Quase 30 prefeituras comandadas no Ceará, um dos seus principais nomes escolhidos como relator do Orçamento da União do ano passado e uma confortável posição de aliado dos governantes de plantão: Jair Bolsonaro, no plano federal, e Camilo Santana, no Estado. Este é o PSD que, com tudo isso, se apronta para o jogo eleitoral de 2022 com tática ofensiva.
Comandado pelo ex-vice-governador Domingos Filho (PSD), o partido, um dos ícones do "centrão", conhecido nacionalmente, aparece como uma das legendas de maior peso no resultado do pleito do próximo ano. O destino do grupo, no entanto, é incerto, apontam analistas políticos.
A última vez em que o grupo político de Domingos – que tem ainda seu filho, o deputado federal Domingos Neto (PSD), e sua esposa, a prefeita de Tauá, Patrícia Aguiar (PSD) – não compunha o arco governista, no passado recente, foi em 2016, quando a família rompeu com o grupo da família Ferreira Gomes.
À época, uma disputa pela presidência da Assembleia Legislativa do Ceará (AL-CE) foi o estopim para o rompimento das relações.
No episódio, os ex-governadores Cid e Ciro Gomes (PDT) apoiavam a reeleição do deputado Zezinho Albuquerque (PDT), enquanto Domingos Filho apoiava Sérgio Aguiar (PDT).
No fim da queda de braços, Albuquerque saiu vencedor. À época, para desgastar ainda mais as relações, a Assembleia aprovou e o governador Camilo Santana (PT) sancionou a extinção do Tribunal de Contas do Município (TCM), órgão presidido por Domingos Filho.
O PSD hoje
“Naquele momento, o grupo estava inflado com o poder, então houve esse rompimento, mas foi um passo além do que eles poderiam alcançar, tanto que refizeram a aliança”, relembra o cientista político Raulino Pessoa Júnior, professor da Universidade Regional do Cariri (Urca).
“Não sei se hoje eles estão mais fortes do que naquela época, mas com certeza recuperaram o patrimônio político, estão com poder mais sólido e estão mais experientes”
Desde então, o grupo liderado pelo ex-presidente do TCM caminha junto aos governistas, mas mantém certa autonomia, conforme aponta o cientista político Cleyton Monte, que também é professor universitário e pesquisador do Laboratório de Estudos sobre Política, Eleições e Mídia (Lepem) da Universidade Federal do Ceará (UFC).
“Esse grupo se faz de forma independente do governo, mas sempre mantendo uma relação de proximidade. Isso porque eles têm uma influência grande sobre muitos prefeitos do Interior, e esses prefeitos dependem de uma boa relação com o Governo do Estado. Estamos falando de municípios pobres, que precisam de repasses estaduais”, explica Monte.
Poder no Interior
Um exemplo dessa força do grupo pessedista nos municípios do interior ocorreu no ano passado. Na disputa eleitoral de 2020, a sigla conseguiu eleger 27 prefeitos no Ceará, sendo a segunda com mais representantes nas prefeituras, ficando atrás apenas do PDT, com 66. A legenda superou inclusive o MDB, que em 2016 estava em segundo lugar.
Diante de uma disputa estadual que se aproxima, ter essa capilaridade nos municípios pode ter peso, apontam especialistas. “Eles conseguiram eleger muitos prefeitos, e o Domingos Neto tem uma articulação muito boa com eles, é muito hábil em manter essas alianças. Com isso, eles vão se fortalecendo no Interior”, afirma Raulino.
No último dia 10 de junho, em aceno a esses aliados, o deputado federal promoveu um evento para distribuição de maquinários de obras pesadas para 22 dos 27 prefeitos eleitos pelo PSD no Ceará. A destinação dos equipamentos partiu da indicação feita pelo parlamentar de R$ 60 milhões à Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf) para a compra dos equipamentos enquanto relator do Orçamento da União 2020.
Alianças pragmáticas
Os recursos para esse afago aos aliados, conforme explicou ao Diário do Nordeste, saíram das chamadas “emendas de relator”, instrumento que dá ao parlamentar que relata o Orçamento autonomia para indicar o destino de vultosa quantia em investimentos.
Ao todo, só em 2020, esse dispositivo foi responsável por definir a aplicação de R$ 20 bilhões do orçamento. Como o deputado cearense foi o relator do Orçamento daquele ano, ele teve autonomia de remanejar esses recursos e negociar com outros parlamentares onde seriam aplicados.
Poucos dias depois, na terça-feira (15), o deputado federal esteve em reunião com o governador Camilo Santana. Além do parlamentar, estavam no encontro Patrícia Aguiar, Domingos Filho e a médica geriatra Gabriella Aguiar, filha do casal. Conforme publicaram nas redes sociais, a reunião foi para debater “ações e projetos para o desenvolvimento do Ceará”.
“Radicalmente de centro”
Os dois episódios, separados por menos de uma semana, evidenciam outra característica do grupo político liderado por Domingos Filho: o pragmatismo. Mesmo sendo aliado do governador do PT no Ceará, com o PSD neutro no segundo turno em 2018, o deputado federal Domingos Neto se aproximou do governo Bolsonaro no ano seguinte.
“Podemos dizer que eles são bolsonaristas? Não. O PSD é um partido ‘radicalmente de centro’, como diz o presidente nacional (da sigla), Gilberto Kassab. Ou seja, seus integrantes são livres para flexibilizar. Basta lembrar que eles apoiaram a Dilma (Rousseff), o (Michel) Temer e, agora, o Bolsonaro, são pragmáticos”
Eleições 2022
A um ano e quatro meses das eleições, Domingos Filho admite o planejamento para tentar levar a família ao cargo mais alto do Executivo. As circunstâncias para isso, entretanto, impõem muitos obstásculos, tendo em vista o amplo arco de alianças governista.
"Um partido que não tem projeto de ter um governador não é partido, é ajuntamento de pessoas. Estamos trabalhando para chegarmos com condições, com bom senso e serenidade, colocar as pretensões e discutir com o senador Cid, o governador Camilo e todos os aliados"
Conforme a reportagem, o nome de Domingos Filho não está na lista dos mais cotados pelos pedetista. O rompimento em 2016 dificultou ainda mais.
“Eles podem fazer alianças com qualquer um justamente por essa independência e pragmatismo. Acredito que tanto o Governo quanto a oposição vão disputar essa aliança, até porque eles sabem como funciona a política no interior, entendem as demandas dos prefeitos, e, numa disputa estadual, ganha quem tem mais apoio dos prefeitos”, explica Cleyton Monte.
Prefeituras são comandadas pelo PSD no Ceará
Para Raulino Pessoa Júnior, essa sinalização feita por Domingo Filho de que pretende disputar o Governo pode ser um “blefe”. “Ele anunciar isso é uma forma de blefe para conseguir mais benesses nas negociações futuras. Cogito até que ele realmente seja candidato no primeiro turno, mas já pensando nas negociações de alianças para o segundo turno”, acrescenta.