Foram as linhas de ferro cravadas no chão do Ceará muitas décadas atrás que cortaram o caminho para que o destino de Francisca Bezerra da Silva e Luiz Francisco da Silva se cruzassem. Na zona rural de Cedro, ela acostumou-se a ser chamada de dona Quinquinha enquanto trabalhava ensinando jovens a ler e escrever. Um dia, recebeu o pedido de um vizinho: deveria escrever uma carta convidando o irmão dele, Manuel, a vir trabalhar com ele na lavoura de algodão que desenvolvia a cidade. Dona Quinquinha atendeu o pedido.
No dia 15 de dezembro de 1959, foi até a estação de trem da cidade observar o movimento e aguardar Manuel. Ele nunca apareceu. Mas outro irmão veio de Baturité no lugar dele: Luiz. "Peguei o trem porque queria conhecer a cidade, mas acabei ficando", ele conta. Já faz 54 anos. Logo que chegou, Luiz começou a estudar com Quinquinha para aprender a ler e escrever. E uma amizade logo brotou entre os dois, que confidenciaram segredos.
Seu Luiz aprendia a ler a letra e a alma da professora, que na época estava noiva de outro rapaz. "Se tu rebolar essa aliança no mato, eu rebolo a minha também", brincava sério, mostrando a disposição de terminar o namoro que havia começado em Baturité diante da afeição entre os dois. "Nunca pensei que fosse me apaixonar por ele", lembra ela. Foram muitas brincadeiras assim até que decidissem os dois terminar seus relacionamentos e iniciar uma história de amor.
"Aí depois a gente começou", conta dona Quinquinha, com todas as datas cuidadosamente guardadas na cabeça. No dia 28 de março, Seu Luiz a pediu em namoro. Três anos e dois meses depois, no dia 26 de julho, eles casaram. "Estamos juntos até o dia de hoje, nunca separamos nem pra um dormir no quarto e outro na sala. Eu durmo na cama, e ele numa rede encostada", diz ela, orgulhosa, aos 85 anos.
O casal teve cinco filhos, mas só três se criaram. Ao longo dos anos, viram o ciclo do algodão findar no Ceará, os filhos se casarem e alguns mudarem para Fortaleza. Viajaram muito de trem para a capital antes de a linha ser desativada. "Eu achava muito bom andar naquele trem. Gostava de olhar quando ele chegava e quando saía. Era bom demais naquele tempo", diz Quinquinha. Às vezes, ia com o marido vender frutas na estação.
Mas os tempos mudaram. O trem de passageiros parou de passar. Os filhos tiveram filhos. Os netos tiveram filhos. "Temos dez netos e sete bisnetos", contabiliza dona Quinquinha. Por anos, acompanharam à distância a promessa e os atrasos de uma nova ferrovia, a Transnordestina. "Você sabia que ela passa aqui pertinho e vai para o Porto do Pecém?", pergunta Seu Luiz. "E vai pra Pernambuco, pra Bahia e pra meio mundo", completa.
Pois depois de tanto tempo a obra está quase chegando em Cedro. Quinquinha e Seu Luiz pediu para o neto Marciel levá-los para ver o trem em cima do trilho novamente. "Vai ser cargueiro, esse trem não vai levar gente", explica ele. "Mas eu tenho pra mim que se quiserem levar gente, quando tiver pronto, vai ser bom demais", diz, com esperança de poder ainda dar uma volta na memória da família que construiu com a ajudinha dos trilhos. "Estou esperando o trem voltar a passar. A gente escuta o apito e pensa: vixi, como é bonito. Escutar o apito já renova", finaliza Quinquinha.