Há uma diferença entre a palavra, que apenas aponta para alguma coisa, podendo ser algo material ou imaterial, somente para lhe atribuir um nome, para dizer o que aquilo é; e um conceito, que tem a pretensão não só de nomear, mas de dar um sentido geral e abstrato a um dado estado de coisas, pretendendo dizer o que aquilo significa.
Quando o termo nordeste aparece, ao longo dos anos dez do século XX, ele é grafado assim, com letra minúscula e sempre seguido do qualificativo de brasileiro: nordeste brasileiro. Isso indica que estamos diante de uma palavra, de uma designação para um recorte geográfico no interior do espaço nacional.
Nordeste é apenas a área que se situava entre o norte e o leste do Brasil, ainda não estava revestido do sentido de ser uma região brasileira, com o conjunto de sentidos, de significados que hoje tem o ser Nordeste, com letras maiúsculas.
Essa designação aparece normalmente atrelada à ocorrência das secas periódicas, notadamente em notícias referentes à arrecadação de donativos, à realização de eventos beneficentes visando arrecadar fundos para os chamados socorros públicos.
A expressão “nordeste brasileiro” vai substituindo a ideia de norte seco, usada, anteriormente, para diferenciar essa área da parte amazônica do Norte.
Não é surpresa, portanto, que seja em um documento voltado para instituir um programa de obras contra as secas que a palavra nordeste, acompanhada da qualificação de brasileiro, será usada pela primeira vez institucionalmente, num documento oficial, para demarcar a área de realização das referidas obras.
Nas eleições presidenciais de 1918, havia sido eleita a chapa Rodrigues Alves – Delfim Moreira. No entanto, o político paulista morre antes de assumir o seu segundo mandato como presidente da República. Novas eleições são marcadas para abril de 1919.
As oligarquias de São Paulo e Minas Gerais não conseguem chegar a um entendimento sobre qual dos dois estados devia agora ter a cabeça da chapa. Para resolver o impasse resolvem recorrer ao nome do político e jurista paraibano Epitácio Pessoa que, no momento, estava com seu nome em evidência, por ser o chefe da delegação brasileira que, em Versalhes, discutia os termos do tratado que poria fim a Primeira Guerra Mundial.
Mesmo na Europa, Epitácio Pessoa é eleito presidente da República, com mais de quatrocentos mil votos. Ele só desembarca no Brasil no início do mês de julho, para tomar posse no dia 31 desse mesmo mês.
Com a eleição pioneira de um homem do Norte para presidir o país, o presidente em exercício, Delfim Moreira, diante de mais um ano marcado por uma severa estiagem, resolve reorganizar administrativamente o Instituto de Obras Contra as Secas (IOCS), criado em 1909, e instituir, através do Decreto n. 13.687, de 09 de julho de 1919, a Inspetoria Federal de Obras Contra as Secas (IFOCS), para atuar nos estados do Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Alagoas, Sergipe, Bahia e norte de Minas Gerais.
O decreto é assinado um dia após a chegada de Epitácio ao Brasil, sendo uma espécie de presente dado ao novo mandatário da nação.
É também como um presente de Natal, para os “irmãos sertanejos”, que Epitácio Pessoa, assina, no dia 25 de dezembro de 1919, o decreto n. 3.965, que autorizava “a construção das obras necessárias à irrigação das terras cultiváveis do nordeste brasileiro”. Portanto, essa é a primeira vez que esse recorte espacial surge como delimitador da área de abrangência de uma política pública.
Enquanto o decreto de julho, que criou o IFOCS, nomeia todos os estados a serem atendidos por essa instituição, no decreto de dezembro a expressão “nordeste brasileiro” aparece delimitando a área onde seriam realizadas as obras contra as secas, que ia do estado do Piauí ao estado de Pernambuco, deixando de fora Alagoas, Sergipe e Bahia, sem falar do Maranhão, que é excluído dos dois decretos.
O decreto criava a caixa das secas, para financiar as obras, que deveriam ser realizadas durante a gestão do presidente, até o ano de 1922.
As obras contra as secas resultaram em muita corrupção, muitos desvios de recursos e gastos supérfluos, endividamento externo do País e pouca realização efetiva de obras, fazendo com que o nome nordeste começasse a se tornar um conceito, a ganhar significados através da sua associação à seca, às obras contra as secas e à corrupção.
O decreto assinado com caneta de ouro, oferecida ao presidente pelo deputado piauiense Félix Pacheco, saudado pelos discursos dos representantes do nordeste como o ato “redentor dos irmãos sertanejos”, será motivo para que o conceito Nordeste começasse a circular na imprensa nacional e local e começasse a se popularizar como designação para essa área do país.
O Nordeste vai surgindo, vai ficando conhecido e famoso pela repercussão nacional dos maus feitos e escândalos que a construção das obras contra as secas vai proporcionar. Bom filho não nega suas origens!
*Esse texto reflete, exclusivamente, a opinião do autor.