Nas duas últimas semanas, estive ausente dessas crônicas de terça-feira no Diário. Não por vontade própria, mas pela impossibilidade, então momentânea, de escrever uma frase, construir um parágrafo, compor um texto. A Covid-19 me derrubou. Duplamente vacinado, tive sintomas relativamente leves. Não senti febre, tossi pouco, perdi paladar e olfato apenas por alguns dias.
Um dos maiores incômodos foi — e ainda é — este cansaço que persiste após a mínima caminhada, na subida de um simples lance de escadas, mesmo ao ficar de pé durante tempo superior a quinze minutos. Muito pior, porém, foi uma certa confusão mental no pico da doença, em particular nos primeiros instantes do ciclo viral.
Não conseguia escrever. Era como se houvesse areia, poeira, névoa no cérebro. As sinapses mostravam-se lentas; os neurônios, embaralhados. A capacidade de concentração, mínima; a memória, comprometida. Tonturas, dores de cabeça, crises de ansiedade. Não, definitivamente, não é uma gripezinha.
Se aqueles eram sintomas considerados leves, imagino o que sofrem e sofreram os familiares e amigos acometidos por quadros clínicos mais sérios. Todos os médicos e epidemiologistas que tenho ouvido são unânimes em afirmar: a dupla dose do imunizante evitou-me complicações e consequências imprevisíveis. Ainda bem, portanto, que eu seja um dos tais “tarados por vacina”.
A propósito, aqui em Portugal, 89,7% da população já está completamente vacinada. É o quarto melhor índice mundial. Com a nova variante à solta, tal número tem sido decisivo para que o aumento exponencial de casos não seja acompanhado por idênticas cifras de internados e casos fatais.
Há poucos dias, um artigo no site da revista estadunidense Forbes destacou a eficácia da experiência portuguesa no combate ao coronavírus. “Por que Portugal cumpre tanto as restrições da Covid 19?”, indagava o texto assinado pela jornalista Christine Ro, especializada em ciência e desenvolvimento internacional.
“Após uma onda devastadora de casos no início de 2021, o país surgiu aparentemente do nada para se tornar um dos líderes mundiais na vacinação”, informa a matéria. Após ouvir fontes abalizadas, a jornalista chegou à conclusão: “Em parte, isso está relacionado a uma forte confiança no governo, em um país que só emergiu da ditadura na década de 1970”.
Institutos de pesquisa indicam que a ampla maioria dos lusitanos apoia a comunicação oficial em relação à saúde pública, por considerá-la “oportuna e confiável”. Enquanto isso, dizem as mesmas pesquisas, muitos poucos dão ouvidos aos negacionismos veiculados nas redes sociais.
Outro dado significativo: 86% dos inquiridos pela Fundação Francisco Manuel dos Santos, instituição que tem por missão estudar e debater a realidade portuguesa, consideram justificáveis certas restrições às liberdades individuais no contexto da pandemia. Por trás do sucesso de Portugal, conclui o artigo da Forbes, está uma conjunção favorável de ação governamental e credibilidade popular nas recomendações médicas e científicas.
Ao acompanhar pela internet os jornais brasileiros, impossível não deixar de fazer a comparação entre cenários tão distintos. É claro que, por aqui, em Portugal, há os néscios que, por exemplo, se aglomeraram no último sábado em praça pública, sem máscaras e sem quaisquer cuidados de distanciamento social, portando faixas e cartazes contra a vacina e contra a necessidade do certificado de imunização.
Mas nenhum daqueles palermas que no final de semana gritavam palavras de ordem contra a ciência em Lisboa ou no Porto, em nome da suposta liberdade individual, está sentado, como ocorre no Brasil, na cadeira de presidente da República. Nem é um ministro da Saúde que se submete ao papel de reles capacho do dito cujo.
Em suma, Jair Bolsonaro e Marcelo Queiroga, o Capitão Corona e seu assecla, são mais peçonhentos e devastadores do que a própria doença. Afinal, a pior epidemia é a da estupidez, da irresponsabilidade, da incompetência. Pobre Brasil.
*Esse texto reflete, exclusivamente, a opinião do autor.