Interesse pela exploração de lítio no Ceará faz estado concentrar metade das pesquisas no País

Uma tonelada de lítio beneficiado daria para produzir cerca de 80 baterias de carros elétricos, mas demanda o uso de dois milhões de litros de água

De todas as pesquisas para exploração de lítio no Brasil, que estão ocorrendo atualmente, 50% são feitas no Ceará. Ao todo, são 101 empresas diferentes fazendo esse trabalho no Estado, o que é considerado alarmante pelo Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM), sobretudo ao avaliar a quantidade de empresas.

“Há uma corrida no Brasil e no Ceará que leva a um processo de especulação em torno do direito de minerar lítio, no subsolo brasileiro e cearense”, explicou o diretor nacional do MAM, Pedro D'Andrea. 

Ele afirma que esse grande volume de empresas está fazendo esse movimento na busca por avaliar a viabilidade econômica dessa mineração de lítio e, no futuro, poder exercer o direito de vender a concessão de lavra que já teriam garantido com a Agência Nacional de Mineração.

“Então, podemos dizer que o subsolo do Estado do Ceará está à venda e é parte de um processo de especulação em torno do lítio que é uma demanda global para a transição energética”. 

D'Andrea ainda explica que, nessa relação entre mineração e transição energética, há minerais que são considerados críticos ou estratégicos. Porém, para o MAM, essa própria nomenclatura deveria ser discutida, uma vez que o Brasil tem jazida de determinados minerais que são considerados críticos e não demanda o uso deles.

“Quem demanda esses minerais são outros países, aqueles que têm protagonizado o processo da transição energética. Então, esses minerais não deveriam ser críticos para nós, mas sim para esses países que demandam o lítio, por exemplo, e não têm jazidas para poder suprir essa demanda”.

O diretor nacional do Movimento ainda reforça que é de fato importante para a sociedade moderna o relacionamento com a mineração e politicas públicas que organizem não só a exploração, como também os recursos que resultam dessa atividade. 

“Há mais de 10 mil anos lidamos com a mineração, então não se trata de ser contra ou a favor, mas de não concordar que a mineração siga no país como está. O estado brasileiro não define onde se deve minerar. Nunca controlou o modelo mineral no Brasil.

Como se dá a mineração do lítio

O especialista destaca que uma tonelada de lítio beneficiado daria para produzir cerca de 80 baterias de carros elétricos. Porém, para minerar uma tonelada são necessários dois milhões de litros de água. “Então, é preciso saber se o Ceará tem viabilidade hídrica para isso?”, questiona.

Ele acrescenta que para o MAM, nem no estado do Ceará e nem no Nordeste brasileiro há recursos hídricos que sejam capazes de se dividir entre a demanda do povo para consumo e as mineradoras. “Isso aumentará ainda mais esses conflitos hídricos”.

O que os minérios já rendem para o Estado

Sobre a exploração de minério no Ceará, só em julho deste ano, o Estado recebeu R$ 236.611,06. Os valores são distribuídos pela Agência Nacional de Mineração (AMN). Ao todo, foram destinados para estados e o Distrito Federal R$ 98.695.544,45.

Os montantes são cotas-partes da Compensação Financeira pela Exploração Mineral (CFem), conhecida popularmente como “royalties da mineração”. Ainda conforme a ANM, os dois estados que mais recebem os royalties da mineração são Minas Gerais, com mais de R$ 44 milhões e o Pará, com quase R$ 41 milhões.

Além do Estado, 65 municípios do Ceará receberam, somados, R$ 946.444,22. Entre os que receberam maiores valores estão Uruoca, com R$ 240.656,32 e Caucaia (R$ 95.876,21). 

De todas as cidades beneficiadas com esse recurso, 22 receberam menos de R$ 1 mil. Solonópole, que possui dezenas de estudos sobre o lítio, por enquanto só recebeu R$ 412,14. Já quem recebeu menos foi Fortim (R$ 12,29).

Além de receber diversas pesquisas, não só para uma possível extração de lítio, como também de fosfato e urânio — como no projeto da mina de Itataia, em Santa Quitéria — o Ceará possui exploração de minério de ferro.

A reportagem demandou o Ministério de Minas e Energia para confirmar a quantidade de estudos no território cearense e ter mais detalhes da exploração já existente. Este, porém, repassou a demanda para a AMN, que não deu nenhum retorno até a publicação deste material.

Como os recursos são utilizados 

O que está em vigência atualmente sobre a Compensação Financeira pela Exploração Mineral (CFem) — contrapartida financeira paga pelas empresas mineradoras pela utilização econômica dos recursos minerais em seus respectivos territórios —, é que os governos federal e estaduais ficam com 10% e 15%, respectivamente. Já os municípios onde ocorrem a mineração ficam com 60% e ainda tem 15% para as localidades usadas na logística de transporte do minério.

Apesar da lei especificar bem o destino da CFem, não existem instrumentos capazes de verificar a aplicação destes por quem os recebe. Por ser um momante pequeno no meio de outros repasses federais, geralmente a receita com essa arrecadação é usada em diversas áreas, e muitas vezes acaba diluída no caixa das prefeituras e estados.

Porém, o MAM tem se empenhado em mostrar a importância de se ter políticas públicas que assegurem um destino para que estes recursos gerem, realmente, benefícios à população impactada pela mineração. 

D'Andrea, diretor nacional do MAM, reforça o perigo de se ter uma “mineriodependência”. “Toda mineração tem começo, meio e fim e acaba deixando ruínas econômicas e sociais.”

“A luta pela democratização e pelo controle social da CFem é justamente porque a mineração é uma atividade finita, mas a economia está girando naquela localidade porque há atividade minerária. Quando ela acaba não fica nada, porque não há uma política destinada a construir, com a CFem, a diversificação econômica nesses municípios”, explica.