Energias renováveis, seus prejuízos, a 'curtailment' e o Nordeste

Empresas nordestinas de energia eólica e solar registravam graves prejuízos. O Operador Nacional do Sistema interveio e passou a dar mais e melhor atenção às energia renováveis geradas no Nordeste.

Site especializado em energia, mantido pela Associação dos Produtores Independentes de Petróleo e Gás (ABPIP), o Eixos (eixos.com.br) acaba de publicar uma newletter – elaborada pela FSET Consultoria em Energia – em que chama atenção para um problema novo que surge na geração das energias renováveis, principalmente a eólica e a solar.

O documento adverte que “cortes na geração solar e eólica no Brasil atingem níveis recordes e geram prejuízos milionários, provocando novas disputas administrativas e judiciais”.

Pela importância e pela oportunidade do tema, que é eminentemente técnico, esta coluna, instigada pelos empresários e especialistas cearenses ligados ao setor de geração e comercialização das energias limpas, incluída a hidráulica, publica trechos do comentário do site Eixos e em seguida, com informações atualizadas, complementa a abordagem da questão.

Eis os trechos do artigo publicado no site da Eixo:

“Um dos maiores desafios das usinas eólicas e solares em operação no Brasil tem um nome pomposo em inglês: “curtailment”. Explicamos: a cada instante, o operador do sistema precisa despachar o parque de geração em um volume exatamente igual à demanda. O grande aumento da participação das fontes eólica e solar na matriz elétrica traz muitos desafios na operação do sistema. Há momentos do dia, por exemplo, em que há bastante sol ou vento, situação em que essa geração renovável até excede a demanda do submercado Nordeste – o que leva o operador do sistema a precisar desligar diversas plantas solares e eólicas (e hidrelétricas também). 

“Outro exemplo é a situação comum ao final do dia, em que a geração solar cai abruptamente. Para que a demanda permaneça atendida, pode ser necessário despachar usinas hidrelétricas e termelétricas antes mesmo da queda da geração solar – o que também leva o operador a precisar desligar usinas solares e eólicas. “Todas essas restrições operativas visam atender de forma adequada e confiável as necessidades da carga. O efeito colateral dessas restrições é a redução da geração de usinas eólicas e solares, também chamado de curtailment ou constrained off – ou, em bom português, cortes de geração. O arcabouço regulatório para o tratamento desses cortes encontra-se atualmente definido na Resolução Normativa 1.030/2022 da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). A resolução define três tipos de cortes: “Cortes por razão de indisponibilidade externa (tipo REL): motivados por indisponibilidades em instalações externas à usina – tipicamente indisponibilidade do sistema de transmissão; “Cortes por razão de atendimento a requisitos de confiabilidade elétrica (tipo CNF): motivados por razões de confiabilidade elétrica dos equipamentos pertencentes a instalações externas à usina; e “Cortes por razão energética (tipo ENE): motivados pela impossibilidade de alocação de geração de energia na carga. 

“Embora as três modalidades configurem cortes impostos pelo operador do sistema, só há ressarcimento pela energia não gerada quando o evento é classificado como indisponibilidade externa (ou seja, indisponibilidade da rede de transmissão).

“A resolução também define contornos temporais e contratuais (se o contrato foi firmado no Ambiente de Contratação Regulada ou no Ambiente de Contratação Livre) para esse ressarcimento, que se dá por meio do Encargo de Serviço de Sistema pago por todos os consumidores de energia (livres e regulados). “Para se ter uma ideia, a média de cortes de geração das usinas solares localizadas no submercado Nordeste saltou de 4,8% no mês de abril para 34,8% no mês de setembro. Para as eólicas do Nordeste, a média dos cortes saltou de 2,2% em abril para 18,1% em setembro.

