Coletivo cearense completa 10 anos de estímulo ao audiovisual em periferias e interiores do Nordeste

Criação, formação e produção artística são foco de atuação da Entre Olhos

Escrito por
João Gabriel Tréz joao.gabriel@svm.com.br
(Atualizado às 11:30)

Seja em periferias de Fortaleza, cidades do interior cearense ou até em espaços como estes de Pernambuco, o coletivo-produtora cearense Entre Olhos (EO) têm se dedicado a estimular o contato de comunidades e territórios diversos do Nordeste com pensar, fazer e acessar audiovisual, cultura e arte.

É nessa missão — concretizada a partir de dezenas de projetos culturais de forte impacto social — que o coletivo chega aos dez anos de atuação em 2024. Ao longo deste ano, a comemoração tem se dado no Circuito Itinerante Livre de Cinema (CILC), projeto que vem promovendo desde julho sessões públicas e gratuitas de produções independentes em bairros periféricos da capital cearense. 

Com previsão de seguir até abril de 2025, a CILC terá, ao findar do processo, exibido 50 filmes em 25 bairros da Cidade. Para os próximos passos, está prevista ainda a realização da 7ª Mostra Itinerante Livre de Cinema, o mais longevo projeto da produtora.

De "coletivo juvenil" à produtora independente

Criada pelo realizador e pesquisador cearense Erick Sousa, o projeto nasceu como “coletivo juvenil de produção cultural”, explica Davi Oliveira, integrante da produtora. “A intenção era oferecer uma plataforma de criação e expressão para pessoas que tinham interesse em construir um coletivo a serviço da cultura e da arte”, explica o coordenador de design.

“O EO hoje é uma produtora independente, com foco na difusão e circulação do audiovisual, sobrevivendo principalmente de recursos obtidos por meio de editais públicos e de fomento à cultura”, segue Davi.

O que norteia principalmente o coletivo é se voltar a “comunidades que muitas vezes têm o acesso limitado à produção cultural e ao audiovisual”.

“Nossas atividades sempre foram realizadas em territórios periféricos, seja aqui em Fortaleza, Recife ou Sobral. Nas nossas mostras e festivais é notório o trabalho coletivo das pessoas que chegam junto, moradores dos bairros e das adjacências”
Davi Oliveira
coordenador de design

Projetos atuais e futuros

Em diálogo, a analista de cultura Anna Larissa reforça o papel de “democratização” empreendido pelo grupo a partir da atuação nesses territórios, destacando “ações voltadas principalmente para a difusão audiovisual independente”.

Tornando possível o acesso desses territórios a obras em curta-metragem, o Entre Olhos atuou na “formação de público nas comunidades contempladas ao longo da realização de projetos voltados principalmente para a democratização do acesso ao cinema”. “De certa forma contribuímos com o fortalecimento da identidade comunitária”, dialoga Davi.

Coordenador de ações culturais do Entre Olhos, Alexandre Silva lista projetos da iniciativa que foram realizados nos últimos três anos: “No escopo da difusão audiovisual independente, a produtora realizou os eventos: Mostra do Cinema Educativo Cine Educa, Cine Tela Pici, Festival do Audiovisual Periférico de Sobral (FAPS)”.

A eles, soma-se o já citado CILC, que atendeu bairros como Antônio Bezerra, Bom Jardim, Henrique Jorge, Planalto Pici, Parangaba, Barra do Ceará e Vila Velha ao longo deste ano. A iniciativa foi contemplada com recursos da Lei Paulo Gustavo geridos pela Secretaria da Cultura de Fortaleza.

Para 2025, já é possível adiantar que a programação chega, em fevereiro, aos bairros Siqueira e Vila Peri. Já a MILC, adianta também o coordenador, está com “7ª edição encaminhada para realização em 2025/26”.

“Ao longo dos anos, a mostra percorreu diversos bairros de Fortaleza, tendo visitado também comunidades interioranas do município de Redenção”, ressalta Alexandre.

