As associações de policiais e bombeiros militares estão proibidas pela Justiça do Ceará de adotarem qualquer tipo de mobilização que trate de discussão de “melhorias salariais, estrutura de trabalho e conquistas para a carreira militar” e também ações que tratem da “deflagração de greve e/ou qualquer manifestação coletiva de forças armadas com posturas grevistas”. A decisão atinge cinco associações que representam a categoria, das quais quatro detêm 52% de toda a arrecadação de contribuição descontada na folha de pagamento da categoria. Nos últimos seis anos, elas movimentaram cerca de R$ 65,9 milhões, a partir da contribuição dos policiais e bombeiros militares, de acordo com dados obtidos pelo Sistema Verdes Mares junto à Secretaria Estadual de Planejamento e Gestão (Seplag), via Lei de Acesso à Informação.
O despacho da juíza Cleiriane Lima Frota, da 3ª Vara da Fazenda Pública do Ceará, foi divulgado na noite desta segunda-feira (17), horas depois de o Ministério Público do Estado do Ceará (MPCE) ajuizar Ação Civil Pública (ACP) que pedia uma série de restrições a cinco associações, segundo o órgão, visando evitar a paralisação dos serviços de Segurança Pública em meio à crise entre a categoria e o Governo do Estado pela proposta de reajuste salarial. De acordo com o MPCE, as associações estariam atuando como sindicatos frente às demandas da categoria e incitando a realização de movimento paredista.
A decisão atinge a Associação dos Profissionais de Segurança (APS), a Associação dos Praças do Estado do Ceará (Aspra-CE), a Associação de Praças da Polícia Militar e do Corpo de Bombeiros Militar do Estado do Ceará (Aspramece), a Associação dos Oficiais da Polícia Militar e do Corpo de Bombeiros Militar do Estado do Ceará (Assof) e a Associação Beneficente de Subtenentes e Sargentos (ABSS).
Ainda na segunda, a Seção Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará (TJCE) manteve decisão que determina que agentes de segurança poderão sofrer sanções e até serem presos por promoverem movimentos grevistas ou manifestações. Os desembargadores, porém, decidiram, por unanimidade, que a matéria deve ser apreciada pelo Órgão Especial, ainda sem data para entrar em pauta. As decisões judiciais tornam, de um lado, as associações, e de outro, os membros da base da categoria suscetíveis a punições.
Verba das associações
Na ACP, além do que foi acatado pela Justiça, o MPCE solicitou o bloqueio de todas as contas bancárias e de aplicações financeiras das associações, caso ocorra paralisação total ou parcial das atividades de Segurança Pública. Pediu, ainda, que o Governo do Estado aplique a suspensão das consignações em folha de pagamento por 90 dias.
Quatro das cinco associações de policiais e bombeiros militares no Ceará, alvos da ação, receberam, desde 2014, cerca de R$ 65,9 milhões em contribuição das categorias a partir de desconto na folha de pagamento, segundo dados obtidos via Lei de Acesso à Informação. Ao todo, há 12 associações cadastradas junto à Seplag. Das cinco envolvidas na ACP, somente a Assof não consta nos dados recebidos pela reportagem.
A decisão judicial determina multa em caso de descumprimento da proibição e aponta o risco de medidas “mais extremas”. Em outubro do ano passado, a Justiça Estadual da Bahia determinou a interdição de todas as sedes da Associação dos Policiais e Bombeiros Militares e seus Familiares (Aspra) no Estado, em meio a uma investigação por incitação a movimento paredista (um movimento grevista que não identifica líder).
Nos últimos seis anos, o maior crescimento na arrecadação das associações no Ceará foi da APS. Criada em 2014, ela passou a receber oficialmente o desconto na folha de pagamento da categoria a partir de 2015. De lá para cá, a arrecadação cresceu 1.322%, passando de R$ 366 mil para R$ 5,2 milhões.
“Todos os recursos advindos dos associados são aplicados no bem-estar jurídico, de saúde, na área social e para o lazer”, explica o presidente da APS, o vereador Sargento Reginauro (sem partido). Ele ressalta, ainda, que a Associação presta contas anualmente à categoria. “Há uma completa transparência no uso desses recursos”, pontua.
Segundo a Seplag, os servidores decidem para onde destinarão o desconto das taxas, podendo contribuir para mais de uma associação.
Criada em 2001, a Aspramece viu sua receita cair nos últimos anos. O presidente da associação, Pedro Queiroz da Silva, atribui a queda à criação de novas associações e dos atrativos que oferecem, como serviço psicológico. Ele destaca também que a verba é destinada a serviços de suporte à categoria em diferentes áreas, com prestação de contas de periodicidade anual.
O Sistema Verdes Mares não conseguiu contato com a líder de arrecadação e mais antiga associação, a Aspra, nem com a ABSS.
MPCE
A ação do MPCE resultou de provocação da Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS) e da Controladoria Geral de Disciplina dos Órgãos de Segurança Pública e Sistema Penitenciário (CGD).
