O que mudou dez anos depois do rompimento entre Cid e Luizianne?

Em uma década, a direita ascendeu no Estado, mas a rivalidade política entre ex-aliados foi mantida

Luizianne Lins era uma liderança política influente em 2006. Prefeita de Fortaleza depois de vencer de forma inesperada a eleição de 2004, a petista não sabia o que era perder uma eleição desde que entrou na corrida eleitoral quando se elegeu vereadora de Fortaleza em 1996. 

Em meados dos anos 2000, Cid Gomes tinha como maior feito político os dois mandatos como prefeito de Sobral. Assim como Luizianne, Cid havia ocupado mandato na Assembleia Legislativa do Ceará como deputado estadual, mas teve destaque como presidente do Parlamento.

Com o cenário político local em transformação pelos impactos de Lula na presidência da República e a ascensão do PT na Capital, o grupo de cunho "progressista", PT e PSB, se uniu para eleger o próximo governador. O escolhido foi Cid Gomes. 

Desconhecido do grande eleitorado, Cid acabou sendo associado rapidamente à imagem do irmão Ciro Gomes, não só pela relação sanguínea, mas também pela aparência física. Uma ampla aliança levou o ex-prefeito de Sobral a vencer o governador Lúcio Alcântara ainda no primeiro turno. 

Ali surge a aliança entre Luizianne e Cid que duraria pouco mais de seis anos. 

Acenos e sucessão 

Em retribuição, o já governador Cid Gomes declarou apoio a Luizianne na disputa pela reeleição, em 2008. A prefeita foi reeleita no primeiro turno. Dois anos depois, a petista apoiou novamente Cid, que se reelegeu governador também no primeiro turno. 

O grupo se fortaleceu ainda mais e parecia unido para novos objetivos. Com isso, a expectativa da petista era que a aliança fosse mantida na Capital para o pleito de 2012 com o apoio do governador avalizando a escolha da chefe do Executivo municipal para a sucessão em Fortaleza. O script, porém, não foi bem esse e o rompimento acabou anunciado. 

Depois de muito debate interno, a prefeita indicou o então secretário de Educação, Elmano de Freitas, para a sucessão pelo PT. 

De outro lado, o governador Cid Gomes e algumas alas do PT estadual tinham Camilo Santana como alternativa. Sem acordo, a aliança foi rompida pouco antes de iniciar a campanha em 2012 e o PSB lançou o então deputado estadual, e presidente da Assembleia Legislativa, Roberto Cláudio. 

Troca de farpas 

Os seis anos de aliança foram rompidos publicamente. Em entrevistas à imprensa, Cid e Luizianne trocaram acusações e resgataram polêmicas. 

A administração municipal protagonizou a maioria dos embates públicos. 

O governador acusava a prefeitura de travar obras do Governo do Estado na Capital e de não tocar os próprios projetos municipais. 

"Luizianne não respeita Fortaleza porque a Luizianne não gosta de trabalhar e passa o tempo fazendo confusão. Isso não é respeitar Fortaleza, sinceramente", disse Cid à época. 

Licenciado do governo estadual para participar ativamente da campanha de Roberto Cláudio, Cid subiu o tom e alimentou ainda mais o clima de rivalidade política. 

"Luizianne é vaidosa demais, é arrogante demais, é personalista demais e nada que não seja um espelho pra ela tem valor. O que tem valor pra ela é um espelho que projete a imagem dela", provocou o gestor. 

Em coletiva de imprensa, a petista rebateu as críticas e fez acusações contra o ex-aliado. 

"Infelizmente o Governo do Estado achava que a prefeitura de Fortaleza era só de enfeite. E é isso que eles querem fazer se elegerem o prefeito de Fortaleza", disse aos jornalistas. 

Luizianne apontava que o Palácio da Abolição não cumpria regras básicas para as construções, como o licenciamento ambiental e a acessibilidade para deficientes. 

"Ser aliada do governador não significava que todas as obras que o governador quisesse fazer na marra em Fortaleza eu ia concordar", rebateu a petista. 

Pós-rompimento  

Derrotada na eleição municipal em 2012, Luizianne perdeu força política entre aliados. Se afastou da rotina partidária para concluir o mestrado e chegou a voltar à sala de aula, onde é professora na Universidade Federal do Ceará. Em 2014, no entanto, foi eleita deputada federal – posto que ocupa até os dias de hoje. 

Por outro lado, Cid fez o sucessor em 2014, virou ministro da Educação no governo Dilma e foi eleito para o Senado, em 2018. O pedetista segue coordenando a principal força política do Ceará. A petista tentou voltar à prefeitura fazendo oposição ao grupo adversário, mas foi derrotada em 2016 e 2020.

Ao longo da última década, Cid e Luizianne não foram vistos juntos. O rompimento, que se mantém até os dias de hoje, mudou as forças políticas dos últimos anos no Ceará. A petista, apesar de certo isolamento político, segue com força eleitoral para o legislativo. 

Nas últimas semanas, o grupo liderado pelo governador foi incomodado por alas do partido vinculados à ex-prefeita que pediam o rompimento com o PDT estadual. A deputada ainda busca uma reviravolta na instância nacional para se lançar candidata à governadora pela legenda. Luizianne foi a terceira deputada federal mais votada em 2018 no Ceará. 

Novo cenário 

Em dez anos muita coisa mudou. Hoje, o principal adversário local do grupo liderado por Cid e Ciro Gomes é o deputado federal Capitão Wagner (Pros) e o senador Eduardo Girão (Podemos). O grupo se fortaleceu com a ascensão da direita no País, representada pela eleição do presidente Jair Bolsonaro (PL). 

Wagner foi um dos aliados da então prefeita Luizianne, em 2012, contra o candidato Roberto Cláudio, apadrinhado dos irmãos Ferreira Gomes. Hoje, o ex-militar e a petista seguem em campos opostos, mas sem rivalidade pessoal. Ex-aliado do governo, o ex-senador Eunício Oliveira (MDB) também rompeu com o ex-governador. Hoje tem a confiança do governador Camilo Santana, mas alimenta desafeto com Cid. 

Antes adversário em comum de Luizianne e Cid, o senador Tasso Jereissati tem se reproximado do grupo de Ciro Gomes, e é esperada que uma aliança possa ser concretizada na eleição de outubro de 2022.  

Aproximação? 

Pela primeira vez em dez anos de rompimento com o grupo, Luizianne se reuniu com uma das integrantes da ala cidista: a vice-governadora Izolda Cela, que deve assumir a chefia do Abolição no próximo mês com o afastamento do governador Camilo. 

Através da assessoria de imprensa, a deputada se mostrou satisfeita com a conversa. O encontro ocorreu na sede da vice-governadoria e foi elogiado pelo senador Cid Gomes.  

"É ótimo que conversem, eu defendo. Política, acima de tudo, a gente tem que ter bons propósitos, tem que ter compromissos claros com o povo. Agora, em nome disso, para você formar alianças partidárias, é bom o diálogo, é bom o entendimento. Se as duas estão conversando, eu fico feliz", disse o senador. 

A petista deixou claro que a conversa se reduziu às preocupações com o Ceará e que não foi colocado na mesa nenhuma discussão eleitoral. 

Geralmente os entendimentos começam assim.