Era quase 19h de uma quarta-feira quando minha sobrinha, que acabou de iniciar seu curso universitário, enviou uma mensagem querendo entrevistar-me para um trabalho. O conteúdo das questões falava sobre profissão e desafios da vida. Uma das perguntas, no entanto, transportou-me para bem longe da tarefa porque me questionava sobre meus sonhos. Mais uma das tantas vezes na vida questionei-me sobre mim, quem sou, e até o que dizer, com palavras e sem elas, sobre ser mulher.
Escrevi as respostas, mas muito mais foram os pensamentos sobre ter sido escolhida pela sobrinha, e tanto mais sobre as minhas respostas, as transpostas para o documento e as que ficaram dentro de mim. Eu tinha muita coisa pra falar, não disse nem metade. Mas no meio da escrita acabei me dando conta de que, estar ali respondendo àquelas perguntas, já fazia parte da narrativa sobre “sonhos realizados”. E eu tenho muitos sonhos na vida.
Entre os devaneios de minhas respostas, pensei que uma das coisas que aprendi na vida foi que nem tudo precisa ser dito com palavras, pois muito do que pronunciamos às vezes vem de silêncios - nossos e de outras pessoas. Sempre volto a isso quando reflito sobre, por exemplo, ser mulher, no ontem, no hoje, no porvir. Somos mulheres desde menina? Guardamos ainda a menina que já fomos?
Sou repleta de mulheres-potência ao meu redor, na família e fora da família. Tantas delas são para mim exemplos de força, fé, autonomia, gratidão e resiliência. De fato, também me mostraram uns caminhos a não seguir. Muitas delas não sabem que são para mim inspiração. Algumas estão no espelho que vejo todos os dias ao acordar e nas preces que recito antes de dormir - se dormir.
Também em algumas das mulheres que me rodeiam, vez ou outra, me vejo em seus olhares, seus cuidados e na condição que têm de saberem exatamente quem são, ainda que amanhã, e em tantos outros dias, sejam outras, diante de suas escolhas, experiências e necessidades. Porque ser mulher, há séculos, tem sido transformação e, naturalmente, romper padrões.
Mas, aprendi então, que, se não tivermos algumas dessas tantas respostas - as que nos são impostas e aquelas que nós buscamos fazer -, podemos inventá-las, nos nossos próprios moldes. É um desafio, eu sei.E, talvez, esse fato de estarmos o tempo todo rodeadas de diferentes gerações também nos abre mais margens para novas e distintas questões (e respostas) sobre quem somos. Por que somos? Onde estamos dentro desse cenário que constantemente obriga que, nós, mulheres, tenhamos respostas, nem sempre as melhores possíveis. Precisamos disso para que possamos nos legitimar em vários sentidos. Tem sido assim há séculos.
Mas é também confortante perceber que, mesmo as meninas ao nosso redor, têm percebido que possuem total condição de questionar, romper, desistir e até voltar em caminhos por elas mesmas inventados. Meninas e mulheres. Meninas-mulheres. Mulheres-meninas. Nem sempre há distinção etária entre nossos sonhos, dilemas e conquistas. Do início ao fim há dores e delícias.
De fato, entendi também que todas nós tomamos como exemplo falas, poesias e revoluções de quem nos inspira e conseguimos dar conta dos muitos sentidos de ser mulher sem precisarmos de palavras ditas. Porque nem sempre é necessário que digamos ou expliquemos. Há momentos em que o melhor de tudo é poder inspirarmos umas às outras, desde meninas, mostrar que temos autonomia para pensar, escolher, decidir - e, quantas vezes for preciso, retornar quando a escolha for por nós mesmas. Idas e vindas fazem parte dos nossos caminhos também.
É por isso que, nos últimos tempos, tenho pensado sobre o que dizer às meninas sobre ser mulher, e vice-versa. E também me questiono: é preciso dizer algo? Tantas vezes nossa fala não é compreendida ou não há tempo para debates ou ensinamentos. Mas tenho certeza de que, quando nos expressamos por meio do exemplo, a narrativa atravessa corpo e alma. Transpassa existências de modo que ensinamos e aprendemos numa espécie de ritual.
Há muito o que ser dito. Mas um dos principais esclarecimentos a darmos é que não existe resposta pronta sobre ser mulher, porque podemos ser múltiplas, na profissão, na escola, no amor, na família, nas nossas histórias e nas histórias umas das outras. Somos muitas em todas nós. Falamos hoje para quem ainda é menina e para todas as meninas (da infância) guardadas que existem em nosso ser mulher.
Temos muito mais a falar - sobre independência, autonomia emocional, segurança, educação e política - mas nem sempre é hora, também podemos apenas ouvir umas às outras, observar e saber, talvez antes de muitos processos, de quais coragens precisamos para seguir as nossas próprias naturezas. Desde menina, e para as meninas, podemos dizer que há muito mais potência do que podemos verbalizar sobre o ser mulher. E todas somos.