O procurador-geral de Justiça, Manuel Pinheiro, afirmou, em coletiva, que “o Ministério Público tem profundo respeito pela Polícia Militar, pelo Corpo de Bombeiros Militar, por todos os seus integrantes, e que as providências decorrem de obrigações constitucionais e legais”, ressaltando que o órgão não entrará na discussão sobre os salários da categoria.
Justiça
Na decisão judicial que avaliou o pedido do MPCE, a juíza ressalta a regulamentação do Direito de Associação Sindical e de Greve, a partir da qual pontua o que diz o artigo 142 da Constituição Federal: “ao militar são proibidas a sindicalização e a greve”.(...) Justamente pelo fato evidente de que o serviço público prestado pela classe é essencial à manutenção da ordem e da segurança pública e à tranquilidade da população”, expõe a magistrada. Ela aponta, ainda, que nenhum outro órgão pode suprir essa necessidade.
A juíza reforça que “as Associações Militares não estão autorizadas a fomentar e a incitar condutas, sejam comissivas ou omissivas que, na prática, possam equipar-se a atos grevistas” e decide que associações se abstenham de promover reuniões “voltadas para discussão de melhorias salariais, estrutura de trabalho e conquistas para a carreira militar”, além de mobilizações que tratem da “deflagração de greve e/ou qualquer manifestação coletiva de forças armadas com posturas grevistas”.
Além disso, a Justiça determina também que diretores de associações se abstenham de se reunir, de forma presencial ou virtual, a partir do total de cinco lideranças, “com nuances de postura arregimentadora das forças policiais” até 1° de março deste ano, período pré até pós-carnavalesco. Foi definida multa diária de R$ 500 mil em caso de descumprimento da determinação, sob risco de alteração no valor ou de “medidas mais extremas”.
“Como ainda é uma informação extraoficial, não temos nenhuma providência jurídica a adotar. Adotaremos mediante intimação”, disse o consultor jurídico da Assof, Alexandre Timbó.
Toda a mobilização na Justiça se baseia nas manifestações públicas de policiais e bombeiros militares em reivindicações de melhorias salariais nos últimos dias. No pedido do Ministério Público, é considerada, inclusive “a hipótese de ocorrência de movimento paredista”.
O Ministério Público pontua ainda que, “em desrespeito às proibições constitucionais, estariam realizando atividades tipicamente sindicais, inclusive mobilizando as respectivas categorias para a realização de uma greve”. Segundo o texto, havia uma reunião deliberativa marcada para esta terça-feira (18).
Associações
Antes da decisão judicial ser anunciada, o presidente da APS, Reginauro Sousa, informou que ainda não tinha recebido notificação oficial do Ministério Público ou da Justiça. Ele disse que soube do ação por meio da imprensa.
“Lamento porque o Ministério Público esteve presente em todas as reuniões que foram feitas conjuntamente com o Governo e certamente o Ministério Público não viu nenhum dos presidentes fazendo manifestação ou apologia ao movimento grevista. Muito pelo contrário. Em todos os momentos, a comissão do Governo ouviu dos presidentes e das lideranças que não havia o menor interesse nosso em paralisação, mas em procurar mediar o diálogo”, apontou o representante.
Já o presidente da Aspramece disse que não iria se manifestar enquanto não tivesse acesso ao inteiro teor da Ação Civil Pública.
O Sistema Verdes Mares não conseguiu contatos com a Aspra e a ABSS até o fechamento desta reportagem.
Leitura da proposta de reajuste na Assembleia
A expectativa da base governista é de que a proposta de reestruturação da carreira dos policiais e dos bombeiros militares do Ceará seja lida na sessão desta terça da Assembleia Legislativa do Ceará.
A proposta do governador Camilo Santana (PT), definida em reunião com líderes da categoria na última quinta-feira, aumenta em cerca de R$ 1,3 mil o salário de um soldado, por exemplo, até 2022. A remuneração deles passará dos atuais R$ 3,2 mil para R$ 4,5 mil, caso seja aprovado o projeto. A alteração salarial será feita em três parcelas, sendo a primeira no próximo mês e as outras duas em março de 2021 e em março de 2022, conforme previsão da matéria a ser analisada pelos deputados.
No início do mês, quando foi anunciado, o plano de reestruturação previa aumento de R$ 1 mil para a mesma patente, a ser pago em quatro parcelas.
Foi essa proposta que levou policiais militares, bombeiros e parentes dos servidores a protestarem na AL, no dia 6 de fevereiro, insatisfeitos com a proposta de reajuste apresentada pelo Governo do Estado.
Após o ato de reivindicação, foram realizadas reuniões entre representantes da categoria e do Estado para fechar um acordo.
Após acordo firmado entre os representantes dos agentes de segurança e o Governo sobre a proposta de reajuste, líderes das categorias recuaram do compromisso assumido e divulgaram que a proposta não foi aceita pela totalidade de policiais e bombeiros militares.
Entre os deputados estaduais, há a pretensão de que a mensagem seja votada o quanto antes. Em paralelo à leitura do projeto em plenário, a categoria previa realizar uma reunião na Casa para votar a proposta.