A energia eólica no Brasil atingiu recordes de novas instalações em 2021 mesmo em meio aos abalos econômicos provocados pela pandemia. Ao todo, cerca de 3,5 GW de capacidade passaram a operar no País, deixando para trás a casa dos 2 GW pela primeira vez.
No Ceará, estado que inaugurou os primeiros parques eólicos brasileiros, a fonte já representa cerca de 48% de toda a energia produzida localmente. A expectativa é que a indústria continue a se expandir e aumente a margem de participação fortemente nos próximos anos.
A perspectiva é da presidente executiva da Associação Brasileira de Energia Eólica (ABEEólica), Elbia Gannoum, que baseia a prospecção a partir da continuidade do fortalecimento da eólica onshore e da chegada da indústria offshore.
Convidada desta semana do Diálogo Econômico, a executiva indica que o Ceará, com sete projetos em fase de licenciamento ambiental, é um dos estados que podem sair na frente mais uma vez na corrida pelo protagonismo desse novo segmento.
Gannoum também ressaltou como o setor deve impulsionar a cadeia industrial que abastece a atividade e os benefícios que uma matriz energética mais renovável - e eólica - traz para o consumidor final.
Confira a entrevista completa:
A pandemia desestabilizou cadeias em todo o mundo. De que forma o setor eólico foi afetado pela crise sanitária no Brasil?
O primeiro ano de pandemia, que foi o mais grave, até pela chegada da doença e os ajustes protocolares que o mundo precisou fazer, como o lockdown, provocou um impacto econômico e social muito mais profundo em 2020.
A pandemia continua e os impactos tendem a continuar, porém de maneira mais suave.
O setor eólico global, e aqui eu falo dos dados gerais da indústria, bateu recorde de instalação justamente em 2020. Foram instalados 93 GW de energia eólica no mundo, sendo que desses 87 GW foram de onshore e 6 GW de offshore.
Em 2019, nós instalamos 60 GW. E em 2020, instalamos 93GW. Foi um acréscimo de mais de 50%.
Em termos de resultados globais, a pandemia em 2020 não afetou a indústria eólica global. É claro que tivemos que fazer ajustes, fazer mudanças na forma que operamos, principalmente os projetos que estavam em construção, mas não afetou fortemente.
Quando trago o caso para o Brasil, a gente também percebe a mesma coisa. Em 2020, o Brasil foi o terceiro país no mundo que mais investiu em energia eólica e nossa capacidade instalada aumentou em torno de 2,5%.
Voltando para o ano de 2021, que ainda é um ano de pandemia, porém com impactos menores, para eólica foi espetacular. Nós batemos recorde de instalação no País.
Nossa média de instalação nos últimos dez anos tinha sido em torno de 2 GW a 2,5 GW. E no ano de 2021, nós instalamos 3,5 GW. Nós nunca instalamos tanta energia eólica no Brasil como no ano passado.
2021 são três anos depois de 2018. E o que aconteceu em 2018? A gente vendeu muita energia eólica no mercado livre.
O ano de 2018 foi o ano, em termos de contratação, que a gente saiu do patamar médio de contratar 2 GW e passamos para 3,5 GW a 4 GW. E a construção tem resultado três anos depois.
Então, entre 2018 e 2021, a gente instalou praticamente esses 4 GW que a gente vendeu em 2018. E a curva de eólica pulou a partir de então.
A gente saiu da média de 2 GW para 3 GW a 4 GW contratados por ano, o que vai determinar três anos depois uma instalação de 3 ou 4 GW.
Olhando para o setor eólico, seja em termos globais ou olhando para o Brasil, a indústria continuou crescendo e cresceu até mais com resultados desde 2018. E ela segue nessa trajetória virtuosa de crescimento.
A pandemia traz um impacto muito forte na economia, no PIB. Agora, o Brasil já está com a economia em um baixo desempenho desde 2014.
A gente não tem crescimento econômico desde lá. É claro que em 2020 foi horrível, nós tivemos crescimento negativo, 2021 não conseguimos recuperar e temos alguma esperança em 2022.
