Era dia de São Bento, 11 de julho de 2022, quando Juliana Monteiro sentiu que seu filho se foi e orou ao santo. Dois dias depois, soube que o menino que gestava há quase sete meses na barriga havia mesmo virado anjo. Três meses antes, havia escutado o médico dizer, em meio a uma ultrassonografia, que seu filho - que também se chamaria Bento - era incompatível com a vida por uma anormalidade genética.
Juliana, que já havia chorado a dor de perder Maria Luz pelo mesmo motivo um ano antes, reuniu todas as forças que conseguiu e decidiu seguir a gravidez, mesmo sabendo que aquele bebê, que seria seu sonhado arco-íris, tinha poucas chances de nascer com vida.
“Decidi que meu filho viveria o quanto fosse possível”, ela me contou. Juliana queria honrar a memória de seus filhos e dizer ao mundo que eles existiam e que a dor de sua perda é real.
Na gestação de Maria Luz, calou sobre ela porque sentia que poderia estar “enganando as pessoas”, já que sabia que sua filha teria poucas chances de sobreviver. Juliana sequer pôde se despedir de sua Maria depois que ela rebentou neste mundo, já sem vida, por um parto induzido. Nunca soube onde aquele corpinho miúdo, gestado por cinco meses, foi parar.
Com Bento, seria diferente. Ela honraria a memória dos dois. Então gritou para o mundo que estava grávida. Fez muitas fotos da barriga crescendo, em todos os ângulos possíveis. “Aproveitei cada minutinho com nosso bebê tão desejado”, lembra.
Mas dois dias depois do dia de São Bento, o Bento da Juliana se foi. Cortada mais uma vez pela dor dilacerante que é não conseguir mais ouvir o coraçãozinho do seu filho bater, ela fez questão de tomá-lo em seus braços após mais um parto induzido, que acabou virando uma cesariana por complicações.
Depois o levou ao túmulo da família e foi como sepultar seus dois filhos de uma vez. Foi como cobrar ao mundo o direito ao luto que a sociedade nega a quem perde seus filhos na barriga. E são tantas, são milhares. Eu mesma estou entre elas.
E é aqui que começa a história do meu Bento, que comecei a gestar no mesmo mês em que Juliana perdeu o Bento dela. Nossas histórias são atravessadas pela dor, mas também por muita esperança.
Assim como o dela, meu Bento é um bebê arco-íris, como chamamos todos aqueles que são gerados após uma perda. Francisco virou anjo em um mês de dezembro, levando com ele meu sonho de tocá-lo e alimentá-lo. Nunca soube se ele teria os meus cachinhos ou os cabelos lisos do pai, mas sempre tive certeza de que ele existiu e me fez mãe.
Francisco foi e segue sendo muito amado, esteja onde estiver. É pra ele que rezo todas as noites e peço que cuide do irmãozinho dele, que cresce aqui dentro da minha barriga. Para os dois, todos os dias rezo à Nossa Senhora e peço que derrame sobre meus filhos toda a luz que for possível.
Ainda escuto muita gente me dizer para esquecer Francisco e focar em Bento, como se um fosse dor e outro esperança. É uma tentativa de consolo que dói para quem sabe que ambos têm suas histórias cruzadas pela dor e pela esperança.
É nesta ilusão de encruzilhada que nasceu também a história de nossos Bentos, o meu e o da Juliana. No entendimento e na sororidade que brotou entre nós duas, em meio a conversas pelo whatsapp, fizemos nosso próprio arco-íris de esperança. “Meu Bento vai renascer no teu”, ela me disse um dia, com muito carinho.
Nossos Bentos, os que não nasceram com vida e os que nascerão, existem. Nosso luto é ressignificado todos os dias e honrar nossos filhos está longe de ser qualquer apego à dor. Nós, mães de anjos, nos apegamos à esperança. Viva nossos Bentos, Franciscos e Marias. Toda a luz do mundo para eles.
Antes de ir, te faço um convite: venha celebrar nossos anjos conosco no sábado, às 19h, numa onda de luz cheia de amor que faremos na Praça Luiza Távora. Nós, do grupo “Da dor ao amor”, estaremos lá.