Definição de política fiscal das contas públicas deve ditar o 'ânimo' do Mercado com novo governo

Após fala do presidente eleito, a Bolsa registrou queda, mas oscilações foram consideradas uma "resposta exagerada". Para economistas ouvidos pela coluna, governo Lula precisará atualizar a regra do teto de gastos para garantir medidas importantes

As falas do presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva, sobre as condições do ajuste fiscal das contas públicas tem gerado preocupações no mercado financeiro, E, segundo economistas, essas flutuações deverão ser controladas apenas quando houver uma definição das estratégias de controle dos gastos do governo para os próximos anos. 

Durante um evento sobre a formação da equipe de transição, realizado no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB), o presidente Lula questionou a razão da "questão social" ficar de fora do debate econômico de ajuste fiscal. 

“Por que as mesmas pessoas que discutem com seriedade o teto de gasto não discutem a questão social do país? Por que o povo pobre não está na planilha da discussão da macroeconomia?”, disse Lula. 

No dia seguinte, a reação do mercado financeiro foi de queda do Ibovespa, principal índice da Bolsa Brasileira, e fortalecimento das moedas estrangeiras frente ao real, como dólar e euro. 

As preocupações, segundo economistas consultados pela coluna é de que não há, ainda, uma definição sobre a próxima regra de controle dos gastos públicos para a política fiscal. Apesar da leitura, porém, para o economista e professor, Ricardo Eleutério, a resposta do mercado foi "exagerada".

O membro do Conselho Regional de Economia no Ceará (Corecon-CE) também comentou que teto de gastos, regra atual de controle dos gastos públicos, já havia sido quebrado algumas vezes nos últimos anos, sem uma resposta tão clara assim do mercado financeiro.  

"A reação do mercado à fala do presidente Lula foi, de certa forma, exagerada, com Bolsa caindo fortemente, e dólar e euro subindo. O que se espera, do mercado financeiro, é que se tenha um movimento de volatilidade nos próximos meses até que se fique clara a política fiscal, até porque a política monetária é definida pelo Banco Central", disse Eleutério.

"Vale destacar que há 3 anos tem se estourado o teto de gastos. O respeito, na realidade, se acabou há 3 anos, com justificativas sendo achadas para se ultrapassar o teto de gastos. Tem um conjunto de propostas de economistas sendo escritos buscando caminhos para a política fiscal, e um deles propõe um teto de dívida em vez de uma relação dívida e PIB", completou.

Deficit em alta

A perspectiva foi corroborada pelo economista Eldair Melo, que destacou, no entanto, ser previso haver cautela do próximo governo em relação ao deficit público. Com os impactos da crise gerada pela covid-19, a guerra entre Rússia e Ucrânia, e questão como a renovação dos pagamentos do Auxílio Emergencial, a expectativa é de que o governo registre, em 2023, um acréscimo do déficit no patamar dos R$ 400 bilhões. 

A partir desse cenário, rever o teto de gastos passaria a ser um dos pontos mais importantes para a organização do próximo governo, que ainda está definindo pontos da transição. Uma das possíveis regras apontadas pelo Economista Eldair Melo, corroborando com Eleutério, é de um limitador de patamar da dívida. 

Atualmente, o teto de gastos considera a relação dívida e Produto Interno Bruto (PIB). 

"As contas públicas já vem desestabilizadas e furando o teto de gastos desde o governo Bolsonaro, com os wavers do ministro Paulo Guedes, inclusive pensando na covid e os precatórios. Em 2023, orçamento previsto já está gerando um déficit de R$ 65 bilhões para o próximo governo. Ainda temos a PEC de transição, reajuste de servidores e novo cálculo do ICMS. Juntando, isso gera um déficit de R$ 400 bilhões para 2023, e dentro disso o teto de gastos não faz mais sentido", disse Melo. 

"O governo deveria trabalhar em uma outra linha, e uma forma de controlar os gastos públicos seria usar a tendência da dívida pública, dada essa desestabilização", completou.

Impactos à sociedade 

Outro ponto levantado pelos economistas é que seria pouco improvável o Brasil viver uma crise financeira semelhante à Argentina nesse momento, mesmo com um possível descontrole dos gastos públicos. Como o País ainda possui uma reserva cambial considerável e uma economia mais diversificada, o risco de crise estaria mais controlada. 

No entanto, os economistas apontaram que a população poderia sentir impactos claros desse desequilíbrio fiscal caso o próximo governo não ajuste as contas públicas. 

Segundo Eldair Melo, se o governo não ajustar a relação entre receitas e despesas, ele poderá acabar elevando tributos para compensar o aumento de investimentos ou para pagar os serviços da máquina pública. 

Em termos de crise financeira, acho que não teremos uma situação com a da Argentina, porque temos uma reserva cambial muito forte, e temos uma economia mais estruturada, além de nos conectarmos melhor com o mundo, inclusive com o congelamento de preços que haverá por lá. Mas um desequilíbrio pode impactar a vida das pessoas na hora que o governo decidir aumentar impostos para cobrir despesas públicas"
Eldair Melo
Economista

Também foi destacado pelo economista uma possível queda da atividade econômica, já que investidores poderia reduzir os fluxos financeiros no País por considerar que o governo não teria capacidade de garantir o pagamento das dívidas. O cenário poderia levar a uma redução do PIB e uma sensação de piora da qualidade de vida como consequência.

"Outra forma é a diminuição do PIB, que irá gerar um aumento do desemprego no País. Nesse momento de austeridade, o Brasil pode reverter, sim, essa postura, ao mudar o critério de gastos, partindo para gastos seguindo o perfil da dívida pública. Então já temos uma desvinculação com a inflação em si. E o Brasil pode começar a adotar uma política anticíclica para favorecer o investimento e reduzir a taxa de juros", disse.

Garantia do Auxílio Brasil

Apesar da preocupação com os gastos públicos, Melo defendeu o retorno dos pagamentos do Auxílio Brasil. Ele afirmou que a medida pode garantir um fluxo importante para economia do País durante esse momento de reorganização da situação fiscal. 

Atualmente, as previsões são de que o Brasil enfrente um ano complicado em 2023, voltando a crescer apenas em 2024. 

"A garantia do Auxílio Brasil é muito importante para gerar uma dinâmica na economia brasileira, que pode ter um respiro durante 2023 para, em 2024, o País possa começar a crescer, já com as contas equilibradas", disse Melo.

Eleutério ainda destacou ser comum, em momentos de crise, governos aumentarem os gastos públicos para gerar uma política anticíclica na economia. A estratégia é importante para contornar momentos difíceis e, por conta disso, a definição da nova regra fiscal deve continuar exigindo esforços do próximo governo. 

Sempre que as economias entram em recessão, se faz uma política expansionista, com aumento de gastos públicos e cortes de tributos, mas a dificuldade maior é voltar às condições anteriores, como o nosso Banco Central já vez aumentando os juros e buscando um equilíbrio da dívida pública"
Ricardo Eleutério
Economista e professor

"Temos um conjunto de propostas de economistas sendo escritos buscando caminhos para a nova política fiscal, e um deles propõe um teto de dívida em vez de uma relação dívida e PIB", completou.