Entenda o modelo de negócio da Starbucks no Brasil e qual o futuro da empresa no País

Movimento de redução das lojas não tem relação com a marca internacional da Starbucks, que projeta um crescimento de vendas em até 5% e expansão da presença global em 7% para 2024

Quem tinha planos de tomar café em uma das lojas da Starbucks que inaugurariam em Fortaleza se surpreendeu com a notícia de que as unidades não vão mais abrir. A decisão foi tomada pela Southrock, empresa com o licenciamento para operação da marca no Brasil, que entrou com pedido de recuperação judicial em 31 de outubro, com dívidas que alcançam R$ 1,8 bilhão.

Ou seja, o movimento de redução das lojas não tem relação com a marca internacional da Starbucks, que projeta um crescimento de vendas em até 5% e expansão da presença global em 7% para 2024. Avaliada em US$ 114 bilhões, a marca tem mais de 30 mil lojas, em 80 mercados, e era operada pela Southrock no Brasil desde 2018.

Com o pedido de recuperação, a Starbucks Coffee International solicitou a rescisão do contrato de licenciamento com a controladora, alegando que a Southrock deixou de pagar algumas obrigações referentes à licença da marca. 

O economista Roberto Kanter, professor da FGV, aponta que é provável que a marca internacional encerre a relação comercial com a Southrock e volte a investir em sua operação no território brasileiro, que é bastante atrativo.

“É um problema regional, local. E é muito provável que, se o Starbucks conseguir rescindir o contrato, o que é bastante provável, o que vai acontecer é que o Starbucks não vai mais procurar um operador local. Vai entrar para ele mesmo operar as lojas no Brasil, com capital americano, e vai crescer”, projeta o especialista. 

Roberto Kanter explica que a Southrock enfrentou problemas ao coordenar a operação da cafeteria, com um custo elevado, sobretudo durante a pandemia, período em que as lojas não entregaram o lucro necessário. O economista opina ainda que a compra da Eataly pela Southrock, em 2022, foi precipitada. 

“A pandemia afetou tremendamente a rentabilidade o negócio, e eles [a Southrock] passaram a ter problemas crônicos de caixa. Porque estavam muito endividados, e as lojas não entregaram o lucro que eles estavam precisando para pagar as contas. E isso afetou, obviamente, a operação das marcas. É um descompasso na gestão”, comenta o professor. 

Fundada em 2015, a Southrock também é a responsável pela operação brasileira das redes de fast food T.G.I. Friday's e Subway e da rede italiana de mercados Eataly. Além disso, a empresa é dona da Brazil Airport Restaurants, empresa de serviços de alimentos e bebidas multimarca que atua nos maiores aeroportos do país.

A Southrock não divulgou quantas cafeterias devem ser fechadas e qual o impacto do pedido de recuperação judicial nas outras marcas que opera. Em nota, a companhia afirmou que enfrenta desafios econômicos resultantes da pandemia, da inflação e de taxas de juros elevados. A empresa aponta que está em processo de reestruturação, com o apoio de consultores externos e investidores. 

Operação via controladora

Ao adotar o sistema de operação por licenciamento, as companhias internacionais confiam em empresas controladoras que já têm atuação em determinado país para gerir os negócios daquele território. O modelo foi adotado pela Starbucks e pela Eataly, utilizando a Southrock como operadora no País. Outras grandes marcas, como o Burguer King, também optam pela estratégia. 

O economista Randal Mesquita, professor da faculdade CDL, aponta que o modelo é vantajoso por ser menos custoso à companhia do que gerir a operação em diversos países. Ele aponta ainda que a empresa controladora se beneficia por poder operar em um sistema de gestão mais flexível, já que não há obrigatoriedade de seguir um modelo pré-determinado.

“Há uma flexibilidade do modelo de negócio. Não há necessidade de seguir o mesmo sistema. Não há necessidade de obedecer um layout de loja padrão, tem que submeter à aprovação da marca, mas não precisa seguir um modelo. Existe um cardápio estrutural base, mas regionalmente podem desenvolver produtos que atendem à necessidade de cada país”, explica. 

O especialista aponta que foi o modelo de negócio adotado pela Southrock que gerou os problemas de endividamento. Mesquita ressalta que as lojas da Starbucks herdaram um problema estrutural da pandemia. A experiência de compra, com a personalização do produto, é um dos principais fortes da marca e não pôde ser transferida para o delivery. 

“O Starbucks sofreu muito na pandemia por estar localizado em áreas nobres, em prédios comerciais nobres, locais de grande circulação jurídica e aeroportos. Como estamos vivendo um momento de aceleração do consumo online, a Starbucks não consegue proporcionar a mesma experiência para o cliente. E é um modelo de operação caro, com um custo operacional muito caro”, aponta. 

Starbucks no Brasil

A Starbucks chegou ao Brasil em 2013, com 113 cafeterias em São Paulo e no Rio de Janeiro. A marca foi trazida pelos empresários Maria Luísa e Peter Rodenbeck, também responsáveis pela chegada das redes norte-americanas McDonald's e Outback. 

Em 2018, o direito exclusivo de operação da Starbucks no País foi adquirido pela Southrock, que elevou o número de unidades no País para 183 e pretendia uma expansão maior. Com o acordo, a operação da marca de cafeteria internacional na América Latina e no Caribe se tornou completamente via licenciamento

Roberto Kanter pondera que a atuação por licenciamento tem sentido na lógica da companhia. Mas ao 'abrir mão' do controle total da gestão para diminuir custos, a companhia se submete ao risco de problemas no modelo de negócio adotado pela operadora. 

"A ideia de ter operador local é boa. Tanto que quando o brasileiro vai ter operação lá fora, dificilmente opera sozinho, sempre tenta arrumar um operador local que vai ser um parceiro estratégico importante. Porque são muitas dificuldades e diferenças regionais. A situação tem muito mais a ver com o operador, que acabou, na minha opinião, se alavancando demasiado", explica. 

O economista aponta que, a depender das condições do contrato e da possível dissolução do licenciamento, a operação das cafeterias no país pode passar para a própria Starbucks.