Apesar do foco das ações do Entre Olhos ser na difusão audiovisual, como destacado pelos integrantes, a produtora atua também em projetos ligados a outras áreas — como produção e formação — e até linguagens

"Produzimos o filme de Felipe dos Santos, 'Quintal Verde' (2021) , a exposição de fotografias de 'Bela Vista' (2023), de Isadora Santos, e o projeto de criação e intervenção artística 'O Discurso da Pele' (2024)", lista Davi, pesquisador responsável pelo último citado.

"Impacto social" em números

Como forma de ressaltar os efeitos das ações empreendidas pelo Entre Olhos, o coletivo produz o chamado “relatório de impacto social”. A edição mais recente, de 2023, traz a “descrição dos impactos quantitativos em periferias e interiores através dos projetos incentivados” com recorte cearense.

O levantamento de dados destaca que foram sete projetos aprovados naquele ano:

  • Festival do Audiovisual Periférico de Sobral - Edital Cinema e Vídeo (2022-23)

  • Fale - Feira de Artesanato Liberdade e Expressão - Edital de Incentivo às Artes - Artes Visuais (2022-2023)

  • Artesanarias de Quebrada - Edital de Incentivo às Artes - Artes Visuais (2022-2023)

  • O discurso da Pele - Edital de Incentivo às Artes - Artes Visuais (2022-23)

  • Bela Vista (exposição) - Edital de Incentivo às Artes - Fotografia (2022-23)

  • Volante - Festival de Música - Edital de Incentivo às Artes - Música (2022-23)

  • Leleco e Lelinha - Edital de Incentivo às Artes - Humor (2022-23)

O público total atendido é de 102.500 pessoas, contando ações presenciais e virtuais realizadas no escopo de cada projeto listado. Os recursos totais conseguidos pelas aprovações nas chamadas públicas somam R$ 135 mil.

O relatório destaca, ainda, a média do “valor de custo por pessoa atendida” levando em conta o total de recursos investidos e de público. Para cada pessoa que participou dos sete eventos, o investimento foi de R$ 1,31

Ganhos e demandas no fomento cultural

Da visão quantitativa à qualitativa, as iniciativas do Entre Olhos mostram a importância do fomento da cultura a partir de chamadas públicas.

“Os processos de editais e instrumentos de fomento têm sido fundamentais para fazer acontecer as ações do coletivo, a possibilidade de acessar recursos garante a realização de projetos culturais que dificilmente seriam concretizados de outra forma”, aponta Anna Larissa.

É por isso que a analista de cultura lembra ao Verso que “há demandas importantes para melhorias” em processos do tipo. “A burocracia no processo de inscrição e prestação de contas muitas vezes é um entrave, especialmente para grupos menores ou com menos experiência administrativa”, pondera. 

“Identificamos a necessidade de maior diversidade nos critérios de avaliação, como maior valorização de projetos liderados por mulheres e jovens de comunidades periféricas, e iniciativas que contemplem ações culturais em regiões menos atendidas, como periferias”
Anna Larissa
analista de cultura

Para além das atividades do grupo, a analista defende o incremento orçamentário para a área da cultura, como forma de apoiar e estimular projetos e equipamentos de regiões menos atendidas. 

“É essencial garantir que projetos culturais já existentes tenham continuidade, evitando interrupções devido a mudanças políticas ou por falta de recursos para executar. Seria benéfico simplificar os processos burocráticos e oferecer suporte técnico para a elaboração de propostas, especialmente para coletivos que ainda estão se estruturando”, sustenta.

Acompanhe o Coletivo Entre Olhos

Circuito Itinerante Livre de Cinema (CILC) 

  • Quando: programações de 2025 previstas até o momento para 7/2, no Siqueira e 14/2, na Vila Peri
  • Onde: ETI Prof. Agerson Tabosa Pinto (rua Wilca Albuquerque, 90 - Siqueira) e EEFM Prof. Hermenegildo Firmeza (rua Gabriel Fiúza, 360 - Vila Peri), respectivamente
  • Mais informações: @cilc.cinemaitinerante