados por Márcio Martins, ficaram esgotadas as possibilidades de execução das instâncias, limitadas a três.

No último dia 17 de abril, um grupo de vereadores da bancada oposicionista protocolou uma solicitação para a abertura de uma CPI cujo objetivo seria investigar as vendas de terrenos públicos pela Prefeitura de Fortaleza. A iniciativa foi liderada pelo vereador Léo Couto (PSB).

Na visão de Couto, o ingresso dos três pedidos de CPI pelos membros da base ocorreu “estrategicamente” para “tentar emperrar” eventuais pleitos semelhantes por parte da oposição. “Mas entramos com um requerimento hoje, onde a gente detectou algumas irregularidades nessas CPIs que estão colocadas, exatamente para tentar avançar e dar procedimento para a nossa”, ponderou.

A versão foi negada pelo líder do governo na Câmara, o vereador Iraguassú Filho (PDT). Ele afirma que todos os processos de desafetações foram cumpridos conforme prevê a legislação e que não há o que “esconder”.

“Na verdade, temos alguns requerimentos de CPI protocolados de demandas que são importantes para a cidade e que a gente está aguardando a instalação, aguardando o devido processo legal”, justificou, mencionando os temas que orientam as medidas, que, em suas palavras, refletem discussões já realizadas pela Câmara durante os últimos meses.  

Discussão sobre os aplicativos de transporte

Tramitando na CMFor desde o início de março, a CPI que vai apurar possíveis irregularidades cometidas por plataformas que administram aplicativos de transporte de passageiros e pequenas cargas no Município tem três vetores a serem seguidos, pelo que descreveu o requerimento apresentado por Martins e mais 14 parlamentares. 

De acordo com o texto da proposição, os membros da comissão deverão apurar a relação dos aplicativos com seus motoristas habilitados, a relação com usuários e a seguridade na prestação dos serviços disponibilizados. A exploração do modelo de transporte individual em Fortaleza é regulamentada desde 2018.

O documento apontou a existência de uma "relação conflituosa com o Poder Público", por conta de indícios envolvendo um recolhimento irregular do preço público, a ausência de pagamento da outorga onerosa, o não recolhimento de tributos e de uma suposta evasão de tributos.

Na época,  o autor da solicitação afirmou que a mobilização ocorreu devido a uma "briga" de anos entre o Poder Público da Capital e gigantes do segmento. "Elas têm praticado descumprimentos absurdos e flagrantes a várias legislações", argumentou, citando denúncias de irregularidades de cunho trabalhista e fiscal.

Conforme o legislador, a ideia é inquirir os responsáveis pelas empresas para explicarem, dentre outros aspectos, o cálculo aritmético utilizado para aplicar a percentagem de colaboração dos condutores que trabalham por intermédio das plataformas. 

Foram designados como membros da comissão dos aplicativos, além do propositor, os vereadores Carlos Mesquita (PDT), Luciano Girão (PDT), Marcelo Lemos (Avante), Dr. Vicente (PT), Inspetor Alberto (PL) e Consul do Povo (PSD).

Discussão sobre a Enel

O debate em torno da atuação da Enel não é particular da CMFor. Alvo de denúncias nos órgãos de defesa do consumidor, a concessionária virou objeto de investigação da Assembleia Legislativa do Ceará (Alece), da Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp) e da Câmara Municipal de São Paulo (CMSP) pela má prestação do serviço nas localidades atendidas por ela.

Na Câmara Municipal de Fortaleza, especificamente, há uma comissão temporária, instalada em março do ano passado para acompanhar e fiscalizar a prestação de serviços da empresa de energia elétrica e outras concessões, a exemplo da Cagece. A empresa que fornece água e coleta o esgoto na Capital cearense e a Enel ocupam o topo de reclamações nos órgãos de defesa do consumidor.

A instância, presidida pelo vereador Lúcio Bruno (PDT), realizou uma série de audiências ao longo do tempo em que está ativa, inclusive com a presença de representantes da Defensoria Pública, do Ministério Público do Estado do Ceará (MPCE), da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e de diversos órgãos envolvidos com a temática. Diferente da CPI da Alece, a comissão atua no que diz respeito ao direito do consumidor, bem como as obrigações contratuais da prestadora.

