O Ceará perdeu um dos maiores investimentos privados da história, com a saída do projeto termelétrica Portocem da Zona de Processamento de Exportação (ZPE) em São Gonçalo do Amarante, na Região Metropolitana de Fortaleza. A notícia surpreendeu negativamente e gerou questionamentos sobre as razões da desistência, após longo trâmite e negociação envolvendo R$ 4,7 bilhões.
Para especialistas, não faltou uma ambiência de negócios favorável por parte do Estado, mas questões contratuais e de planejamento inviabilizaram a concretização da usina a gás.
O diretor de regulação do Sindicato das Indústrias de Energia e de Serviços do Setor Elétrico do Estado (Sindienergia), Bernardo Viana, explica que a Ceiba Energy, proprietária do empreendimento, desistiu da instalação porque a petrolífera Shell não forneceria mais Gás Natural Liquefeito (GNL).
“Embora houvesse um acordo, era num formato de contrato não vinculante para o fornecimento de gás. Buscaram ganhar o leilão, tirar o licenciamento e toda a burocracia necessária para o projeto, mas não amarraram contratualmente o fornecedor da matéria-prima”, lista.
“Do ponto de vista da ambiência de negócios, eu não vejo haver culpa da nossa infraestrutura ou da nossa situação, foi mais uma relação entre duas empresas, que falhou e, evidentemente, afetou a geração de empregos e investimentos para o Estado”, completa.
O equipamento teria capacidade de 1.572 MW e iria abrir 1,7 mil postos de trabalho. A estrutura da Portocem será transferida para o Pará e Santa Catarina, onde há instalações de gás natural para abastecê-la.
Entenda como era o projeto
O que era a Portocem?
O que acontecerá a partir de agora?
Fatores externos e planejamento
O economista e membro da Academia Cearense de Economia (Ace), Célio Fernando Bezerra Melo, avalia que o Ceará tem diferenciais competitivos para a atrair e reverter fuga de investimentos, como localização geográfica, educação tecnológica para a formação de mão de obra qualificada e segurança jurídica.
Ele cita, por exemplo, o reconhecimento no projeto de Revisão por Pares (Peer Review) da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Em 2023, o programa avaliou políticas voltadas para melhorar a governança regulatória de cidades e unidades federativas.
“Só dois estados participaram: o Ceará e Minas Gerais. Portanto, sobre a nossa ambiência, estamos bem, mas há incertezas que mexem com essa estrutura, como a questão geopolítica”, destaca.
“A Portocem dependeria do gás da Shell para funcionar, mas, naquele momento, houve a guerra na Ucrânia, ocasionando uma maior demanda da matéria-prima para a Europa e alterando o fornecimento para o projeto”, pondera, acrescentando ser necessário um plano de contingência para lidar com conflitos externos.
Célio observa que as termelétricas (mais caras e mais poluentes) são usadas para suprir as intermitências e problemas na matriz energética, enquanto há o desafio da descarbonização da economia. Nesse contexto, é crucial reavaliar aspectos estruturais e se preparar.
“A situação (da saída do investimento) pode ser revertida, a depender da proatividade. Perder agora não significa perder durante o ano. Agora é traçar um plano de objetivos de médio e longo prazos para o Ceará, vendo as questões das energias renováveis, transição energética, como seria o abastecimento de gás e a demanda do própria Companhia Siderúrgica do Pecém”, analisa.
Como virar o jogo
O Complexo do Pecém (Cipp S/A) informou que o projeto da Portocem não terá mais continuidade como foi concebido inicialmente, mas o pré-contrato com a ZPE Ceará será mantido, “buscando outra configuração viável nos próximos leilões de energia”.
O Cipp, no entanto, não deu mais esclarecimentos sobre essa negociação, e a Portocem disse “não ter nada a declarar”. A Secretaria de Desenvolvimento do Estado (SDE) também não disponibilizou fonte nem comentou sobre como está trabalhando para reverter a perda desse investimento.
Para o economista Célio Fernando, o Ceará “deve continuar na luta e se readaptar", sendo a velocidade da adaptação fundamental para obter êxito na captura de investimentos.
O diretor de regulação do Sindienergia, Bernardo Viana, aponta que o pré-contrato mantém a área estudada e investida no radar da Ceiba Energy. “Trata-se de uma empresa muito grande, com capital estrangeiro. Eles podem estar vislumbrando o hub do hidrogênio verde. Na nossa visão, cabe agora ao Estado transformar esse limão em limonada”, frisa.