Reforma Tributária: falta o Pacto Federativo e crescem as dificuldades

Texto da proposta deixa dúvida sobre se haverá ou não aumento da atual carga tributária. Os setores do agro e dos serviços são os mais preocupados.

Algo está errado na proposta de Reforma Tributária que o governo e o Parlamento pretendem votar, na Câmara dos Deputados, até o dia 15 do próximo mês de julho. 

Falta consenso, mas sobram críticas ao relatório da Comissão Especial criada para, por meio de audiências públicas, recolher sugestões da sociedade. A área empresarial, principalmente a do agro e a do setor de serviços, está contra a reforma porque ela aumentará, e muito, o valor dos impostos que hoje são recolhidos. 

Ontem, o Instituto Millenium, uma entidade sem fins lucrativos recheada de formadores de opinião, com sede em São Paulo, publicou o que chama de “nota técnica”, na qual diz que é positiva a substituição de cinco impostos por apenas dois: o Imposto sobre Valor Agregado (IVA) dual, ou seja, um tributo para o governo federal e outro para os estados e municípios; e o imposto seletivo (específico para cigarros e bebidas alcoólicas). 

“A unificação dos tributos indiretos deve contribuir para eliminar distorções e, principalmente, reduzir sensivelmente a complexidade de nossa tributação sobre o consumo”, como acentua a nota, cujo texto foi encaminhado a esta coluna.
 
Para o Instituto Millenium, porém, a simplificação da proposta poderá ser reduzida à medida que mais exceções (setores e situações que vão ter tributação menor ou isenta) vão sendo adicionadas ao texto. 

"A lista de exceções é bastante excessiva. E é comum que as exceções se multipliquem na reta final da tramitação. Tal contexto preocupa por duas razões: 1) Quanto maior a quantidade de exceções, maior deverá ser a alíquota geral; 2) Quanto maior a quantidade de exceções, maior a complexidade do sistema de créditos e, eventualmente, a cumulatividade do sistema tributário", explica a nota.
 
De acordo com a nota técnica do Instituto Millenium, um dos pontos mais preocupantes “é o de que não há na proposta de texto, até o momento, dispositivo capaz de garantir que, ao longo e ao final da transição, não teremos um aumento da carga tributária indireta”. 

“O Brasil possui hoje a maior carga tributária do mundo dentre todos os países em desenvolvimento, e não se pode admitir que a reforma da tributação sobre o consumo resulte no aumento dessa carga. É fundamental que o texto se comprometa expressamente em não aumentar a carga tributária”, proclama a nota. 
 
Por fim, sobre o instrumento de devolução de impostos para as famílias, o chamado “cashback”, o Millenium defende que o texto do substitutivo já deveria determinar as principais premissas desse instrumento, que na sua avaliação “deve ser apenas a devolução com critério de renda”. 

Na avaliação do Instituto Millenium, deixar a questão em aberto neste momento pode abrir espaço para que grupos sociais – organizados durante a tramitação do Projeto de Lei Complementar –desvirtuam o instrumento do “cashback”.

Por sua vez, o Centro de Liderança Pública (CLP) – organização suprapartidária com atuação nacional – avaliou como positiva a diferenciação de alíquotas do Imposto sobre Valor Agregado (IVA) para alguns setores com alto impacto social prevista no texto da reforma Tributária. 

No entanto, o CLP discorda da proposta segundo a qual a tributação seja menor para setores como dispositivos médicos e serviços de saúde, produtos agropecuários e insumos agrícolas.
 
Outro ponto destacado em nota técnica produzida pelo CLP é o tempo de transição para a nova forma de tributação, considerado muito longo. 

Embora a unificação dos tributos atuais em IVA federal, estadual e municipal esteja prevista para ocorrer entre 2026 e 2032, a transição para a tributação exclusiva no local de consumo está programada para ocorrer em um prazo de 50 anos (de 2029 a 2078), o que atrasará os benefícios econômicos gerados pela reforma.
 
Para o CLP, a proposta de reforma tributária é um passo importante para transformar o sistema tributário brasileiro, mas o substitutivo precisa ser aprimorado. 

“Sua eficácia dependerá de uma implementação adequada, monitoramento rigoroso e ajustes contínuos para garantir um sistema tributário mais eficiente e justo para todos os brasileiros”, diz a nota.

Neste momento, a sociedade é embalada por comentários e notícias elaborados e publicados por diferentes grupos de interesse. São os lobbies da indústria, da agropecuária, do comércio atacadista e varejista, do serviço, da saúde e da educação que se movem na defesa do “status quo” – ou seja, pela manutenção dos privilégios existentes. 

 Como esta coluna vem dizendo e repetindo a Reforma Tributária é o sonho do Brasil e dos brasileiros que produzimos e trabalhamos por um país socialmente mais justo. Faz meio século que ela é prometida, mas nunca efetivada. O presidente da Câmara dos Deputados, Artur Lira, quer por fim a essa longa e lamentável espera, e por isto trabalha para que, até o dia 17 de julho, quando começará o recesso parlamentar de meio de ano, tudo esteja discutido, votado e aprovado naquela casa. No segundo semestre, seria a vez de o Senado debruçar-se sobre a questão.

Não há ainda celebrado o Pacto Federativo – aquela concertação de interesses federais, estaduais e municipais em torno da proposta da Reforma Tributária. Enquanto, oficialmente, os governadores e os prefeitos não concordarem com a proposta, dificilmente haverá a almejada substituição do atual manicômio tributário por um modelo moderno que atenda aos interesses do dos contribuintes e do Poder Público.