Não, ninguém enjoou do principal assunto da cultura brasileira em 2025: Fernanda Torres. Inclusive, é impossível ler este nome e, automaticamente, não pronunciá-lo com o sotaque de Viola Davis no ato da premiação do Globo de Ouro. O Brasil segue em festa, segue nesse clima meio Copa do Mundo, meio gol da Marta e do Ronaldo juntos pelo filme Ainda Estou Aqui.
Essa perpetuação do assunto “Fernanda Torres” diz muito sobre como somos apaixonados pela gente da nossa terra. O Brasil é tão dicotômico que, apesar da imensa síndrome de vira-lata que nos assola muitas vezes, somos também extremamente bairristas, movidos à paixão. Torcemos pelos nossos e os queremos no topo.
Se a premiação fosse ainda puramente por Fernandinha, já valia muito, mas o gostinho de quem “vingou” a não-premiação de Fernanda Montenegro por Central do Brasil deu um sabor a mais. Nos trouxe um sentimento de reparação histórica. Naquela época, o prêmio de Fernandona, sem dúvidas, representaria uma esperança para o cinema mundial, provando que premiações como essas não tendem somente a fortalecer a indústria cinematográfica americana.
De lá para cá, foram poucas vezes que produções estrangeiras conseguiram grandes consagrações. O Brasil bateu na trave em algumas edições. Por isso que o Globo de Ouro de Fernanda Torres é tão histórico. Ele renova nossas expectativas, amplia os nossos olhares e prova por a+b a qualidade do nosso cinema e do nosso audiovisual como um todo, afinal, em nenhum momento “Slap and Kisses”, a série Tapas e Beijos foi esquecida por nós e nem pela imprensa internacional.
A primeira brasileira a receber esse prêmio não é só uma grande atriz dramática, que foi genialmente percebida por Walter Salles, mas uma gigante da comédia. As respostas, é claro, vieram em forma de memes, porque a gente sabe muito bem se divertir e não há nada mais brasileiro do que comemorar achando graça.
Após alguns anos de descaso com a Cultura por meio de uma gestão desastrosa que destituiu o nosso ministério e promoveu ataques diretos aos artistas, numa tentativa de desqualificar e destruir o setor, é bonito e impactante demais ver como a arte se transmuta, se reergue e reconstroi os caminhos capazes de driblar o facismo.
Fernanda Torres e Ainda Estou Aqui nos ajudam a perceber o quanto precisamos de cada vez mais investimento em cultura, o quanto é possível fazer cinema de qualidade, contar narrativas comoventes, ultrapassar barreiras da língua e honrar a história de um país.
Esse filme e essa atriz vão continuar na boca do povo, seguirão aclamados no mundo inteiro, pelo menos, até a lista dos indicados oficiais do Oscar 2025 sair. E aqui vai um lembrete: o prêmio acontecerá em pleno Carnaval. Que Deus, os orixás, todos os santos, os astros e planetas nos façam comemorar esse prêmio nas ruas, se possível, fantasiados de Fernanda Torres.
*Este texto reflete, exclusivamente, a opinião do autor