Em agosto do ano passado, no contexto da instalação da CPI da Enel na Alece, o pedetista chegou a afirmar que buscaria o Parlamento estadual para coletar informações sobre a concessionária de energia elétrica e também colaborar com o conhecimento adquirido pelo órgão colegiado presidido por ele na CMFor.

"Vamos esperar a CPI ser implantada na Assembleia, vou fazer um requerimento para que eu tenha acesso a todos os documentos que porventura forem adquiridos pela comissão parlamentar e até propor fazer um trabalho em conjunto, para esclarecer e contribuir com um debate tão importante e tão sofrido para o povo do Ceará", disse.

O expressivo número de reclamações foi lembrado por Martins no requerimento endereçado à Mesa Diretora para a abertura da CPI. A má qualidade do serviço, o corte inadequado do fornecimento e a interrupção injustificada foram argumentos utilizados pelo parlamentar e por um grupo de 14 vereadores que subscreveram a matéria.

"Os indicadores figuram entre os piores, dentre as principais concessionárias do país. O número de reclamações aumenta a cada ano, e a Enel não se mostra capaz e hábil para resolver essas demandas, elevando a insatisfação dos consumidores anualmente, de modo a tornar a situação da empresa ainda pior", indicou o documento.

O prejuízo material dos clientes também foi pontuado em um trecho do documento. "É notório, grave e preocupante o transtorno que o desabastecimento de energia elétrica causa numa capital de quase 3 milhões de habitantes que, em sua maioria, depende plenamente dos serviços públicos acima citados", acrescentou. 

O colegiado que deverá investigar a concessionária de energia elétrica contará com o autor da proposta e os vereadores PP Cell (PDT), Kátia Rodrigues (PDT), Danilo Lopes (PSD), Pedro Matos (Avante), Júlio Brizzi (PT) e Ronaldo Martins (Republicanos).

Discussão sobre a Cagece

A estatal que realiza o fornecimento de água na Capital alencarina também está no raio da comissão temporária da Câmara Municipal de Fortaleza e, no decorrer dos últimos meses, foi pauta de discussões da instância. 

Uma delas aconteceu durante uma audiência realizada em outubro do ano passado, que debateu temas que estão na alçada da Cagece, a exemplo da Parceria Público-Privada (PPP) firmada pela companhia cearense com a Ambiental Ceará, do aumento de tarifas e da instalação da usina de dessalinização no litoral fortalezense.

Além dos parlamentares que compõem o colegiado e outros que estiveram presentes de forma espontânea, foram convocados a participar do encontro representantes das empresas acompanhadas, da OAB, da Agência de Fiscalização de Fortaleza (Agefis), do Programa Estadual de Defesa do Consumidor (Decon) do MPCE, da Agência de Regulação, Fiscalização e Controle dos Serviços Públicos de Saneamento Ambiental de Fortaleza (ACFor) e da Secretaria Municipal da Infraestrutura de Fortaleza (Sainf).

Os vereadores questionaram aspectos como a modelagem da PPP, sobre a manutenção das vias após a realização de serviços e o acesso ao serviço pelas comunidades periféricas da cidade. 

Um dos representantes de entidades que participaram da discussão foi o secretário-executivo do Decon, Hugo Vasconcelos Xerez. Ele salientou que as queixas contra a Cagece têm aumentado. 

No documento que requereu a abertura da CPI, ingressado no início de março, alguns dos questionamentos da comissão voltaram a ter destaque. Entre os apontamentos estão o de que mesmo com o advento da PPP, uma das maiores do Brasil, Fortaleza ainda carece de "excelência" na prestação de serviços operacionais em saneamento, tanto em abastecimento de água quanto na coleta e tratamento de esgoto.

"Há necessidade constante de modernização, revitalização, ampliação e manutenção do sistema de abastecimento e esgotamento sanitário, tendo em vista o crescimento populacional, imobiliário e a expansão de grandes empreendimentos e investimentos em Fortaleza", argumentou um trecho.

