Em sua quarta visita ao Ceará no terceiro mandato, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) buscou retomar o protagonismo do governo petista em obras históricas para a região Nordeste que foram constantemente alvos de disputa com o seu antecessor.
Com uma pauta voltada para a ampliação de recursos hídricos no Estado e de expansão de modais de carga, o discurso do presidente reforçou o compromisso do seu terceiro mandato com a entrega dos grandes projetos. No caso do Ceará, a promessa é para a construção do Ramal do Salgado ser concluída em até três anos. Já as obras da fase 1 da Transnordestina devem ser ficar prontas entre dezembro de 2026 e o primeiro trimestre de 2027, beneficiando o trecho que passa pelo Estado.
A ordem de serviço para construção do Ramal do Salgado foi assinada nessa sexta-feira (5), no distrito de Suassurana, em Iguatu. O empreendimento está orçado em R$ 622 milhões, com orçamento já previsto nos investimentos do novo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). O evento ocorreu no Acampamento da Transnordestina, local simbólico, uma vez que o presidente também aproveitou a oportunidade para verificar as obras da ferrovia no Estado.
Os investimentos, inclusive, fazem parte de projetos iniciados no primeiro e segundo mandato de Lula (2002-2010). O Ramal do Salgado estava previsto inicialmente no Projeto de Integração do Rio São Francisco (PISF) — cuja obra iniciou em 2007. A previsão era que todo o projeto do PISF fosse entregue até 2012. As obras atrasaram, e parte delas foi entregue durante gestão do então presidente Jair Bolsonaro, quando já estavam com mais de 90% prontas. Uma delas, inclusive, no Ceará.
Já as obras da Transnordestina foram lançadas em 2006, no primeiro Governo Lula. O prazo de conclusão inicial era até 2010, quando o presidente planejava que os trens de carga estivessem interligando polos produtores do interior dos estados do Ceará, Piauí e Pernambuco aos portos de Recife e Fortaleza, além do Pecém. Contudo, 14 anos depois, a ferrovia ainda não foi concluída e já está orçada em R$ 14 bilhões, mais que o triplo do valor inicial (R$ 4,5 bilhões).
As obras, inclusive, estavam paralisadas desde 2017 por decisão do Tribunal de Contas da União (TCU), que impediu a continuidade dos repasses federais. No terceiro mandato, Lula retomou o projeto.
Disputa por obras
Sem citar o ex-presidente Jair Bolsonaro, o petista frisou que não faltarão recursos para as obras serem entregues. Ao citar a Transnordestina, ele disse que compete consigo mesmo, com seus governos anteriores, porque tem que fazer mais e melhor.
"Nós vamos inaugurar essa obra, não vai faltar recurso para a gente terminar essa obra porque é um compromisso com esse País. Eu não voltei a ser presidente da República para fazer a mesma coisa que eu já tinha feito. Eu preciso fazer mais, eu preciso fazer melhor, eu preciso cuidar desse povo, e eu sei que não é fácil porque eu estou competindo comigo mesmo. Eu estou competindo com meu mandato de 2007 a 2010, de 2003 a 2006"
A retomada da Ferrovia Transnordestina também foi uma pauta abordada como prioritária durante o Governo Bolsonaro. Em 2022, o TCU autorizou que o Governo Federal voltasse a fazer os repasses para retomada das obras do corredor férreo, mas as obras acabaram não engatando.
Já algumas das obras hídricas iniciadas por Lula durante o seu primeiro e segundo mandato foram inauguradas pelo ex-presidente. Em junho de 2020, o Bolsonaro abriu as comportas do reservatório de Milagres, em Pernambuco, para as águas da transposição do Rio São Francisco chegar até o Ceará, no reservatório de Jati, localizado no município de Penaforte. O trecho inaugurado faz parte do Eixo Norte do PISF.
Na época, Bolsonaro reforçou que "a novela estava chegando ao fim" ao se referir as obras da transposição. A disputa sobre quem era o "pai da obra", inclusive, esteve presente na campanha presidencial de 2022. Em outras duas oportunidades, em 2021 e 2022, Bolsonaro também veio ao Estado para tratar de recursos hídricos, cuja maior parte dos projetos foi idealizado e iniciado nas gestões petistas.
