A Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (PENSSAN) realizou uma pesquisa entre novembro de 2021 a abril de 2022, e evidenciou o retorno do Brasil ao mapa da fome. Revelou que o País conta com 33 milhões de pessoas com fome e que está presente em 15,5% dos lares. Os domicílios chefiados por mulheres negras representam 22% dos que são atingidos com o problema, enquanto os liderados por mulheres brancas são de 13,5%.
As famílias negras são as mais atingidas, em especial as chefiadas por mulheres negras, vulnerabilizadas pela extrema pobreza. A maioria dessas sobrevivem com os piores indicadores de renda, trabalho, acesso a saúde, habitação, saneamento básico e tem pouca participação, subrepresentadas em importantes espaços.
A situação torna-se difícil comandam a família sozinhas, sendo mães e/ou tendo filhos com deficiências, vítimas de violências. De modo geral, não conseguem cumprir as funções de socialização, cuidado e manutenção financeira dos membros em cenário de escassez e privações.
É possível ver uma sobreposição entre pertença racial, de gênero e pobreza, posto que a pobreza se configura como fenômeno multidimensional. As estruturas do racismo e do sexismo por muito tempo, e na atualidade, permanecem no imaginário social e no modo como as ações públicas são formuladas e executadas, com a da negação de que a sociedade é segregada racialmente, e que segue culpabilizando essas mulheres por sua situação.
Uma análise fecunda sobre os fatores do retorno da fome no Brasil e o maior impacto na população negra deve considerar dimensões sócio-históricas desse País campeão em desigualdades, que reproduz o legado da escravidão pela via do racismo, o corte dos gastos públicos em políticas sociais que fragilizou o sistema de proteção social nos últimos anos e o contexto da pandemia da Covid-19 que escancarou muitos problemas.
O desafio hoje é enfrentar a fome e combater a pobreza, a extrema pobreza. Nesse sentido, o Ceará lança o Pacto de combate à fome, quando cria pela Lei 18.312/2023 o Programa Ceará sem Fome para promover mais acesso das pessoas à alimentação saudável e nutritiva.
Com ênfase na participação cidadã, com o engajamento da sociedade civil, contempla tanto o viés econômico quanto de proteção social aos grupos vulnerabilizados, dentre eles os historicamente discriminados.
Qualquer política pública que vise a superação da insegurança alimentar grave deve priorizar promover a participação das mulheres negras nos espaços políticos e de controle social onde são beneficiárias. É uma das formas de reconhecer suas experiências, de valorizar os esforços que já reúnem nos seus territórios, para o enfrentamento da extrema pobreza.
Elas sabem como as políticas são executadas e podem contribuir para melhor qualificar essas ações. Assim, terão suas necessidades humanas atendidas com acesso a direitos e de fortalecimento da democracia.
“Este texto reflete, exclusivamente, a opinião do autor”.
Professora da UECE e Secretaria da Igualdade Racial do Ceará