O requerimento sustentou ainda que existem regiões da periferia que carecem de infraestrutura mínima para que haja o acesso à água potável. O desperdício de água por vazamentos e ligações clandestinas, bem como o desabastecimento e as altas tarifas foram outras questões indicadas. 

A terceira, para apurar os serviços da Cagece, terá Lúcio Bruno (PDT), Iraguassú Filho (PDT), Tia Francisca (PSD), Ana do Aracapé (Avante), Gabriel Aguiar (PSOL), Priscila Costa (PL) e Cláudia Gomes (PSDB).

Prazos das CPIs

Com o anúncio dos membros na última terça (30), a instalação formal das CPIs deve acontecer em até 60 dias, sob pena de serem extintas, conforme prevê o Regimento Interno da Casa. No entanto, a expectativa é de que a instalação das comissões, com a eleição dos cargos, deve acontecer nesta semana, na primeira reunião das instâncias. 

O regramento também estabelece que as CPIs têm poderes de investigação próprios de autoridades judiciais. Os membros poderão, dentre outras medidas, requisitar funcionários dos serviços administrativos da Câmara, determinar diligências, ouvir indiciados, inquirir testemunhas e requisitar documentos e informações de órgãos públicos.

Uma vez instaladas, o presidente da Casa deverá publicar um ato em que deverá dispor dos meios necessários para a execução dos trabalhos pelos seus integrantes. 

A conclusão das investigações pelos colegiados deverá acontecer em 120 dias, mas o prazo pode ser dilatado pelo mesmo período, caso o Plenário Fausto Arruda decida desta maneira. 

Ao fim das CPIs, relatórios deverão ser apresentados descrevendo quais as conclusões. Ele deverá ser encaminhado para a Mesa Diretora, para o Ministério Público e para o Poder Executivo. 

Caso não sejam estendidas, a conclusão das comissões deve coincidir com as vésperas da propaganda política, que, pelo que instituiu o calendário eleitoral, terá início em 16 de agosto. 

O que dizem as investigadas

A reportagem procurou a Enel Ceará a fim de obter uma posição sobre a investigação do Legislativo que recairá sobre ela. Por meio de nota, a empresa alegou que "não foi notificada oficialmente sobre a CPI da Câmara dos Vereadores de Fortaleza", mas disse que "está aberta ao diálogo para os esclarecimentos necessários".

O comunicado disse ainda que foi anunciado, na semana passada, um plano estratégico para o estado, com investimentos de R$ 4,8 bilhões até 2026. Nos últimos seis anos, assegurou a Enel, foram investidos R$ 6,7 bilhões. No caso de Fortaleza, adicionou, foram contratados e capacitados 446 eletricistas e adquiridos 135 veículos.

A Cagece, da mesma maneira, disse que não foi notificada diretamente sobre o assunto. "A companhia informa ainda que prestará todas as explicações necessárias, caso seja notificada", garantiu.

Também acionada, a Uber respondeu que desde sua chegada em Fortaleza "atua na defesa de discussões pertinentes sobre o transporte individual privado de passageiros". Em seguida, a multinacional alegou que "se coloca à disposição da Câmara de Vereadores para contribuir com quaisquer discussões tratadas por seus legisladores". 

"A companhia reforça que atua em conformidade com a legislação, que é credenciada no município junto à Etufor e que paga todos os impostos devidos regularmente. A Uber reitera o seu compromisso com o desenvolvimento da cidade de Fortaleza, sempre apoiando projetos que auxiliem na mobilidade urbana do município", completou.

Já a 99 manifestou que "está em conformidade com as legislações nacional e local quanto ao transporte individual de passageiros e segue, de maneira diligente, os pagamentos fiscais devidos". "A empresa reitera seu compromisso com o avanço da cidade de Fortaleza, respaldando projetos com foco na segurança e que beneficiam a mobilidade urbana na região", completou.

"Por fim, a 99 está, como sempre esteve aberta ao diálogo com as autoridades municipais e disponível para contribuir com os trabalhos da Câmara Municipal de Vereadores", finalizou a plataforma que intermedeia viagens