Na visita de 2021 ao município de Russas, um dos atos presidenciais era o lançamento do edital para a construção do Ramal do Salgado. As obras do Ramal, no entanto, não foram iniciadas até o fim da gestão bolsonarista.
Vale ressaltar que uma das principais pautas dos Governos petistas para o Nordeste era de segurança hídrica, inclusive com uma agenda de visitas às obras da transposição no Ceará executadas por Dilma Rousseff em seus dois governos (2011-2016).
Agora, Lula retoma a agenda em sua quarta visita ao Estado. A previsão do Governo Federal é que as obras comecem imediatamente, com a apresentação de um plano de ações em até três meses pela construtora responsável, e fiquem prontas em 36 meses.
Mudança de discurso
Para o cientista político Cleyton Monte, que também é professor universitário e pesquisador do Laboratório de Estudos sobre Política, Eleições e Mídia (Lepem) da Universidade Federal do Ceará (UFC), as pautas e os discursos de Lula no Estado indicam uma mudança na estratégia do presidente para tentar melhorar sua imagem em um momento de desidratação momentânea do Governo.
A visita dele ocorreu em meio à iminente 'greve geral' na Educação. O assunto, porém, não foi abordado na visita presidencial.
"Quando ele faz essa comparação com ele mesmo é porque a gente sabe que, nesse momento, o Governo está num processo de crescimento da desaprovação, e uma das coisas que ele vem tentando mudar no discurso é esse comparativo dele com o Bolsonaro, de estar polarizando com o Bolsonaro. O que ele quer fazer agora é se comparar com as gestões anteriores e trazer aquela memória de crescimento dos primeiros governos do Lula"
Para o cientista político e professor universitário Clésio Arruda, que é doutor em Sociologia pela UFC, a mudança no discurso de Lula também indica uma "preparação do terreno" para disputas eleitorais futuras, ainda que o presidente não tenha entrado em nenhum embate municipal no Ceará.
"Quando o Lula faz a comparação do seu terceiro mandato com seus dois mandatos anteriores, saltando aí pela gestão Bolsonaro e período mais curto da gestão do Michel Temer, já é uma preparação do terreno para disputas eleitorais futuras — tanto essa agora que nós vamos ter para o Executivo e Legislativo Municipal como, posteriormente, para deputado federal, senador, governador e a retomada dele para um possível quarto mandato. Isso é mais interessante para ele porque o Governo petista tem como característica colocar o Estado no papel de fomentador de desenvolvimento"
Clésio explica que o discurso mostra uma mudança de estratégia na jogada política que tem peso nas disputas locais, porque obras hídricas executadas por governo petistas, ainda que nem todas entregues, têm peso no eleitorado dos municípios nordestinos.
Campanha indireta
Cleyton Monte avalia que a retomada do protagonismo de grandes obras no Ceará, em um momento de construção de candidaturas nos municípios, melhora a imagem do Governo Federal e do Estado numa forma de fortalecer uma "campanha indireta" para a disputa de 2024, além de fortalecer lideranças aliadas a ele.
"Como ele sabe que a gente está num momento de definição de nomes, ele sabe que ainda não está fazendo campanha diretamente. O PT Fortaleza ainda vai escolher o nome para a candidatura, quase todas as cidades estão nesse processo. Então, não tem um impacto direto porque as candidaturas estão se firmando. O que ele quer melhorar é a imagem do Governo Federal e do Estado para, quando chegar no momento da campanha no Ceará, ele voltar e dizer: 'nós somos um governo de resultado'", analisa Cleyton Monte.
Para Clésio Arruda, a estratégia faz parte do "jogo político".
"O que o Lula está fazendo é trazer para ele mesmo a comparação, que é politicamente vai ser mais benéfica para ele. (...) Cabe à oposição encontrar um contraponto para essa questão", frisa Clésio.