Meados da noite. Fim de rua. Cenário das minhas andanças, a dobra da esquina... nossa esquina. Eu vi três gerações se abancarem silenciosas em uma calçada que se sobressaía entre os tablados da rua de minha vida, de minha casa materna; vó(terna), existe? Se sobressaía pelas virtudes que a tornavam todas as noites de nossas vidas um espaço da morte da solidão: um banco de família.
Ali, quando ainda era pequena, precisava cumprimentar com graça no riso malfeito mulheres que se faziam afáveis entre as idas e vindas do meio da rua. Era uma calçada, 5 mulheres, 3 gerações, idades diversas. Se revezavaram nas risadas e nas histórias por muitos anos. Uma delas, idosa, eu avistava de longe, de olhos espremidos dentro das rugas. Sorria como quem pedia algo. Atenção, talvez.
A graça não estava em mim, eu sei. Estava em tudo que o vaivém de gente e a noite traziam. Um verdadeiro consolo de poder desfrutar da imensidão do meio da rua. Estar fora das paredes de casa. Um resumo de lar. Dois cômodos separados por uma escada espremida. Pedras demais. Poucos ares da porta pra dentro. Quase nada.
Hoje, ficou apenas a última geração da qual tive noção quando revejo aquela família (aos pedaços). As mulheres já partiram, os homens também. Alguns desta vida, outros, desta história.
A calçada continua viva. Uma verdadeira vitrine às avessas. Hoje, já não há mais revezamento de mulheres no banco de familia. Os cômodos mudaram pouco, a falta de janelas continua. Agora, o que se escondem espremidas são as lembranças. Imploram para não saltarem pelos olhos miúdos.
Apesar do esforço em silenciar as vozes do próprio coração, a saudade, por ora, venceu. Feito arma cortante, invade calçada, banco, horizonte, olhos perdidos. Não consegue mais dormir. Está imensa demais dentro do peito. E a rua virou novamente o refúgio de quem ali restou.
O tempo passou pra mim, pra elas. A calçada permanece, trocou de inquilino porque virou patrimônio de família. De todas elas, restou um herdeiro. Agora sentado, do mesmo modo que mãe, tia, irmãs e avó. O riso está escondido em algum dos cômodos da alma. O olhar se repete pela genética, talvez. Agora, não mais espremido pelas rugas (ainda), mas perdido e afogado no tamanho que virou a calçada de casa: seu abrigo-saudade.