A possibilidade de igrejas serem incluídas entre as atividades essenciais em Fortaleza deve reacender o debate sobre estender a regra para todo o Estado. Na Assembleia Legislativa do Ceará (AL-CE), um projeto de lei apresentado pelo deputado David Durand (Republicanos) para estabelece as igrejas como atividade essencial durante a pandemia, está parado devido a divergências na base aliada do governador Camilo Santana (PT).
Até agora a proposta foi aprovada apenas na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) e não avança nas outras comissões.
O projeto começou a tramitar em abril do ano passado e proíbe o fechamento total ou parcial das igrejas entre as medidas de enfrentamento à Covid-19. Em período de calamidade pública, como o atual, a proposta prevê que seja feita uma limitação do número de pessoas presentes nos locais, "de acordo com a gravidade da situação".
A proposta ainda não tinha sido analisada nas comissões até ganhar força, nos bastidores, com a decretação de novas medidas restritivas pelo Governo do Estado, neste ano. Outros parlamentares da bancada religiosa na Assembleia apresentaram projetos semelhantes que acabaram anexados ao de Durand.
Projeto aprovado em Fortaleza
No último dia 24 de fevereiro, o projeto do deputado do Republicanos foi aprovado na CCJ, mas com dificuldades e, de lá para cá, tem sofrido revezes, principalmente da base aliada do governador.
Um projeto semelhante foi aprovado na Câmara Municipal de Fortaleza, determinando as atividades religiosas essenciais na Capital cearense e deve ser sancionado pelo prefeito José Sarto (PDT), mas ainda demora a ser posto em prática, porque vai ter que envolver uma regulamentação, em meio a um lockdown na cidade.
Na Assembleia, a tramitação segue lenta.
Os deputados Acrísio Sena (PT), Augusta Brito (PCdoB) e Renato Roseno (PSOL) pediram vista sobre a matéria, ou seja, mais tempo para analisá-la e, nesta quarta-feira (10), o deputado Marcos Sobreira (PDT) também pediu vista nas comissões de Direitos Humanos e Serviço Público, as outras duas nas quais falta o projeto ser analisado.
"Normal que os autores queiram tramitação célere, mas como o tema é polêmica e com opiniões diversas, devemos ter cautela", ponderou o deputado Marcos Sobreira (PDT).
O pedetista disse que deve apresentar emendas - sugestões de mudanças no projeto, para "amenizar" os efeitos. O fato é que não há consenso na base aliada sobre a proposta de Durand que, diga-se de passagem, é opositor ao Governo Camilo Santana.
Ações contra a proposta
Acrísio Sena propõe que os autores retirem de tramitação os projetos diante de um momento tão delicado na pandemia.
"Estamos numa situação de calamidade pública, com uma média de mortes no Brasil que chega a 2 mil pessoas. O projeto pode esperar um pouco mais, para que a curva de contaminação reduza, a oferta de leitos se equilibre e os hospitais tenham fôlego. Os autores dos projetos poderiam fazer esse gesto com a vida humana, de fé cristã, retirando (de tramitação)", sugere o deputado Acrísio Sena (PT).
O petista já apresentou emendas ao projeto. Uma delas estabelece que as igrejas terão que obdecer as regras sanitárias durante período de calamidade e que, após os horários estabelecidos pelo Governo do Estado, os templos religiosos só poderão fazer celebrações virtuais.
Outra emenda de Acrísio Sena determina uma ocupação progressiva dos espaços das igrejas, na medida em que os casos de Covid-19 forem aumentando, podendo haver paralisação total das atividades, caso a ocupação dos leitos de UTI ultrapasse 75%.
O deputado estadual Osmar Baquit (PDT) não concorda com o projeto. "Sou católico e vi o papa, a Igreja Católica, dizer que era para fechar as portas sim, porque é uma maneira de contribuir com esse momento. Não se trata de católico, evangélico ou aquilo outro, nós precisamos exatamente é todo mundo fazer o isolamento social", defendeu.
Liberdade de crença
Ao justificar a proposta, o deputado David Durand argumenta, com base no artigo 5º da Constituição Federal, que é inviolável o direito à liberdade de consciência e de crença. Durand defende no projeto o papel religioso e social das igrejas.
"É público e notório, por exemplo, que, na Igreja Universal do Reino de Deus, neste ano de 2020, foram mais de 22 mil doações de sangue, alcançando mais de 90 mil pessoas beneficiadas com essas doações. Esse trabalho não pode parar", diz o parlamentar no projeto de lei.
David Durand cita, ainda, decreto editado pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido), em março de 2020, determinando as igrejas e templos religiosos como essenciais. No entanto, após esse decreto no ano passado, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que estados e municípios têm autonomia para definir os serviços que devem funcionar durante a pandemia.
Parecer contrário na Procuradoria
O líder do Governo na Assembleia, deputado Júlio César Filho (Cidadania), deu parecer favorável ao projeto na CCJ, apesar da Procuradoria da Assembleia, que opina sobre a constitucionalidade das matérias em tramitação na Casa, ter dado um parecer contrário à proposta.
Na reunião da Comissão de Constituição e Justiça, o líder do Governo disse que as igrejas servem para amenizar o sofrimento das pessoas no momento de crise atual.
Já no parecer emitido pela Procuradoria, o órgão destaca a necessidade da existência de regras e princípios constitucionais que tutelam o direito à saúde e a vida, assim como a imperiosa obrigação do poder público em aplicar diretrizes e normas destinadas a garantir a redução do risco de doença e de outros agravos.
Sobre o direito à liberdade de consciência e de crença reivindicado nos projetos, a Procuradoria da Assembleia afirma no seu parecer que há uma colisão entre direitos e princípios fundamentais. O órgão questiona se o livre exercício dos cultos religiosos é indispensável ao atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade e, se não realizados, colocam em perigo a sobrevivência, a saúde ou a segurança da população. E responde que não.
A Procuradoria defende que essas atividades, "de altíssimo relevo", podem ser realizadas online e conclui dando parecer contrário ao projeto de lei.
O líder do Governo reconhece que a base aliada está muito dividida sobre o assunto e que vai "mergulhar" no debate sobre o projeto.