Quando um prédio no Centro de Fortaleza arranhou o céu do meu olhar

Do alto de um edifício, encontrei paisagens de detalhes que até hoje fazem memória em mim

Muitas das vezes nas quais penso em Fortaleza e sua diversidade, de estruturas, de memórias, reflito sobre a representação concreta de sua história que, entre vias, vidas, verdes e prédios, formam a paisagem que todo dia aprendo a experimentar. E a confundir com quem sou. Por onde eu fui, ainda sigo. 

Ora habitando espaços no presente, ora revivendo lugares de passado, reconheço-me como parte, e também inteira, nessa cidade de paradoxos - entre misturas de amores, dores. Silêncios. Somos avessos, e ainda assim guardamos - e contamos - histórias até por olhares. 

São muitas histórias… 

Entre a infância e a adolescência, a vida levou-me por quase uma dezena de bairros onde morei, além de outra quase dezena de escolas, o que me fizeram transitar, desde muito cedo, entre as desiguais ruas de Fortaleza. 

Muitas delas ainda hoje vivem como se fossem infinitas dentro de mim, porque as suas concretudes - prédios, praças, bancas, calçadas - colocaram-me entre devaneios de vida que, embora muito tempo tenha se passado, ainda viram narrativas a compartilhar.  

Uma dessas histórias vivi quando estávamos em meados da década de 1990, e caminhava, criança apressada, pelo Centro de Fortaleza, seguindo os passos da minha irmã mais velha, que já tinha pernas grandes e pouca paciência. 

Faminta pós-aula, a gente seguia para cumprir uma tarefa em um lugar que me arregalou os olhos: um prédio de 20 e poucos andares que, naquela época, arranhou o céu do meu olhar. 

Entramos direto pro elevador enquanto eu tentava dar conta daquela vista. Não cabia em meus olhos, e muito menos na janela do arranha-céu. Uma Fortaleza imensa, e a todo custo eu queria que coubesse em mim. 

Naquele dia de pressa, guardei comigo a promessa de ganhar mundo, conhecer pessoas, lugares e histórias que eu pudesse contar, ainda que pouco sentido fizesse para muitos, já que tanto sentido fazia pra mim. “Nem consigo ver onde começa e termina essa cidade, avalie o mundo”, imaginei. 

Voltei algumas vezes naquele lugar imenso, e sempre preferi esperar perto da janela, buscando a cada encontro com o cenário um detalhe diferente da paisagem. Há mais de 10 anos não entro naquele edicífio, mas muitas vezes na vida, procuro em memória janela e paisagens, ainda hoje abertas a mim.  

Hoje, enquanto experimento Fortaleza com tantos mais prédios imensos na rua - entre pautas, trajetos, livros, músicas e memórias - retorno àquele 21º andar do Centro da Cidade, e penso no quanto tenho cumprido a promessa de ganhar rua, mundo, gente, e fazer memória dos mínimos detalhes do que ainda hoje é céu em meu olhar.