Por que o meu filho está mentindo tanto? Como devo lidar?

Recebo famílias no consultório bastante preocupadas com a índole ou caráter dos filhos devido a mentiras constantes.

Calma, pessoal. Sei o quanto é decepcionante descobrir mentiras dos nossos filhos, mas precisamos entender que crianças e adolescentes se utilizam da mentira por diversas razões.

Entre elas, estão o desejo de agradar os pais ou evitar castigos; medo de serem rejeitados ou ridicularizadas; necessidade de aceitação, de atenção; ou ainda para manter a privacidade ou ocultar informações embaraçosas ou vergonhosas.

É comum os pequenos se utilizarem das mentiras também como uma tentativa de proteger a autoimagem quando não cumprem o que os cuidadores esperam deles.

Um exemplo comum desse pensamento: “Meus pais esperam que eu tire boas notas em tudo, então não vou mostrar a prova com nota baixa (para manter a imagem de um bom estudante e não decepcionar) e, quando vier o boletim com a nota maior, meus pais podem ver”. Para ajudá-los, antes de julgar precisamos, portanto, observar qual a função que está por trás dessas mentiras.

Estudos mostram que as mentiras de crianças e adolescentes geralmente seguem um padrão de desenvolvimento em etapas. Elas podem ser divididas em três fases principais: fase pré-escolar, fase da escola primária e adolescência.

É importante notar que essas fases podem variar de uma criança para outra, e que nem todas as crianças passam por essas fases de maneira tão linear ou clara.

Fase pré-escolar

É comum observarmos as primeiras mentiras das crianças por volta dos 3 anos de idade. Nessa fase, normalmente os pequenos têm dificuldade em distinguir a fantasia da realidade e pode ser difícil para eles entenderem o conceito de verdade e mentira.

Embora já saibam mentir, usualmente não têm consciência do valor moral do ato. Além disso, as mentiras nessa fase pré-escolar podem ser usadas para esconder um comportamento inadequado ou para evitar punição.

Fase da escola primária

À medida que as crianças entram na escola primária, as mentiras se tornam mais sofisticadas e complexas. Eles começam a entender que as mentiras podem ser usadas para obter vantagens, ganhar atenção ou impressionar os outros.

Nessa fase, as crianças também começam a entender a importância da verdade e da mentira, e podem sentir remorso quando mentem.

Adolescência

Já na adolescência, as mentiras podem se tornar mais frequentes e mais graves. Os adolescentes podem mentir para se proteger ou para impressionar os amigos e colegas.

Eles também podem mentir para evitar conflitos ou para encobrir comportamentos inadequados, como uso de drogas ou álcool. Nessa fase, é importante que os pais ajudem e ensinem a importância da honestidade e responsabilidade.

A influência do ambiente familiar

Já sabemos que o ambiente familiar tem um papel crucial no desenvolvimento do comportamento das crianças e adolescentes, e em relação à mentira não é diferente.

Se os adultos ao redor frequentemente mentem, é mais provável que as crianças sigam esse exemplo. Não se enganem: as crianças observam e absorvem os comportamentos dos pais e cuidadores.

Outro fator que contribui com a mentira dos pequenos é uma educação muito rígida e punitiva, em que não há espaço para dialogar sobre os erros.

Um ambiente familiar no qual a comunicação aberta é incentivada pode ajudar a reduzir a necessidade de mentir.

Se as crianças sentirem que podem falar livremente sobre sentimentos, pensamentos e ações sem medo de punição, é menos provável que recorram à mentira.

Por outro lado, se a criança ou adolescente estiver em um ambiente onde estejo exposta a conflitos familiares frequentes, este pode ser um fator que os leve a mentir como forma de evitar a confrontação ou como modo de proteção.

Vale reforçar que valores como a honestidade e sinceridade devem ser reconhecidos na família e elogiados quando praticados pelas crianças. Assim, elas serão incentivadas a adotar esse comportamento com mais frequência.

