A relação comercial entre o Brasil e a Argentina deve ganhar fôlego com a agenda econômica bilateral proposta pelo Governo Federal. As medidas, que incluem uma moeda comum entre os países e financiamento para as exportações de manufaturados brasileiros, também poderão beneficiar a economia do Ceará.
As ações ainda estão em fase de estudo, mas já é possível projetar alguns efeitos. Atualmente, a Argentina é o 5º destino das mercadorias cearenses, sendo também o 3º principal fornecedor para o Estado, conforme a gerente do Centro Internacional de Negócios (CIN) da Federação das Indústrias do Ceará (Fiec), Karina Frota.
“Em 2022, as exportações para esse mercado subiram 20%, e os principais produtos exportados foram calçados, tecidos e castanhas. No contexto das importações, a Argentina é a principal fornecedora de trigo”, analisa.
Medidas anunciadas para facilitar o comércio entre o Brasil e a Argentina
No último dia 23, em Buenos Aires, os presidentes Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Alberto Fernández assinaram acordo para estreitar as relações entre o Brasil e a Argentina.
Na ocasião, o Governo Federal anunciou planejar a criação de uma moeda sul-americana para facilitar o comércio entre as duas nações. Um grupo de trabalho foi constituído para avaliar essa possibilidade.
Essa nova moeda apenas facilitaria as transações entre os dois países, mas não substituiria as nacionais (real e peso), como ocorre com o Euro. Para Karina Frota, a medida tornaria os custos operacionais mais competitivos.
Nesse contexto, os derivados do trigo, por exemplo, podem ficar mais baratos, como o pão. Já a outra ideia, também em fase de estudo, é oferecer linhas de créditos de bancos privados e públicos para os argentinos comprarem produtos brasileiros.
Os recursos sairiam do Fundo de Garantia à Exportação (FGE), mecanismo no qual qualquer instituição financeira poderá se qualificar para ter acesso às garantias.
Segundo o Ministério da Fazenda, os valores obtidos pelo importador argentino serão destinados diretamente ao exportador brasileiro. O objetivo é recuperar protagonismo no mercado argentino, dominado pela China.
“O país asiático vem propondo soluções para a Argentina ao financiar a importação de produtos chineses. O governo brasileiro está tentando construir soluções para o espaço que perdeu em função das restrições que a Argentina sofre hoje de acesso a uma moeda conversível”, diz a pasta.
Quais os efeitos dessas medidas para o Brasil e para o Ceará?
Para o professor da Universidade de Fortaleza (Unifor), Ricardo Eleutério, “o financiamento deve intensificar as relações comerciais bilaterais Brasil-Argentina. “Portanto, também beneficia o Ceará, um importante player nesse comércio internacional”, avalia.
Em relação à cédula comum, aponta o economista, mundo afora já está em processo de evolução e tem buscado avançar em novas formas de moedas, como a China.
Sobre como esses impactos chegariam à população, o economista lembra que, sob o prisma do liberalismo econômico, a ampliação do mercado internacional significa mais divisão de trabalho, produtividade e desenvolvimento econômico.
“Mesmo que o Brasil e Argentina sejam países mais à esquerda no espectro político, no presente momento, lembrando a corrente liberal, o comércio internacional está casado com desenvolvimento econômico”, frisa.
A gerente do Centro Internacional de Negócios (CIN) da Federação das Indústrias do Ceará (Fiec), Karina Frota, define as medidas como instrumentos de “facilitação de comércio é a simplificação das transações comerciais bilaterais ou multilaterais”.
Medidas podem destravar exportações de calçados
O presidente-executivo da Associação Brasileira das Indústrias de Calçados (Abicalçados), Haroldo Ferreira, enfatiza que a Argentina é o 2º principal destino do produto brasileiro no Exterior. No ano passado, foram embarcados quase 16 milhões de pares por US$ 179,4 milhões, incremento de 19% em volume e de 55,8% em receita na comparação com 2021.
“O dado positivo, no entanto, foi arrefecido nos três últimos meses daquele ano, quando as exportações caíram, em volume, 36%, 23% e 48,7%”, lembra.
“O fato aconteceu justamente pela medida do Banco Central da República Argentina (BCRA), que alterou as condições de acesso ao Mercado Único de Câmbio para pagamento de importações, o que vem atrasando os pagamentos das suas importações em 180 dias”, explica.
Diante disso, acrescenta, muitos calçadistas brasileiros, principalmente as empresas de menor porte, estão deixando ou exportando menos para a Argentina.
Ferreira pondera, contudo, que os projetos ainda são embrionários. “Destacamos o esforço de buscar alternativas para seguirmos ampliando as exportações para a Argentina, mas é preciso saber como será operacionalizado, de forma a não gerar prejuízos econômicos para o Brasil”, observa.
Em relação à moeda comum, avalia serem positivos os mecanismos para auxiliar na integração comercial e na reconstrução do Mercosul como um bloco, efetivamente, econômico.
Segundo ele, na última segunda-feira, os governos centrais de ambos os países receberam um documento assinado em conjunto pelas associações empresariais brasileiras e argentinas.
Dentre as demandas do setor, estão o incremento do comércio bilateral, redução das barreiras comerciais, o aumento do investimento público no fomento da competitividade industrial, a importância da transição energética, ferramentas para o desenvolvimento da Indústria 4.0, entre outros temas.
“É um consenso entre os empresários brasileiros e argentinos de que, sem essas premissas atendidas, dificilmente poderemos alcançar a tão esperada integração comercial. Nossa expectativa, se atendidos os pleitos, é de um incremento do comércio entre os dois países”, afirma.