Como vive a única mulher rabequeira do Ceará

Em uma casa ampla na zona rural de Umari, Ana Soares de Sá Oliveira planta, costura e ensina alunos a tocarem rabeca para garantir futuro ao instrumento

Na casa de paredes amarelas onde cresceu — na zona rural de Baixio dos Gaviões, em Umari — Ana Soares de Sá Oliveira costura e toca rabeca. Aprendeu os dois ofícios observando a mãe e o pai durante a infância, sem imaginar que, aos 76 anos, ostentaria um título de mestre. Ela é a única mulher rabequeira conhecida no Ceará. Aprendeu a tocar o instrumento de ouvido e se empenha em transmitir o conhecimento para as novas gerações. “Eu toco e ensino para a rabeca não acabar”, diz. “Teve um tempo que ela estava em extinção. Agora tá melhor, mas a gente tem que ensinar mais gente tocar”.

É por isso que ela planeja construir um espaço para sua escola de música próximo ao milharal que planta nos arredores de casa. Filha de um casal que viveu da agricultura, da ferraria e da costura, Ana segue as mesmas atividades, mas alegria mesmo encontra quando pega uma das sete rabecas para tocar. “Eu sinto prazer. Se pudesse, ficava o tempo todo tocando”, conta.

Foi naquela casa de paredes amarelas que ela nasceu. Veio em uma família de cinco filhos, dos quais apenas dois conseguiram aprender a tocar a rabeca de ouvido. “Papai era tocador de rabeca. Comprou uma quando tinha 22 anos. Casou e continuou tocando nas festas, só que parou logo”, diz. O espaço da rabeca era o de casa, quando tirava música do instrumento para a família ouvir.

“Quando ele chegava da roça, deitava um pouco, pegava a rabeca e começava a tocar. A gente escutava. Vendo ele fazer, eu aprendi a tocar e a afinar”, lembra Ana. Ela aprendeu a tocar com 15 anos, mas o gosto pela música vem desde a infância.

A primeira paixão, aliás, foi a sanfona. Com as duas irmãs, Maria e Honorina, montou uma banda. Tocavam muito xote, baião, valsa e choro. Mas os momentos de observar o pai tocar e afinar um violino francês chamavam sua atenção. Um dia, o violino precisou de um conserto. O pai de Ana precisou desmanchá-lo e montá-lo novamente. Foi aí que ele perdeu o som agudo e ganhou um som mais grave, virando a tradicional rabeca.

Aos 76 anos, Ana olha para trás e diz ter aprendido muita coisa, de música e de vida. “Fazia crochê, fiava com minha mãe para colocar no tear e fazer rede de algodão. Toda a vida a gente foi da roça, e hoje tenho um quintal que todo ano planto com meu esposo, conta, orgulhosa”.

Quando casou, Ana mudou com o marido para São Paulo. Foi lá que adotou Anderson, que chegou na casa dela com três dias de nascido. “Eu sempre tive vontade de ser mãe. Foi muito bom pra mim”, diz. Ela voltou com a família para o interior do Ceará, onde se dedicou a cuidar dos pais na velhice. Foi assim que permaneceu na casa que agora vai ser transformada em museu orgânico por meio de um projeto do Sesc Ceará em parceria com a Fundação Casa Grande.

“Vai ter muita coisa pro pessoal ver. Muita foto da gente, dos meus pais, dos meus irmãos que tocam outros instrumentos e de tudo o que a gente fez. Vai ter os instrumentos que meu pai usava na oficina”, conta.

É lá que ela guarda, com orgulho, as sete rabecas que herdou do pai. Com elas, começou a ensinar alunos da zona rural a tocarem o instrumento. Fundou sua escola há pelo menos seis anos, com o apoio de editais de cultura. Ana é mestre e tesouro vivo do Ceará.

A única mulher rabequeira do Estado sonha em ampliar a escola e fazer o que puder para o instrumento se popularizar e permanecer. Mas sua casa também abre as portas para o modo de vida de agricultores, com seus potes de barro escorados na parede, o chão de cimento queimado alternado com tijolos e muita memória. No Baixio dos Gaviões, as obras e a memória exposta no museu são acontecimentos de todo dia. Uma vida ordinária e rica que conta quem o cearense é.