Sobre o comportamento de mentir, é importante pontuar que nem sempre é algo negativo. Em certas situações, pode ser um bom indicativo do desenvolvimento das crianças, pois mentir está associado a aquisição de habilidades sociais.

A mentira envolve funções mais complexas, como um certo conhecimento sobre o funcionamento da sociedade. Isso porque criança precisa perceber como se relacionar com as pessoas, entender sobre o processo de causas e consequências, conseguir ler as emoções dos outros e diferenciá-los dos seus próprios sentimentos.

Todas essas percepções fazem parte da base necessária para a construção de comportamentos, como empatia e adequação às normas sociais. É claro que mentir em excesso não é saudável, por isso é importante a função dos adultos, de atuar como mediadores dos códigos sociais que as crianças precisam absorver e construir.

Porém, aparecendo de forma natural, a mentira pode mostrar que a criança tem um desenvolvendo saudável de suas habilidades sociais. Déficits nessas áreas, por exemplo, podem ser indicativos de autismo, problemas de conduta ou transtornos psicológicos.

E como identificar quando as mentiras são patológicas?

Já vimos que a mentira é um comportamento normal e comum em crianças e adolescentes em desenvolvimento. Porém, precisamos observar, pois, em alguns casos, ela pode indicar um problema mais sério, como um transtorno de conduta ou um transtorno de personalidade.

Os pais devem sempre estar atentos quando a mentira for frequente e grave. A motivação por trás da mentira também pode indicar se é normal ou patológica.

Se a mentira for motivada por medo ou desejo de evitar punição, isso é normal. Mas se a motivação for manipular ou prejudicar outras pessoas, pode ser o indicativo de algo mais grave.

Se a mentira vem acompanhada por outros comportamentos problemáticos, como agressão, roubo ou comportamento destrutivo, isso pode ser um sinal de um problema mais sério.

Ou ainda, se a criança ou adolescente parece gostar de mentir e não mostra remorso ou culpa, isso pode ser um indicativo de algum tipo de transtorno.

Se os pais perceberem alguns desses outros comportamentos acompanhando a mentira, faz-se necessário uma maior investigação e até a busca de ajuda de profissionais.

Como os pais devem lidar com as mentiras dos filhos?

Lidar com as mentiras das crianças e adolescentes pode ser um desafio para os pais, mas é importante lidar com isso de maneira objetiva para ajudar a ensinar a importância da honestidade e da responsabilidade.

Ao descobrir alguma mentira, os pais nunca devem agir impulsivamente ou com agressividade.

1- Não julgue, tente entender por que a criança ou adolescente mentiu

Ele queria evitar punição? Queria impressionar amigos? Entender a razão por trás da mentira pode ajudá-lo a lidar com o problema de forma mais eficaz. Muitas vezes os pais vão logo rotulando os filhos, acreditando que são mentirosos. Isso não é saudável para a auto estima deles e pode reforçar o comportamento de mentir.

2- Manter a calma e não reagir exageradamente quando seu filho mentir

Temos a tendência de nos preocupar logo com a educação e caráter dos nossos filhos, e isso nos leva a julgar e reagir com raiva. Essas reações impulsivas fazem com que os filhos se sintam mais ansiosos e com medo de contar a verdade no futuro.

3- Evite perguntas acusatórias que provocam mentiras

Muitas vezes sabemos que foi a criança que sujou o chão ou que não fez determinada coisa que deveria ter feito. Então, ao invés de perguntar acusando (“Foi você quem sujou o chão?”, o que provavelmente geraria a resposta por defesa, “não”), você deve dizer, “Filho, que sujeira que ficou esse chão, vamos limpar? ”

Quando pegar o filho em alguma transgressão, os pais devem concentrar muito mais em lidar com esse comportamento do que em evidenciar a mentira. Ex: se você viu que a criança não fez a tarefa da escola, em vez de perguntar, “Você fez a tarefa?”, afirme: “Vi que você não fez a tarefa, o que aconteceu?”.

