Temos um dado novo para tentar dar conta de compreender a velocidade das mudanças climáticas no mundo. Em todo o planeta, uma a cada cinco crianças enfrenta o dobro de dias extremamente quentes ao longo do ano do que aqueles vivenciados por seus avós. Enquanto as ondas de calor se intensificam dos grandes centros urbanos ao interior, nossas crianças e jovens vão também buscando alternativas em meio às desigualdades que se evidenciam na crise climática.
Um menino de 12 anos que mora no bairro Vila Velha, em Fortaleza, costuma colocar seu lençol na geladeira horas antes de dormir. Salpica um pouco de água para ajudar o tecido a baixar a temperatura. A família dele vive do salário da mãe, uma vendedora de shopping. Há um único ventilador em casa, usado com parcimônia para não correr o risco de elevar a conta de energia.
É por isso que o menino recorre à geladeira para resfriar seu lençol, quando a temperatura sobe e a sensação térmica é extrema. Com aquele pedaço de pano úmido, ele tenta amenizar o calor para conseguir dormir na periferia da quarta capital do País. Embora já tenha sentido a vista escurecer algumas vezes por conta das altas temperaturas, só ouviu falar sobre emergência climática neste ano, numa aula de geografia.
O menino não precisa ter conhecimento profundo sobre o problema para sentir seus efeitos. A crise climática tem afetado diretamente os direitos básicos de crianças e adolescentes — e de forma desigual. O calor e as chuvas excessivas trazem doenças, suspendem aulas em escolas, afetam moradias. Os mais pobres invariavelmente sofrem mais por não terem muitos recursos para mitigar os efeitos do clima.
Sabemos que as crianças são as mais prejudicadas, com seu presente e seu futuro ameaçados. Mas uma nova análise do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) mostra como elas enfrentam mais dias de calor extremo que seus avós, por conta das mudanças do clima. É uma forma de enxergarmos a velocidade da mudança e a gravidade da emergência que vivemos.
Mas como chegar a essa informação? Os pesquisadores do Unicef compararam as médias de temperatura dos últimos 24 anos com o que era registrado nos anos 1960 (período da infância dos avós das crianças de hoje, numa análise feita a grosso modo pela Folha de S. Paulo).
Há países em que os pequenos passam metade do ano submetidos a temperaturas acima de 35 graus, como Senegal. No Brasil, por exemplo, 17 milhões de crianças vivem em áreas em que a frequência dos dias de calor extremo dobrou. Os dias quentes estão ganhando cada vez mais um ar de normalidade, mas é importante lembrar como eles são perigosos especialmente para bebês, cujos corpos demoram para perder temperatura.
A crise climática tem ganhado cada vez mais espaço entre jovens e crianças, ponta indiscutível da crise. É por isso que a estudante indígena cearense Thaís Pitaguary virou ativista para chamar atenção sobre como as ações do homem impactam o nosso planeta. Ela tinha apenas 10 anos de idade quando começou a dar palestras para alertar outros jovens sobre o assunto. A preocupação se instalou por influência da mãe e de seu povo, que historicamente sofre com os danos ambientais causados pelo capitalismo.
“Tem muita gente que fala que jovens e crianças são o futuro do Brasil, mas somos o agora, e o que fazemos agora vai influenciar no futuro. Saber o que é emergência climática e conhecer como preservar o meio ambiente é preservar a nossa vida e a nossa saúde”, me disse numa entrevista no início do ano.
Adolescente, Thaís decidiu seguir os estudos na área ambiental em uma escola profissionalizante. E tem força suficiente para lutar. São vários jovens como ela a levantar a bandeira ambiental no Brasil. Gente que está gritando para poder sonhar com um futuro. Vamos juntos?