As prateleiras com etiquetas "produtos próximos ao vencimento" são cada vez mais comuns em supermercados de Fortaleza. Os produtos são caracterizados, além de estarem com a data de validade próxima, pelos preços mais atrativos.
O vencimento varia de alguns dias até alguns meses e, a depender do item, o valor pode cair para menos da metade. Por exemplo, um produto que vence em maio e é normalmente comercializado a R$ 12,79, pode ser encontrado a R$ 4,49, um desconto de 65%.
Esse tipo de oferta tem recebido atenção especial dos varejistas, com é o caso do Grupo Pão de Açúcar (GPA), que criou, no ano passado, uma plataforma de gerenciamento de preços de produtos que estão próximos à data de vencimento.
"A aplicação dessa ferramenta tem o objetivo de reduzir o desperdício de alimentos, minimizar a quebra da companhia e garantir uma maior assertividade no sortimento das lojas. O combate ao desperdício de alimentos é uma das prioridades da companhia na estratégia de sustentabilidade", informou o GPA.
Ainda de acordo com o grupo, os descontos com os chamados "vencidinhos", como também são chamados os alimentos com validade próxima, podem variar entre 10% e 80% e ajuda as lojas a diminuírem os prejuízos com os itens cujo vencimento está perto.
O Grupo Pão de Açúcar pontua que há uma metodologia própria para cada material que será vendido nessas condições. No caso de produtos de hortifrúti, a análise é feita "diariamente". Já para itens embalados, o ingresso na área destinada aos vencidinhos pode acontecer cerca de um mês antes da data de validade.
Fifos: mercados especializados continuam em alta
Enquanto grandes redes varejistas destinam somente determinados lotes para seções destinadas aos produtos próximos ao vencimento, empreendimentos reconhecidos como mercearias ou mercadinhos de bairro se destacam no segmento, vendendo principalmente os itens vencidinhos ou fifos.
FIfo é sigla em inglês que significa "First In, First Out"; em tradução para o português, "Primeiro a Entrar, Primeiro a Sair". Os produtos recebem essa denominação ao ser feita uma associação entre o sistema Fifo (ou Peps), usado em indústrias e comércios de produtos perecíveis.
Um desses estabelecimentos é o mercadinho Estação dos Frios, no bairro Moura Brasil. Como o nome já indica, o local é especializado na venda de frios, carnes, embutidos e laticínios, e também comercializa outros produtos, como pães e temperos.
Segundo Nicole Leal, uma das proprietárias do empreendimento, entra nas prateleiras "tudo o que estiver de promoção" nos fornecedores, independente do tipo de alimento.
"(Os fifos) vêm em um valor muito abaixo de qualquer empresa. A gente tem uma margem grande de distribuição, a gente compra muita coisa de empresas alimentícias. Quando já estão em linha amarela, faltando um, dois meses para validade, eles abaixam o preço em um valor acima de 60% de desconto. Dá para gente botar a nossa margem e receber um lucro bastante grande em cima disso, o que se diferencia de qualquer mercado", explica.
O mercadinho, que há nove anos está de portas abertas em frente ao cemitério São João Batista, começou principalmente a partir de grupos de WhatsApp. Conforme Nicole, a base de clientes do negócio, somente na rede social, supera 3 mil pessoas em dez grupos.
Vendo lombo e filé mignon suínos a R$ 10 fatiado, mas já esgotou. No supermercado, por exemplo, é R$ 18. Vendo aqueles hambúrgueres gourmet, carne grossa, a R$ 8. No supermercado, é R$ 16. Bacon fatiado vendo aqui de R$ 7, no supermercado é 20, e vai mudando muito. Qualquer preço de supermercado a gente bate.
Mesmo com a popularização dos atacarejos, que apresentam, em geral, preços mais competitivos que outras lojas do segmento alimentício, Nicole Leal garante que consegue vender alimentos mais baratos e ainda mantém alguns produtos com preços normais para as pessoas que moram nas proximidades do mercadinho.
"A gente ainda consegue comprar nesses atacarejos e trazer em uma margem muito boa e consegue vender muito bem. Se no atacarejo custava tanto, aqui ainda consigo vender R$ 2 mais barato. Como a gente trabalha com produtos próximos da validade, tem muita rotatividade. Tem vez que tenho certo produto, tem vez que não tenho, mas claro que tenho vários produtos em preço normal de mercado, que não estão na promoção. São produtos para a moça da esquina, por exemplo, comprar um pão com queijo, etc.", diz.
Máximo aproveitamento de mercadorias
Os vencidinhos surgem como estratégia importante em um contexto de agregar valor a mercadorias que poderiam ser descartadas em virtude da validade expirada. Para o especialista em varejo e sócio da PWR Gestão, Wilson Sá, é como se fosse uma espécie de "ganha-ganha": tanto se beneficia o lojista quanto o cliente.
"O lojista tem a possibilidade de colocar dinheiro no caixa evitando possíveis desperdícios, perdas e prejuízos na sua operação com produtos que não poderiam ser vendidos normalmente. Isso obviamente traria prejuízo da operação para uma margem do varejo de supermercado, que já é muito apertada", observa.
"Para o consumidor, que tem a chance de adquirir um produto ainda em boas condições para consumo, traz opções de compra em um preço muito melhor. Todo mundo conhece alguém que fica esperando exatamente essas promoções para poder ter acesso a alguns produtos que não tem no dia a dia e que naquele momento conseguem trazer para a sua realidade", completa o especialista.
O especialista em finanças para o varejo e professor de Administração da Unichristus, Randal Mesquita, o desconto trazido pelos vencidinhos ajuda a atrair novos consumidores, que vão aos supermercados não apenas em busca de preços mais atrativos, mas também podem se interessar por novos serviços.
Os descontos praticados não são tratados como alternativas emergenciais que impactam na margem do varejo, são normalmente utilizados como estratégia para atração de novos clientes com outros perfis de consumo, por exemplo, operações de bares, restaurantes e lanchonetes que buscam constantemente por insumos de qualidade com preços competitivos.
Há ainda a avaliação da sustentabilidade, pelo aproveitamento de produtos que seriam descartados. Randal Mesquita acredita que a estratégia auxilia para manter em condições de uso itens que ainda seguem em bom estado.
"Os “vencidinhos” aquecem um importante debate, pois o Brasil é um dos maiores produtores de alimentos do mundo, porém, também ocupa posição de destaque no ranking dos países que mais desperdiça comida. Portanto, a tendência para o varejo alimentar é seguir buscando por soluções inovadoras e assertivas que reduzam o desperdício e melhore sua eficiência", arremata.