A Câmara dos Deputados aprovou nesta semana o marco regulatório legal da energia eólica em alto-mar no País, as eólicas offshore. O Ceará possui 23 projetos do tipo com processos de licenciamento ambiental abertos no Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), conforme documento datado de 14 de julho deste ano.
Ao todo, somadas as potências, estes projetos devem gerar 58,1 mil megawatt (MW). O Estado é o segundo em número de projetos, ficando atrás apenas do Rio Grande do Sul, que possui 24 processos na mesma situação.
No Brasil, ainda de acordo com o Ibama, são 78 projetos, gerando uma potência total de energia de aproximadamente 189 mil MW, compreendendo também os estados do Espírito Santo, Maranhão, Piauí, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte e Santa Catarina.
Adão Linhares, secretário Executivo de Energia da Secretaria da Infraestrutura do Ceará (Seinfra), no que diz respeito especificamente ao Ceará, acredita que não haverá grandes perdas nos projetos que já estão desenhados por conta de todas as vantagens que a região tem.
As condições do vento, o ponto geográfico e as condições de logística devem manter o Estado competitivo neste mercado. Porém, entendo que do jeito que foi aprovado não é a forma mais democrática, porque inviabiliza para médios investidores, por exemplo"
Ele explica que o Estado, além de buscar formas de incentivo para que estes investimentos ocorram na sua zona territorial, também está buscando fazer uma medição real de velocidade de vento que poderá atrair ainda mais investidores. "Com esses novos custos, só vai investir quem tiver certeza de retorno e resultado."
Linhares destaca também que, analisando rapidamente a lei aprovada pelos deputados (que ainda precisa passar novamente pelo Senado por conta de modificações feitas), chama a atenção a forma com que serão cobradas as taxas que estão previstas. “Acredito que apenas grandes investidores deverão ter estofo financeiro para bancar os projetos”.
Isso porque a lei criou uma taxa de ocupação da área, que será de um real por metro quadrado. Também modifica o pagamento de outra taxa que já era prevista, que é o bônus de assinatura, que agora deve ser pago integralmente na assinatura e não mais parcelado como estava previsto - antes a empresa pagaria apenas 30% no momento da assinatura e o restante parcelado, além do pagamento mensal pela geração da energia.
Segurança jurídica
Ocelo Pinho, engenheiro eletricista participante do Núcleo de Energia da Fiec, lembra que os investimentos em geração de energia eólica offshore são normalmente de grande monta, em ordem de bilhões de reais. "Portanto, segurança jurídica é parte fundamental para esse negócio."
"A aprovação do marco legal da geração de energia offshore poderá, pelo seu enorme potencial, destravar grandes investimentos nesse setor, desenvolvendo uma nova cadeia de suprimento e uma nova indústria para o Estado do Ceará, com geração de tecnologia, emprego e renda."
Empresariado preocupado com acréscimo de custos
O diretor-executivo da BI Participações e Investimentos Ltda, que detém cinco projetos eólicos offshore nos estados do Ceará, Rio Grande do Norte e Maranhão, Lúcio Bonfim, se diz preocupado com artigos na lei que dão prioridade e vantagens grandes para as empresas de petróleo e gás.
Além disso, ele cita a obrigação de se ter um Planejamento Espacial Marinho como um dificultador, haja vista que a Marinha brasileira já disse não ter recursos para fazer esse trabalho.
Outro ponto que o empresário espera que seja revisto pelo Senado Federal é a não possibilidade de dois interessados na mesma área chegarem em um acordo, indo esse espaço direto para leilão. "Que será mais uma postergação em que o Brasil estará perdendo nessa nova fonte de energia."
"E ainda temos a criação de mais uma taxa nesse processo, que é a taxa de ocupação da área", comenta Bonfim que reforça sua expectativa na correção destes pontos pelo Senado.
Os jabutis nas eólicas offshore
O texto aprovado que agora será apreciado no Senado, além do marco legal para as usinas de alto-mar traz também uma série de "jabutis" (assuntos inseridos na lei) que preocupam segmentos e devem esquentar o debate.
Um dos benefícios incluídos que gerou mais polêmica é o que trata das termelétricas a carvão do Sul do País, que devem ter contratos estendidos para até 2050. Os jabutis foram inseridos pelo relator do texto, deputado Zé Vitor (PL-MG), que é vice-presidente da Frente Parlamentar de Energia.
Em nota, a Associação Brasileira de Grandes Consumidores Industriais de Energia e de Consumidores Livres (Abrace) afirma que "mais uma vez perdem os consumidores após decisão inexplicável da Câmara dos Deputados, que obrigará a sociedade brasileira a arcar com uma conta amarga: cerca de R$ 40 bilhões por ano para gerar usinas a carvão, prorrogar subsídios para fontes que não precisam e obrigar a compra de geração térmica cara, poluente e desnecessária ao sistema".
Já o consultor de energia da Federação das Indústrias do Estado do Ceará (Fiec), Jurandir Picanço, se disse inconformado com os assuntos "enxertados" na lei aprovada pelos deputados por 403 votos a favor e apenas 16 contrários.
"No que diz respeito ao objeto de disciplinar o aproveitamento do potencial energético offshore, reconheço um grande avanço. A Lei trará segurança jurídica para investidores desenvolverem seus projetos. Não atende a totalidade dos interesses dos investidores, mas o conjunto é muito positivo. Mas, infelizmente, o que foi acrescentado, os jabutis, são tão negativos que não vale a pena aprovar como está. É lamentável."
Ainda repercutindo o que foi inserido na lei, a Frente Nacional dos Consumidores (FNC) também se manifestou, afirmando que o Projeto de Lei 11247/18 vai "na contramão da busca pela sustentabilidade energética".
Em nota, a entidade lembra que "em plena crise climática e às vésperas da COP 28, onde o Brasil pretende ser protagonista, o Congresso Nacional demonstra total despreparo e incompreensão para encaminhar a transição energética brasileira".
"O PL foi aprovado com a prorrogação de contratação de térmicas a carvão, liberação do preço teto para térmicas a gás nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, subsídio para o uso de linhas de transmissão por fontes renováveis, entre outros jabutis. O custo total desses enxertos feitos no projeto original é de R$ 39 bilhões. O Brasil passa ao mundo um atestado de incapacidade para o enfrentamento da crise climática global, apesar de ter um dos maiores potenciais energéticos do planeta."
Confira o custo estimado para os jabutis inseridos no PL de Eólicas Offshore, segundo a FNC:
- Prorrogação de contratação de térmicas a carvão: R$ 5 bilhões
- Liberação do preço teto para térmicas a gás nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste: 16 bilhões
- Subsídio para o uso de linhas de transmissão por fontes renováveis: R$ 6 bilhões
- Contratação de energia eólica no Sul do país: R$ 500 milhões
- Contratação de térmicas a hidrogênio verde: R$ 3 bilhões
- Contratação de pequenas centrais hidrelétricas (PCHs): R$ 8,6 bilhões