Item essencial na alimentação da maioria dos brasileiros, as carnes têm sofrido expressivos aumentos de preços mês a mês, o que dificulta ainda mais o acesso da população à proteína de origem animal. Mas por quê isso tem acontecido?
O Diário do Nordeste estreia hoje a série 'Por que subiu?', que analisa a variação de preços de produtos essenciais e se propõe a explicar os motivos das altas para o consumidor e as perspectivas no atual cenário de inflação que corrói a renda dos brasileiros.
Na Região Metropolitana de Fortaleza (RMF), as carnes ficaram, em média, 31,35% mais caras no intervalo de um ano, segundo monitoramento do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Como a demanda por commodities impacta os preços
A alta das carnes é um reflexo da maior procura dos mercados internacionais por commodities - produtos de origem agropecuária ou de extração mineral pouco ou nada industrializados, como a soja e o milho, produzidos em larga escala e destinados ao comércio externo.
Com o aumento das exportações pelos produtores brasileiros, ficou mais restrita a oferta de grãos (que servem de ração animal) no mercado interno, elevando o custo de produção pecuária.
Veja as maiores altas
- Contrafilé: 37,12%
- Costela: 37,03%
- Picanha: 35,63%
- Alcatra: 35,12%
- Linguiça: 31,98%
- Patinho (27,54%).
O presidente da Câmara Setorial do Agronegócio do Ceará, José Amílcar Silveira, explica que a tendência de alta iniciou com a chegada da pandemia e o crescimento da demanda por alimentos em todo o planeta.
"A China passou a procurar mais produtos aqui no Brasil. Carne, derivados e principalmente soja e milho. A maior procura por soja fez o preço da saca passar de R$ 83 a R$ 155, R$ 160, praticamente dobrou o valor da saca. O milho era R$ 37 passou a R$ 83", aponta.
Os grãos em questão compõem não só a alimentação do gado bovino, mas das aves, o que também deve pressionar o preço do frango e do ovo, as alternativas mais comuns à carne vermelha.
"Ficou um custo de produzir proteína mais caro. Não foi só a carne bovina, o frango e o camarão também, apesar de o camarão ter aumentado pouco. Mas a maioria dos produtos dependentes de grãos sofreram um aumento substancial. E deverá continuar assim, porque não tem um horizonte a curto prazo de diminuição de commodities de soja e milho"
Silveira acrescenta que o impacto para a avicultura pode ser ainda pior, tendo em vista que não há como substituir totalmente os grãos nesse segmento. "Existe criação de bovino totalmente a pasto, mas não existe criação de frango totalmente a pasto".
Conforme a inflação medida pelo IBGE, o preço do frango inteiro aumentou 12,19% no último ano, enquanto o frango em pedaços sofreu reajuste de 15,38%. O valor do ovo subiu 7,72%.
Câmbio
Somado ao aumento das commodities, a desvalorização do real em relação ao dólar e ao euro também torna a exportação mais atrativa aos produtores nacionais, que priorizam as vendas para o exterior e, consequentemente, reduzem ainda mais a oferta interna de carne, puxando os preços para cima.
Apesar das últimas baixas no dólar, essa tendência não deve ser suficiente para diminuir o impacto para o consumidor final.
"Isso não é bom para o consumidor, especialmente com essa dificuldade de dinheiro no mercado. As pessoas pararam muito por conta da pandemia, o auxílio emergencial ainda não está circulando como deveria, é uma série de consequências que prejudica quem produz alimentos", pontua o Silveira.
Ele ainda lembra que parte significativa da carne consumida no Ceará não é produzida no Estado, o que implica na adição dos custos de transporte no valor final ao consumidor.
No caso do frango, por exemplo, cerca de 40% da carne consumida por cearenses é produzida no eixo entre os estados do Maranhão a Mato Grosso, região também produtora de grãos.
Conforme o presidente da Câmara Setorial do Agronegócio, a baixa disponibilidade de grãos é justamente o que faz o Ceará ainda ser dependente de outros estados para suprir a demanda local.
"O Governo tem que incentivar esses produtos, e é o que estamos fazendo no Ceará com o projeto chamado Ceará Grãos, mas isso é a médio-longo prazo. Para ter mais oferta de insumos consequentemente melhore a lucratividade e o preço para o consumidor final", destaca.
Silveira ainda argumenta que, para evitar esse tipo de impacto, o Brasil deveria reduzir a exportação de commodities e priorizar a venda do produto final, no caso a carne, agregando ainda valor à produção brasileira.
Impacto para as famílias
Além de apertar o orçamento, a alta do preço das carnes na proporção que vem sendo observada contribui para a piora dos indicadores de pobreza e desigualdade de renda, em especial nesse contexto de pandemia.
É o que aponta o doutor em economia e professor do programa de pós-graduação em Economia Rural na Universidade Federal do Ceará (UFC), Francisco José Tabosa. Ele ainda lembra que a volta do auxílio emergencial com um valor menor agrava esse cenário.
"É muito preocupante (a conjuntura). Porque o frango, por exemplo, é uma proteína que substitui a carne. Aumentando os dois, o consumidor fica com poucas opções. Idem o ovo. Fora isso, a retomada da economia só se dará com pelo menos 60% da população vacinada, o que pode demorar um pouco ou até o final do ano", afirma.
Tabosa acrescenta que, para que o mercado de trabalho e os indicadores sociais possam melhorar novamente, é necessária uma retomada econômica robusta, além de políticas públicas, como o incentivo ao crédito para empresas dos mais variados portes.
Preços livres
O conselheiro do Conselho Regional de Economia do Ceará (Corecon), Ricardo Eleutério, recorda que, em 2020, a inflação pressionou mais os chamados preços livres, enquanto o reajuste dos preços administrados, como a água, energia elétrica e transportes, ficou represado em função das medidas governamentais de mitigação da pandemia.
A expectativa era que este ano o movimento fosse o inverso. "E não é o que a gente tem observado com alimentação em geral e as carnes. Esses são preços livres, guiados pela oferta e demanda, não tem intervenção do governo", afirma.
"Tem uma frase de efeito que diz que a inflação é o pior imposto, porque ela subtrai renda, poder de compra, principalmente daqueles que possuem renda fixa, como os trabalhadores, que só tem o salário corrigido anualmente"
Eleutério também pontua que os gastos com alimentação, habitação e transporte são os que mais pesam no orçamento familiar dos mais pobres, aumentando o impacto das recentes altas para essas famílias.
A retirada do resultado do Produto Interno Bruto (PIB) do reajuste do salário mínimo nos últimos anos impede o ganho real de renda e contribui para a piora da desigualdade e distribuição de riquezas no País.
"O PIB per capita hoje é inferior ao de 2013, que foi o último ano com crescimento acima de 2% no Brasil. Oito anos depois e estamos com uma renda pior. É um desafio muito grande voltar a crescer, gerar emprego e renda", alerta.