O anúncio de que o Padre Cícero pode se tornar em breve um beato reconhecido pelo Vaticano surpreendeu, como um coroamento de todo o trabalho de revisão histórica da existência do Padre Cícero, desde 2001, e do cuidado com os romeiros realizado no Cariri.
É uma missão coletiva que atravessou três papados: São João Paulo II, o hoje Papa Emérito Bento XVI e agora o Papa Francisco.
A luta pelo reconhecimento do Padim envolveu diversos religiosos, historiadores e outros profissionais que se mobilizam há anos para reparar o que consideram uma injustiça histórica: o fato de o ser humano reverenciado por milhões no maior país católico do mundo ainda estar impossibilitado de ser exposto nos altares da Igreja.
As vitórias foram sendo conquistadas passo a passo. Em 2006, foi concluído e entregue à Congregação para a Doutrina da Fé todo o estudo que pedia reconhecimento ao Padim. Uma pesquisa robusta que tinha sido incentivada pelo então Cardeal Joseph Ratzinger, futuro Papa Bento XVI, ainda no papado de João Paulo II.
Somente em outubro de 2015, quando o Papa Bento XVI havia abdicado do trono, chegou a resposta, já no papado de Francisco: era anunciada a reconciliação com o Padim. Após esse momento de alegria, mais uma vez se fez silêncio.
A Diocese de Crato, onde se lidera esse movimento, também teve mudanças: Dom Fernando Panico, pioneiro quando pouco se acreditava nessa aposta, foi substituído por Dom Gilberto Pastana de Oliviera, que deu continuidade, e, agora, coube a Dom Magnus Henrique Lopes o anúncio histórico neste inesquecível 20 de agosto de 2022: o Vaticano autorizou, oficialmente, em nome do Papa Francisco, a abertura do processo de beatificação e o Padim pode ser chamado de Servo de Deus, o primeiro passo para a beatificação e canonização.
Apesar de todo esse trabalho, uma resposta positiva era dúvida, sempre foi. Apesar de toda a popularidade do Padim, da reunião de milhões de pessoas todos os anos na cidade de Juazeiro do Norte, havia resistências: a insistência por um milagre não reconhecido pelo bispo à época, a entrada na política, o fato de ter morrido proscrito, a excomunhão.
A julgar pelo que foi afirmado na coletiva de imprensa, a fé romeira parece ter sido capaz de romper com o que havia de resistência: "A fidelidade dos romeiros e a realidade das romarias fez a Igreja reconhecer que o Padre Cícero foi movido por um desejo sincero de estender o Reino de Deus", disse o padre Wesley Barros.
Para os historiadores que analisam o fenômeno católico de Juazeiro do Norte, a decisão envolve também um passo firme da Igreja Católica dentro do concorrido "mercado da fé".
"Diante do avanço de igrejas evangélicas e, sendo a devoção ao padre Cícero um dos maiores fenômenos na igreja católica do Brasil na atualidade, é compreensível que seja do interesse dela institucionalizar esta devoção, beatificando o santo do povo nordestino: padre Cícero", afirmou a professora Fátima Pinho, doutora no assunto.
"A abertura do processo de beatificação do padre Cícero vai na direção das sinalizações que a Igreja Católica faz há algumas décadas, em prol da acolhida do fenômeno impressionante das romarias. Devotos não faltam nem faltarão ao padre Cícero, independentemente do resultado do processo que será aberto no Vaticano. Todavia, a elevação aos altares de Cícero seria um novo capítulo da sua espetacular história", afirmou o professor e também historiador Jucieldo Alexandre.