Para que um Banco Central independente?

Pelo menos desde a edição do Plano Real e intensificando-se mais recentemente, a autonomia do Banco Central já era prática bem assentada no país.

O artigo a seguir é de autoria de um dos mais respeitados economistas maranhenses, José Cursino Raposo Moreira.

Como se trata de um tema atualíssimo e como o texto é muito  didático, esta coluna publica-o com o objetivo de esclarecer dúvidas que, a respeito da independência do Banco Central, ainda persistem: .Leiam:

"Nas últimas semanas voltou ao debate de uma forma indevida e “fora de época” a questão da “autonomia” do Banco Central. Esta foi estabelecida formalmente em 24 de fevereiro de 2021, pela Lei Complementar 179, mas o tema não é novo na discussão de questões econômicas no Brasil. 

"Pelo menos desde a edição do Plano Real e intensificando-se mais recentemente, a autonomia do Banco Central já era prática bem assentada no país, então reconhecida como “operacional” por não ter naqueles momentos um marco legal, como passou a existir em 2021. 

"Este intervalo temporal inclui, evidentemente, os próprios mandatos anteriores do hoje Presidente Lula, agora em seu terceiro período governamental, não lhe sendo tema nem prática inéditas.

"O que dá sentido a um Banco Central “independente” ou à “independência” do Banco Central?  De forma bem precisa, a resposta a tal questão é a necessidade de haver política monetária, sendo esta sobretudo uma política de estado.
 
"E por que deveria ser assim? Em razão de esta política envolver os temas da moeda, crédito e funcionamento do sistema bancário.

"À medida que as economias foram se sofisticando em termos de ativos, mecanismos e transações monetárias, financeiras e bancárias, a necessidade de forte ação de uma autoridade com independência política e autonomia de atuação também cresceu. Tanto que os presidentes de Bancos Centrais são conhecidos como autoridade monetária. Logo, trata-se de um avanço institucional, político e civilizacional até. 

"No Brasil, há especificidades e circunstâncias históricas muito peculiares que dão características próprias ao processo de independência de sua autoridade monetária.
 
"A principal delas é uma inflação crônica com que o país conviveu por um prolongado tempo e que esteve na base de vários acontecimentos que marcaram profundamente a sua formação histórica. 

"Basta lembrar que foi a inflação uma das motivações para o movimento militar de 1964, que derrubou o Governo João Goulart, e para sua extinção, em 1985, proporcionando o advento da Nova República. 

"E seria ainda a década perdida dos anos 80/90 do século passado, em razão da persistência do fenômeno inflacionário na vida brasileira, que iria fundamentar a edição e o sucesso do Plano Real. Com ele, o Brasil ingressou no atual ciclo econômico, em que a moeda foi restaurada em suas funções clássicas bem determinadas nas lições de Economia Monetária. 
 
"É segundo e seguindo tal trajetória que a independência da autoridade monetária brasileiro vai aparecer na Lei Complementar 179, na qual se define que o Banco Central tem por objetivo assegurar a estabilidade de preços e conduzir privativamente   a política monetária necessária ao cumprimento das metas de tal política estabelecidas pelo Conselho Monetário Nacional.
 
"Nela, igualmente, dispõe-se sobre sua autonomia e sobre a nomeação e exoneração de seu presidente e seus diretores.

"Portanto, não ficam dúvidas sobre o importante significado institucional e econômico da autonomia técnica, operacional, administrativa e financeira do Banco Central, ainda de acordo com o estabelecido na Lei 179, a completar dois anos de editada já em plena Quaresma. 

"Talvez reclamações recentemente surgidas contra estas determinações legais estejam sendo inspiradas pela agitação do atual período de Carnaval, que vai estender-se ainda até o próximo dia 21."