“A redução de geração de usinas eólicas e solares impactam as empresas de duas formas: (i) aumento da exposição ao Mercado de Curto Prazo (MCP), que é valorada ao Preço de Liquidação de Diferenças (PLD) de cada momento em que acontece o corte, e (ii) degradação da garantia física, que é revisada anualmente com base na geração média verificada, mas encontra-se atualmente suspensa. A FSET realizou uma estimativa do aumento da exposição ao MCP causada pelos cortes ocorridos em 2024. As usinas eólicas do país tiveram um impacto de cerca de R$ 711 milhões desde janeiro de 2024. As usinas solares foram impactadas em aproximadamente R$ 165 milhões desde abril de 2024.”

O MESMO PROBLEMA PELO OLHAR DE UM CEARENSE

A pedido desta coluna, um engenheiro cearense especialista em energia elétrica, pedindo o anonimado, comentou sobre o mesmo assunto. Ele acrescentou informações atualizadas e muito interessantes ao artigo que encabeça esta matéria, cujo texto, elaborado anteriormente, não captou esses detalhes. O especialista escreveu o que abaixo se lê:

“O crescimento de fontes eólica e solar tem trazido um novo desafio para os operadores do sistema elétrico. Como tais fontes são variáveis, há momentos nos quais o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) precisa ajustar a quantidade de energia gerada, determinando a redução ou limitação de geração das próprias renováveis, de modo a preservar o equilíbrio entre oferta e demanda e a segurança da operação do sistema.

“Historicamente, isso tinha uma magnitude que não era muito impactante. Porém, desde a ocorrência de grande porte em 15/08/2023 às 08h30min, que teve início com o desligamento automático da linha de transmissão LT 500 kV Quixadá – Fortaleza II, provocado por atuação do seu sistema de proteção, sem a incidência de curto-circuito no sistema elétrico, propiciou uma reavaliação nos procedimentos operacionais. Desde então,  os geradores de energia renovável no Nordeste, principalmente no Ceará e no Rio Grande do Norte, têm sido impactados por um procedimento de corte de geração pelo Operador Nacional do Sistema Elétrico – ONS, com elevados impactos e que têm preocupado bastante.

“Com isso, dois termos em inglês têm sido bastante utilizados recentemente, curtailment e constrained off, que na prática podem ter o mesmo significado.

“Em resumo, representam o comando que é dado pelo ONS para os geradores de energia, no caso atual determinando a redução da geração de energia eólica e solar, para adequação às condições operacionais do momento. Isso pode acontecer em momentos em que a geração renovável excede a demanda, como quando há muito sol ou vento, ou quando a geração solar cai abruptamente no final do dia. Também pode ocorrer para propiciar ajustes na confiabilidade do sistema elétrico como um todo, evitando que ocorrências como a de 15 de agosto de 2023 possam repetir-se.

“Felizmente, no último dia 22/10, o diretor-geral do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), Marcio Rea anunciou:

.....“Que foram ampliados os limites de intercâmbio no subsistema Nordeste em direção ao Sudeste/Centro-Oeste e ao Norte, aumentando assim o aproveitamento da geração eólica e solar e, consequentemente, reduzindo as restrições de geração dessas fontes. No primeiro caso, no sentido Nordeste-Sudeste/Centro-Oeste, o acréscimo será de cerca de 12%, com os índices saindo dos atuais 11.600 MW para 13.000 MW.

“Já a carga exportada do Nordeste para o Norte poderá ser aumentada em quase 30%, avançando do patamar de 4.800 MW para 6.200 MW. Na prática, esses acréscimos vão representar a ampliação do aproveitamento da produção da energia produzida pelo vento e pelo sol, voltando a volumes de escoamento anteriores à ocorrência de 15 de agosto de 2023, com segurança e confiabilidade.

“A ampliação do intercâmbio de energia entre as regiões foi viabilizada após ser autorizada na quarta-feira, dia 16 de outubro, a entrada em operação no Sistema Interligado Nacional (SIN) de uma subestação e três novas linhas de transmissão de 500 kV: SE 500/230 kV Pacatuba, LTs Pecém II/Pacatuba C, Fortaleza II/Pacatuba C e Pacatuba/Jaguaruana II.”

“Então, com isso se espera que o Sistema Elétrico Brasileiro, e as energias renováveis do Nordeste, possam gradativamente voltar a operar com níveis mínimos de curtailment e constraind off.”