Ajude a criança a corrigir o erro. Outro exemplo: Se uma criança quebra algo de algum amiguinho e diz que não foi ela, deve ser pontuado que o coleguinha ficará triste ou fazer a criança refletir como ela se sentiria se fosse com ela. O objetivo maior é ajudar a criança a reparar seu erro e não a acusar de ter mentido.

4- Seja flexível a negociar com seu filho

No consultório, uma das maiores queixas que as crianças e adolescentes trazem dos pais, e que os levam a mentir, é dizer que os pais NUNCA os deixarão fazer tal coisa. Procure ouvir mais seus filhos, e esteja aberto a negociar com eles. Encontre uma solução junto com eles que agrade e tenha ganhos para aos dois.

Exponha seus argumentos e escute os deles também. Se seu filho percebe que você considera um pedido dele e o ouviu, além de você ajudá-lo a solucionar problemas, reforçando na tomada de decisões, ele se sentirá mais à vontade com você e construirá uma relação de maior confiança.

5- Ter uma conversa aberta e honesta sobre as consequências das mentiras

Explique para seu filho como as mentiras podem afetar negativamente as pessoas ao seu redor. Explique como mentir quebra a confiança, e que isso distancia as pessoas. Faça a criança refletir sobre como seria ruim essa relação entre a família e os amigos. Ao invés de punir por mentir, ofereça oportunidades para a criança ou adolescente se redimir.

Peça que ele corrija a mentira ou peça desculpas por seu comportamento. Ex: se seu filho chegar com algum objeto que não lhe pertence e disser que foi o amiguinho quem deu, você deve investigar se essa história procede. Caso a criança tenha pego o objeto sem consentimento do amiguinho, você deverá incentivá-lo a devolver o brinquedo, a pedir desculpas por sua atitude, e reforçar o valor de honestidade.

6- Ensine sobre consequências de seus comportamentos, consciência e responsabilidade

É claro que devemos mostrar nossa insatisfação com as mentiras, mas muito além disso e principalmente, precisamos ensinar aos nossos filhos sobre a consequência de seus atos e mostrá-los que mentir não irá resolver ou impedir que a consequência aconteça.

Ex: Se não escovar os dentes, terão cáries, mentindo ou não. Se não estudar, tirarão notas baixas, mentindo ou não. E a questão principal não é esconder esse resultado mentindo, mas sim corrigir esses comportamentos e consequentemente os bons resultados virão.

7- Elogie quando seu filho contar a verdade ou assumir a responsabilidade por suas ações

Isso ajudará a reforçar o comportamento positivo e o incentivará a continuar sendo honesto. Esteja preparado quando ele falar a verdade para você. Mesmo que não goste do que fez, tente reforçar o fato de lhe ter contado. Afirme: “Você não deveria ter feito isso, teremos que resolver, mas fico feliz por ter contado a verdade”.

8- Saber distinguir a mentira de uma fantasia

Isso é importante principalmente em crianças menores. Às vezes os pais vão logo evidenciado a mentira da criança, sem considerar sua fase e seu processo imaginativo e criativo. Nesses momentos, você precisa ajudar a criança a distinguir o que é realidade e fantasia.

9- Conte uma história ou fábula

Uma excelente maneira de ensinar e validar os valores morais para as crianças e adolescentes é por meio de histórias ou contos. Os personagens e seus comportamentos funcionam como modelos para eles aprenderem e refletirem sobre os prejuízos e consequências das mentiras.

Há um universo de livrinhos infantis que trazem essas lições. Pesquisem e se utilizem desses recursos, é enriquecedor para toda a família.

Por fim, precisamos entender que as mentiras fazem parte do desenvolvimento e amadurecimento das crianças, e que existem várias razões envolvidas para que esse comportamento aconteça. A preocupação dos pais é válida, porém a principal função, enquanto pais e educadores, é ajudar os pequenos nesse processo.

Devemos ser mediadores, estabelecendo limites claros, diálogo aberto e ensinando a importância da responsabilidade sobre as atitudes e palavras dos nossos filhos para que eles possam desenvolver relacionamentos saudáveis e confiáveis no futuro.

 

*Este texto reflete, exclusivamente, a opinião da autora