No porto marítimo, o que é mais importante: o navio ou a carga?

A simples pergunta e a surpreendente resposta causaram um "Deus nos acuda" que perdura até hoje. Na atividade portuária, muita coisa acontece, aqui e alhures

Para uma empresa administradora portuária, o que é mais importante: o navio ou a carga? 

Não se trata de uma dúvida shakespeariana, mas de uma questão de ponto de vista. A pergunta foi feita por um grande exportador do Ceará ao diretor comercial de um dos portos cearenses. E a resposta foi a seguinte: “O mais importante é o navio”. 

Diante do que ouviu, o exportador disse ao interlocutor: “Pois, então, fique com o seu navio, pois a minha carga mudará de porto”. E mudou. E foi um “Deus nos acuda” que perdura até hoje.


 
Esta coluna mantém-se bem-informada sobre o que se passa nos bastidores de um mercado para o qual qualquer centavo de dólar tem – para o administrador do porto, para o agente do navio, para o exportador, para o importador e para o despachante – grande importância. 

Para quem exporta, há detalhes relevantes, como a frequência com que o navio escala o porto pelo qual o embarque da carga será feito e o custo das taxas portuárias e da demurrage (taxa de sobreestadia do navio, válida principalmente para a importação, mas cobrada também de quem exporta – atenção: só o navio tem estadia, os humanos temos estada).
 
Já foi dito que, na atividade portuária e na relação entre os atores da navegação marítima, o agente menos habilitado sabe consertar relógio suíço com luva de boxe. 

Nesse mercado está incluído, destacadamente, o interesse da administração do porto, que, no Brasil, se tornou uma atividade invadida, nos últimos 20 anos, pelo que a política tem de mais desabonador. 

Você duvida? Mantenha a atenção voltada para as mudanças de comando que ocorrerão nos portos onde a gestão não é técnica, mas político-partidária. Sairá o indicado pelo ganhador da eleição anterior e entrará o indicado pelo vencedor do pleito mais recente. Simples assim.

A pedido desta coluna, um consultor em transporte marítimo, com larga experiência no trâmite de embarque e desembarque de cargas, escreveu o seguinte: 

“A figura do operador portuário talvez seja, de longe, a mais influente para que o negócio exista ou surja. Um porto com maus operadores portuários não qualificados ou só com um operador – como é o caso da Companhia Docas do Ceará (CDC), que deu a exclusividade da operação de contêineres à francesa CMA-CGM no porto de Mucuripe, em Fortaleza – impede, definitivamente, a entrada de outros armadores no porto por óbvias razões. No Mucuripe, infelizmente, foi eliminada a concorrência em favor de um único interessado armador.”

O mesmo consultor acrescentou: 

“Especialização, infraestrutura e superestrutura podem ser investimentos desejáveis e até indispensáveis na maioria dos  casos em portos de pequeno ou médio volumes de carga, os quais só têm como prosperar com uma gestão quase cirúrgica, com boas relações entre os interesses da carga (que é a coisa mais importante desta questão), dos operadores portuários, dos agentes e das autoridades intervenientes, além do convívio e da integração com os vizinhos do entorno e da área de influência desses portos.”

Como se estivesse com o dedo em riste, o mesmo consultor arrematou:  

“Eis porque, infelizmente, as administrações portuárias, públicas e partidárias – com interesses escusos – só estão aí para atrapalhar e gerar desequilíbrios e desigualdades.  E para tumultuar a vida das forças do mercado e da iniciativa privada.”