No dia 17 de outubro de 2022, um novíssimo A320-neo da companhia aérea Viva Air Colombia declarou emergência em um voo doméstico de Cali para Riohacha, na Colômbia, que duraria por volta de uma hora e 20 minutos. O motivo: iminente falta de combustível.
Os pilotos tentaram pouso na cidade destino (Riohacha), mas as condições de tempestade elétrica e o teto baixo (baixa altitude das nuvens) impediram a aeronave de pousar normalmente. Como é padrão, os pilotos indicaram então que aguardariam melhores condições atmosféricas próximos a Riohacha, realizando órbitas ou esperas de aproximadamente 30 minutos.
Com a piora do tempo, a aeronave buscou alternar o aeroporto de destino, ou buscar o 1º aeroporto de alternativa, com a impossibilidade de pouso no destino pretendido.
O aeroporto de alternativa é obrigatório em qualquer plano de voo e não é difícil de se conferir em aplicativos de tráfego aéreo aeronaves alternando aeroportos. Em dias de forte chuva, é bastante comum. Por exemplo, o Aeroporto de Natal é bastante usado como alternativa quando o Aeroporto de Fortaleza está, como se diz no jargão, “impraticável” e vice-versa.
Assim, o fez e o Viva passava a aprovar sua primeira alternativa: Medellin, distante 50 minutos de voo. A aeronave que tinha rumo norte originalmente (primeiro trecho), agora tinha rumo sul (segundo trecho).
Caso tivesse êxito, o voo de 1h e 20 minutos se transformaria numa grande jornada de 1h20min + 30 minutos de espera + 50 minutos até a primeira alternativa. Para infelicidade da tripulação e dos passageiros, Medellin também estava com tempo degradado. Chuvas ao redor do aeródromo e nuvens carregadas. Os pilotos aguardaram bastante também sobre Medellin, sem conseguir pousar.
Partiram então para a segunda e salvadora alternativa: a cidade colombiana de Monteira, que tinha indicação de tempo favorável. A tripulação declarou “FUEL EMERGENCY” (emergência de combustível), para ter a maior prioridade possível de pouso, quando pousaram com combustível para apenas mais 6 minutos de voo, ou 200kg de combustível. Enfim, grave incidente, mas que teve final feliz: 3h e 20min após decolagem, imagino a ansiedade dos passageiros.
Por que grave, se houve o pouso em segurança?
Eu que sou profissional da área, mas que, sobretudo, acompanho aviação comercial há bastante tempo, sempre escuto e leio sobre as contingências que a aviação usa, como a quantidade extra de combustível e, definitivamente, 6 minutos de combustível, não representa fator de segurança.
Também sei que é prudente não julgar incidente/acidentes antes que as comissões formais designadas o façam.
O que é o suprimento de combustível
Esta semana, vamos explorar as regras de suprimento de combustíveis que as linhas aéreas devem respeitar em voos regulares no Brasil.
Esse cálculo é trazido pelo Regulamento Brasileiro de Aviação Civil 121, ou RBAC-121, criado pela Agência Nacional de Aviação Civil (Anac). Assim, o regulamento traz pelo menos 5 condicionantes para se calcular o peso de combustível (sim, em quilogramas, não em litros) no planejamento de qualquer voo comercial regular:
1. Deve-se calcular o combustível necessário para levar o avião da posição de estacionamento até a posição de decolagem, isto é, combustível de taxiamento;
2. Deve-se calcular o combustível necessário para levar o avião da origem (aeroporto A) ao destino (aeroporto B);
3. Combustível de contingência para fatores como variações com relação às condições meteorológicas previstas, atrasos prolongados, desvios da rota ou do nível de cruzeiro e diferenças de performances entre aeronaves. O valor do combustível de contingência é de até 10% do valor do combustível da etapa 2;
4. Combustível do aeroporto de destino (aeroporto B) ao aeroporto de alternativa (aeroporto C): deve contar combustível para até uma arremetida, aproximação perdida;
5. Combustível de reserva final que é quantidade de combustível requerida para voar por 30 minutos a velocidade de espera a 450 m (1.500 pés) sobre a elevação do aeródromo em condição de atmosfera padrão.
A soma das quantidades de 2 a 5 é a chamado mínimo combustível requerido (MFR em inglês). Sem um valor maior ou igual ao MFR, o avião não decola.
Pegando um caso prático, vamos simular um voo entre Recife e Teresina, tendo Fortaleza como cidade alternativa.
Escolhemos para tal, um simulador de plano de voo (APENAS PARA SIMULAÇÃO), dentre vários que existem, o Online Flight Planner.
Após escolhermos, o aeroporto de origem, de descida, nível de voo e velocidade de cruzeiro, temos como outputs do software:
A tabela acima indica, de forma semelhante ao incidente da Viva Air, que uma aeronave carrega combustível para mais de 3h de jornada, para um voo previsto de apenas uma hora e meia. Isso sim é um fator de segurança aceitável.
Algumas fontes do setor informam mais além e declaram que não se tolera sequer que o avião use o combustível da espera, passo 5.
Assim, põe-se bastante excesso na aeronave para garantir a segurança da operação.
Em caso se use essa quantidade, o comandante deve declarar emergência. Foi o que o avião da Viva Air fez, pousando com segurança.
Flexibilidade na operação
Como vimos, é de praxe da aviação comercial (da aviação em geral) a prática de sobrestimar com folga a quantidade de combustível em cada voo.
O efeito colateral da justa priorização máxima por segurança é que os aviões voam bem mais carregados e pesados. Esse peso adicional impacta em maior consumo de combustível.
Por que, Igor? Quão mais pesado, maiores os arrastos ou atrito com o ar, componente chamada de arrasto induzido. Isso acontece como uma penalidade ou preço para se gerar força de sustentação. Quanto mais sustentação se gera, mais arrasto induzido se gera.
Assim, mais energia precisa ser fornecida à aeronave para que o avião voe com a mesma velocidade.
Assim, voar muito pesado, por outro lado, é economicamente ruim para a empresa aérea como regra geral.
O que pode pleitear, portanto, é apresentar estratégias de diminuição do mínimo peso de combustível requerido, ancoradas na legislação e nunca negociando com perda de segurança: a companhia aérea pode “submeter à aprovação da Anac proposta de reduções no cálculo pré-voo do combustível” (...) “uma avaliação de risco específica (...), baseado em dados operacionais avaliados periodicamente, como será mantido um nível equivalente de segurança operacional(...)”.
Essa técnica, chamada de “redespacho” é usada no gerenciamento de reservas de combustível de forma que se possa pousar com peso de combustível menor do que o exigido na regulação.
Em 2017, a imprensa nacional deu destaque a um voo regular de grande companhia aérea que voava de São Paulo a Fortaleza, mas que, por sistemática de redespacho, verificou no ponto de conferência que o peso de combustível estava menor que o planejado, de forma que, corretamente, abandonou a estratégia permitida por regulação e desviou o voo para abastecimento em Salvador.
A companhia aérea informou na ocasião que a taxa de redespachos mal sucedidos era bem menor que 1%, ou seja, trazia sistematicamente, segurança e retorno econômico.
*Este texto reflete, exclusivamente, a opinião do autor.