Ergui paisagens-memórias com as viagens que a pandemia tirou de mim

Um tempo para voltar no tempo, a si. Para lembrar-me que meu lugar nesse mundo é passagem

Eu sempre quis viver muitas vidas. Creio que o tenha feito, nesta existência, e em muitas outras que nosso tempo social e cronológico não alcança. Cada viagem que fiz — antes das portas do mundo se fecharem para nós — conto não só como nova história, mas vidas tantas, já que os enredos de chegadas e partidas em mim se fazem memórias-paisagens. Hoje, enquanto espero novos rumos, viajo entre janelas.  

E minha casa tem algumas dessas janelas. Todas abertas, sempre. De vidro, estão sempre comunicando a mim a vida lá fora. Muitas vezes, parece que noite e dia chegam mais cedo. E também se vão. Trazem e levam meus mundos, um bocado de histórias pra se ouvir, se (re)viver. Um tempo para voltar no tempo, a si. Para lembrar-me que meu lugar nesse mundo é passagem. 

De certo, eu nasci aqui, numa Fortaleza de muitos precedentes. Fui (e ainda sou) gente de muitos mundos, pra fora, por dentro.  E, depois de vagar entre cantos e sonhos, encontrei numa terra Natal meu chão, aquele que ampara, governa e orienta escolhas. Hoje, a decisão de aqui ficar é e não é, pode e não pode. Encaixa-se como a forma correta. Por isso, ir e voltar é o meu melhor caminho. 

Não sei qual é o meu destino, ou quando. Desejo que as esperas de agora sejam portas e corações disponíveis, lotados de sentimentos, tipo trem de aglomerados, onde histórias se misturam, risos engolem lágrimas, entre piadas e anúncios de tudo-um-pouco, em microfone improvisado. É tudo muita história que se conta, que se ouve no caminho embaçado Nilópolis-Rio de Janeiro. 

Mais que isso, é muita água rolando pela balsa que não sabe se nos recebe ou nos devolve quando nos arranca do Rio e nos carrega ao banho de ar em Niterói. Cansaço para os pés, consolo para os pulmões. Tomo fôlego, e sigo. Ainda falta muito. Estamos em plena estrada nas histórias que continuam, em vida, em memória. Falta ficar para partir. 

Parece que, por hora, não é mais o novo que queremos. É o velho sabor do café na varanda lotada, da mesa de bar coberta de vozes bagunçadas. Aquele caminho errante das ruas de sempre, de todos. De Sampa. Os mesmos e tantos passos já dados entre os quarteirões que ligam Rua Rocha e Av. Paulista. Calçadas enfeitadas, de gente, bandeirinhas coloridas e ladeiras sem dó. Mãos unidas. Penduricalhos tantos. Corações acelerados. Àquela altura, suspiros e esquinas me atravessavam.  

Vou e volto, e encontro de tudo. Lonjuras e pés descalços. A valsa do mar de Beberibe, que ainda hoje me chama pra dentro da água, pra fora de mim. Um ruído incansável de ventos que me velam a mente e apontam a direção do caminho do meio do mundo.

De outros lados desse mundo, trilhas e travessias se apresentam gigantes quando a serra nasce imensa diante dos olhos. Cresce ainda mais no coração. Os rumos de Guaramiranga sempre me mostraram o quanto a minha natureza urbana é paradoxa e muda de lado cada vez que vento e curva se encontram, e me abraçam.   

É tudo viagem. Uma memória de tantos cantos, percursos, lugares de vida...uma verdadeira estrada imensa, e sem fim, trajetória contínua rumo à casa da minha vida.

Onde?

Nesses últimos tempos, guardada, viajar na memória lembra-me de onde realmente sou. Meu lugar é o meio do caminho.