As discussões sobre a regulação da internet no Brasil voltaram com força após a sinalização da equipe de transição do governo Lula abordar o tema e sugerir que uma proposta de legislação seja apresentada ainda nos primeiros 100 dias de governo. A urgência ganhou ainda mais força e destaque após os ataques terroristas em Brasília no dia 8 de janeiro.
Mas afinal, o que é regulação da internet?
O professor do departamento de Telemática do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará (IFCE), Wendell Rodrigues, esclarece que, na realidade, sempre houve algum tipo de regulação da internet. Isso porque as leis civis do País já eram aplicadas no ambiente virtual.
“Por exemplo, estelionato, falsidade ideológica, injúria, calúnia, tudo que já era enquadrado nas leis civis do País, também são crimes mesmo a internet na internet. Não é que era uma terra sem lei, a internet sempre teve um controle. O problema é que mais recentemente, principalmente com as mídias sociais, essa interação, a liberdade maior e a possibilidade de você ser anônimo na internet, criaram uma avalanche de problemas”, afirma.
Entre as problemáticas alavancadas pela facilidade da internet citadas por Rodrigues estão as fake news e os próprios crimes de injúria e estelionato, de forma a se fazer necessário uma legislação própria para o ambiente virtual que combata essas práticas que podem ferir usuários.
O docente lembra que as próprias empresas de mídias sociais costumam fazer algum tipo de regulação de acordo com os valores que pregam e a fim de evitar maiores intervenções governamentais. No entanto, esse controle nem sempre é eficiente e rápido na identificação de conteúdo impróprio. Além disso, as sanções ficam aquém em alguns casos.
“Os governos também têm interesse em definir suas regras, porque nem todas as empresas pensam dessa forma (na autorregulação). A gente tem o exemplo do Telegram, uma empresa de origem russa. Lá, eles têm um conceito de que a internet tem que ser livre e que você pode fazer o que quiser, ensinar a construir uma bomba, etc”
"Cabe ao País fazer intervenções pontuais, o STF aplicar multas diárias caso não seja cumprida uma determinada regra. O que se pretende é que cada vez mais leis consolidadas façam essa regulação", completou.
O que se pretende com a regulação?
Rodrigues explica que a regulação da internet, diferente do que algumas pessoas acreditam, não irá limitar a liberdade de expressão e muito menos se aproximar de uma espécie de censura. Segundo o especialista, a legislação tem o objetivo de proteger o usuário final e tornar a internet um ambiente que seja benéfico para todos.
As discussões em âmbito nacional têm tomado como base o modelo europeu de regulação da internet, a DSA (Lei de Serviços Digitais, na sigla em inglês). Alguns dos pontos que as leis do Velho Continente observam diz respeito ao armazenamento e utilização dos dados dos usuários, especialmente em marketing direcionado, quando a menção de um produto ou serviço em buscas, publicações ou mesmo em conversas privadas gera publicidade personalizada.
“Eu particularmente, como cliente da internet, não sinto minha privacidade tão invadida, agredida, com esse tipo de propostas de marketing. Mas nem todo mundo pensa assim e acredito que o usuário deve ter o controle do que ele deve receber”, argumenta.
O Brasil já possui uma legislação que prevê as diretrizes para o armazenamento das informações dos usuários, a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), que entrou em vigor em setembro de 2020.
Rodrigues também lembra que uma iniciativa semelhante ao que a regulação da internet propõe é a obrigatoriedade das chamadas de telemarketing serem identificadas pelo prefixo 0303. “Por que surgiu o número 0303 da telefonia comercial? Porque as pessoas estavam reclamando bastante na Anatel que estavam sendo invadidas. Era um spam de acesso de publicidade indesejada gigantesco e isso culminou em regras. Tinha que regulamentar”, pontua.
Um terceiro questionamento ligado à discussão da regulamentação está ligada ao aumento da concorrência justa. O docente exemplifica ser desigual os usuários de iPhone só conseguirem realizar download de aplicativos pela AppleStore, da mesma forma que os usuários de Android só conseguem baixar apps na PlayStore, criando uma espécie de monopólio.
O que deve mudar na prática?
O docente do IFCE detalha que o que deve mudar na prática após a regulamentação da internet entrar em vigor é a intensificação das verificações de conteúdo impróprio e ofensivos, como apologias à violência, à discriminação de qualquer natureza, entre outros.
“Recentemente, nós tivemos o jogador de vôlei que fez uma apologia à violência contra o atual presidente e isso de alguma forma foi denunciado por outra entidade, por outro órgão, que está seguindo os trâmites judiciais convencionais. Como não existem as regras específicas pra esse tipo de ação, ele vai cair no oceano de leis já existentes pra esse tipo de caso, mesmo que fosse fora da internet”, afirma.
A regulação também corresponsabiliza as próprias plataformas pela divulgação de material considerado impróprio ou ofensivo. Diante disso, o que deve ocorrer é um maior rigor por parte de empresas, como Facebook e Twitter, assim como sanções mais duras, o que deve resultar em um maior volume de banimento de usuários.
“O que vai mudar na prática é que vamos ter leis específicas que vão ser mais rápidas de serem ajustadas para cada caso, vai ter uma velocidade no tratamento do evento, do problema que ocorrer”, ressalta Rodrigues.