Qual a relação entre data centers e energias renováveis no Ceará? Para as empresas de setor de energia eólica do Estado, o desenvolvimento das telecomunicações para além de Fortaleza, significa um novo mercado para a venda de eletricidade a partir de fontes, como o sol e os ventos, ampliando o leque de interessados.
A presidente executiva da Associação Brasileira de Energia Eólica e Novas Tecnologias (Abeeólica), Elbia Gannoum, afirmou, durante participação no Fiec Summit Hidrogênio Verde 2024, que diversas empresas de tecnologia estão chegando ao País visando construir data centers.
A gestora da associação destacou ainda que as companhias buscam se instalar agora no Complexo Industrial e Portuário do Pecém (Cipp), "assinando pré-contrato" para se estabelecer no local.
Nas palavras de Elbia Gannoum, a chegada de data centers no Estado soluciona em parte uma crise sem precedentes no setor de energia eólica no Brasil, que busca crescer a curto prazo, mas não tem clientes suficientes para a expansão.
Várias empresas já estão chegando no Brasil, inclusive no Pecém, porque a nossa energia renovável é a mais barata do mundo. Os caras vão fazer esses data centers aqui com essa energia renovável. A gente está falando de parques no Nordeste todo, na Bahia, no Ceará, então é imediato. A gente está falando de uma crise de eólica que a gente precisa assinar contrato e data center você instala muito rápido".
"Data center e hidrogênio verde é a volta da expansão das renováveis. O Ceará vai retomar essa liderança porque ficou muito tempo sem transmissão, mas agora a gente vai ter transmissão, o Ceará atraindo hidrogênio verde, vamos atrair de novo eólica onshore (em terra), continuar com a solar, fazer a offshore (no mar) e data center vai ser uma demanda imediata para isso", completa.
Qual a correlação entre energia e data center?
Embora o uso da internet esteja relacionado com redes sem fio, a conexão é feita utilizando transferência de informações com cabos. Fortaleza é oficialmente um Hub Tecnológico de Dados, com 16 estruturas submarinas de fibra óptica que chegam à capital de diferentes partes do mundo, de acordo com números da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), sendo responsáveis por mais de 90% da internet processada no Brasil.
Esses cabos ligam um ponto a outro, e os dados são processados e armazenados, funções executadas pelos data centers. A velocidade da internet está diretamente ligada à oferta de energia: com a necessidade cada vez mais frequente de conexão, é preciso ter energia disponível para manter as informações ativas.
Dados divulgados em junho deste ano pela Associação Brasileira das Empresas de Tecnologia da Informação e Comunicação (Brasscom) apontam que os data centers consomem 3% de toda a energia mundial.
Até 2030, esse número deve saltar significativamente, e os locais de processamento e armazenamento de dados serão responsáveis por consumir até 15% de toda a energia elétrica gerada no planeta.
Os investimentos nessas estruturas, por sua vez, são significativos. Somente no data center da Scala, um dos pontos de processamento e armazenamento de dados que será instalado em Fortaleza, o montante aplicado ultrapassa a marca de R$ 1 bilhão.
Até junho, o Brasil contava com 130 data centers conforme a Brasscom. Desse total, o consumo de energia renovável ficou em cerca de 93%. As principais fontes utilizadas dos 70 mil megawatts (MW) médios foram hidrelétricas, parques solares e eólicas e usinas de biomassa.
"Os data centers são constituídos de vários servidores que rodam simultaneamente, isto consome muita energia. Com o aumento da demanda por aplicações com uso de Inteligência Artificial e IA generativa (nova tecnologia) deve-se consumir de 3,7% a 15% mais energia até 2030 do que hoje", explica Julio Cesar Santos, professor do programa de Pós-Graduação em Engenharia de Teleinformática da Universidade Federal do Ceará (UFC).
Powershoring: atrair investimentos com oferta de energia
Com o tema ESG (sigla para ambiental, social e governamental) em alta, a preocupação com o uso de energias renováveis coloca o Brasil em evidência no cenário internacional para atrair empresas e, consequentemente, aumentar a arrecadação e gerar empregos.
Essa situação sintetiza o conceito de powershoring tratado também por Elbia Gannoum. Com o posicionamento do uso intensivo de energias renováveis, sobretudo eólica e solar, o Brasil atrai companhias interessadas em investir pesado na descarbonização, em troca de larga oferta de eletricidade limpa.
A gente também está trabalhando junto ao Governo Federal uma política industrial para o Brasil de descarbonização da economia, de colocar o País no cenário internacional de transição energética, de atrair companhias que consomem muita energia para o Brasil. Do ponto de vista diplomático de política global, o Brasil é um país que não briga com ninguém, amigo de muitos países, tendo uma posição política muito favorável".
Os data centers, com investimentos bilionários, representam parte dessa estratégia. Como a instalação deles é rápida comparada a demais empresas, atrair as estruturas de telecomunicações indicam um caminho para o setor eólico.
"A matriz energética dos Estados Unidos (país com o maior número de data centers, com 40% do total mundial, segundo a Brasscom) é a base de carvão, altamente poluidora e cara. Com isso, os custos de compensação de carbono destas big techs é mais alto lá que no Brasil. No País, a matriz energética é cada vez mais limpa, com compensações de carbono tendo um custo menor", pondera Júlio César Santos.
Empresas interessadas em data centers no Pecém, mas ainda há entraves
As projeções iniciais após a aprovação do Marco Legal do Hidrogênio Verde (H₂V) indicam que o Ceará deve aumentar bastante a geração de energias renováveis, tendo o Cipp como polo gerador. Como a produção do composto exige alta demanda energética, as renováveis devem aumentar ainda mais a participação na matriz do Estado.
Acontece que o H₂V só deve começar a ser produzido comercialmente no Brasil entre o fim da década de 2020 e o início dos anos 2030. Com os investimentos no mercado de energias renováveis, sobretudo eólica, em alta, é preciso mercado para direcionar a demanda.
Os data centers são atualmente um dos focos do setor eólico. Uma das principais empresas brasileiras do segmento, a cearense Casa dos Ventos, já anunciou o interesse de investir R$ 55 bilhões no Pecém para construir uma estrutura capaz de atrair big techs como Amazon, Google e Microsoft.
A empresa foi a primeira a entrar com pedido formal de junto ao Ministério de Minas e Energia para construir um data center na terceira área da Zona de Processamento de Exportação (ZPE) do Cipp.
A Casa dos Ventos confirma o pedido de acesso para o projeto Data Center Pecém, conforme portaria SNTEP/MME n.º 2.815, de 7 de agosto de 2024. A iniciativa faz parte da estratégia de expandir nossas soluções de descarbonização, assim como fortalecer a contribuição da Casa dos Ventos para a transição energética.
As tratativas, no entanto, ainda são acompanhadas de entraves. A ZPE do Pecém, da forma como está constituída, desde 2013, é uma "área de livre comércio com o exterior destinadas à instalação de empresas com produção voltada à exportação", como define o Sistema Integrado de Comércio Exterior (Siscomex) do Governo Federal.
Como os data centers são do setor de serviços, eles ainda não têm autorização do Governo Federal para se instalar na ZPE III do Pecém, que ainda não saiu do papel. Estão em curso tratativas para normatizar a atuação do segmento no complexo para a instalação das estruturas. Essa área, além de data centers, irá abrigar startups.