Cidades esponja ou cidades submersas: o que queremos para o Ceará?

Em breve, seremos forçados a gastar bilhões de reais para renaturalizar hectares e hectares de áreas urbanas, do contrário, os prejuízos materiais e as vidas perdidas serão contabilizadas em escala de grandeza superior.

Quando a chuva cai, as preocupações aumentam. Essa é a máxima que atormenta os pensamentos de muitos moradores das cidades brasileiras. Mas, por que chegamos nessa situação? Nos últimos 50 anos, tivemos tempo, ciência e exemplos para fazermos diferente, porém, pouco avançamos. Talvez, até tenhamos regredido no que concerne às formas mais ambientalmente adequadas de produzir os espaços urbanos.

Na verdade, as cidades brasileiras, principalmente as médias e as metrópoles, sucumbiram aos interesses econômicos e à fragilidade dos nossos sistemas de controle e fiscalização da ocupação da terra urbana.

Economicamente, a produção de imóveis se constituiu em um negócio muito rentável, baseado no máximo aproveitamento construtivo do solo, o que produz uma cidade do concreto, uma cidade impermeável à penetração das águas. Nesse mesmo ritmo, os rios e seus cursos naturais deram lugar aos canais de concreto, às tubulações e às galerias; tudo para abrir caminho para avenidas, ruas e construções.

Ao mesmo tempo, as terras urbanas se tornaram mais caras e, em consequência, menos acessíveis aos mais pobres, sobrando-lhes os fragmentos indesejados da urbe. Na lógica da cidade do improviso e da pobreza, a natureza também é deixada em segundo plano, sobretudo, pela ocupação de margens dos rios ou a construção dentro do leito dos rios em aterros ou palafitas.

Diante da cidade real, ou seja, dos interesses econômicos e da pobreza, o controle urbano e os projetos são deixados de lado parcial ou integralmente. E posso dizer mais: as leis de uso e ocupação do solo, em sua evolução, tenderam a priorizar a indução do crescimento econômico e menos as boas técnicas de relação com o sítio natural da cidade e aos fenômenos naturais aos quais ela, inevitavelmente, será submetida.

No plano ideal, a modernidade das infraestruturas entenderia a importância de imitação da natureza e colocaria em prática nas nossas cidades. Diante disso, tem-se a expressão “cidades esponja”, ou seja, aquelas a priorizar os espaços verdes, às margens dos rios, os espaços naturais e permeáveis à água.

Vejam o caso de Fortaleza. Não há ambiente natural com maior capacidade de permeabilidade do que as dunas e as demais zonas sedimentares. Ao invés de promover a proteção desses ambientes, a história da ocupação da cidade é marcada pelo desmonte do campo de dunas e sua impermeabilização. No mesmo ritmo, os rios, os manguezais e as lagoas foram aterrados e sufocados pelas construções e, quando há rio, o transformamos em depósito de resíduos sólidos.

Em síntese, há pelo menos meio século estamos criando cidades submersas ou cidades inimigas das águas. Por projetos mal elaborados ou por dificuldade em compreender a natureza, as infraestruturas não conseguem imitar a natureza no que diz respeito ao diálogo com os recursos hídricos, por exemplo. Isso fica pior quando tais infraestruturas sequer existem, como acontece em bairros pobres e comunidades urbanas.

Em breve, seremos forçados a gastar bilhões de reais para renaturalizar hectares e hectares de áreas urbanas, do contrário, os prejuízos materiais e as vidas perdidas serão contabilizadas em escala de grandeza superior. Quando não tivermos escolha, a minha dúvida é quem pagará por essa conta e quem será priorizado durante o tal processo.