Mas o comportamento do PIB no Brasil continua muito ruim e o PIB tem alguma influência nas nossas contratações quando nós falamos das contratações no mercado regulado, naqueles leilões que o Governo realiza.
Porém, a partir de 2018, a eólica passou a ter 75% do seu mercado no mercado livre, não dependendo tanto do mercado regulado.
Por essa razão é que o desempenho da indústria eólica continuou virtuoso a despeito da pandemia e dos seus efeitos no PIB.
O Ceará é pioneiro em energia eólica, mas perdeu algumas posições ao longo dos anos. Em que lugar o Estado se encontra agora?
O Ceará realmente inaugurou a energia eólica no Brasil, os primeiros projetos contratados comercialmente, até aquele projeto de Prainha.
(O Estado) tem um potencial eólico muito grande, tem muitos investimentos, tem uma capacidade instalada grande e um potencial grande, tanto onshore e agora offshore.
O Ceará tem realmente um potencial grande de investimentos em energia eólica e num passado, que eu diria distante, perdeu posições até por questões políticas.
Mas a gente tem visto, principalmente a partir do (governo) Camilo, um interesse muito grande em atrair investidores. O Estado atraiu muita indústria, fabricantes de pás, de aerogeradores.
Então, o Ceará está se posicionando muito bem nessa matriz de investimento de energia eólica, tanto onshore quanto offshore, e tem recebido muito bem os investidores.
Quando você pega o posicionamento do Estado na capacidade instalada, é claro que a gente hoje tem o Rio Grande do Norte em primeiro lugar, a Bahia, o Piauí, mas o Cerá está ali na terceira posição, disputando com o Piauí.
Eu diria que a radiografia do Ceará hoje é que ele está retomando essa capacidade de investimento que ele tem e esse fôlego tanto para atrair as indústrias quanto os geradores de energia eólica.
Em termos de composição da matriz energética local, a eólica já representa 48%. O setor ainda tem capacidade para expandir essa margem?
A tendência é que a participação da eólica e da solar e, portanto, dessas novas tecnologias renováveis é que elas cresçam muito rapidamente e alcancem uma posição ainda maior quando você olha especificamente pra matriz do Estado.
Já estamos com muitos projetos em construção e vamos ter leilões, temos também contratações, então a tendência é que essa matriz, essa participação da eólica na matriz do Ceará, se torne ainda maior.
O Ceará já possui sete projetos de usinas eólicas offshore (no mar) em fase de licenciamento. O quão avançados estamos nessa corrida?
Nós estamos percebendo uma política muito forte dos estados que tem potencial eólico offshore, e nesse momento é uma corrida de projetos.
O Ceará está com sete, o Rio Grande do Norte também está com sete projetos. Rio Grande do Sul tem alguns projetos, o Rio de Janeiro, o Espírito Santo.
Agora é uma corrida de projetos, para atrair investidores, e também pensando no hidrogênio verde.
A gente tem visto que os estados estão avançando basicamente em duas frentes: com offshore e com o hidrogênio verde, atraindo investidores, fazendo convênio.
Então, nesse momento, é o aquecimento para a corrida do offshore e todos que estão com uma quantidade grande de projetos em mãos teriam potencial de ganhar a corrida.
Só que estão todos ali esperando o momento dos projetos acontecerem e isso depende muito de licenciamento ambiental. Hoje, nós estamos com 80 GW de projetos em licenciamento ambiental.
A partir do momento que esses projetos estiverem com licença, eles estarão aptos a fazerem contratos e participar de leilões, e a verdadeira corrida começa a partir daí. Agora esta todo mundo no aquecimento.
De que forma a eólica offshore pode incrementar a matriz industrial do Ceará?
A gente vai ter uma recomposição daquilo que nós chamamos de cadeia de valor da indústria, porque hoje nossa cadeia de valor está voltada para os investimentos onshore.
Na medida que nós vamos trazendo investimentos offshore, nós precisamos partir para uma expansão dessa capacidade fabril e, claro, muitas indústrias já são adaptáveis a fazer offshore, a indústria de pás, de turbinas.
Então, o que a gente precisa fazer é essa adaptação da capacidade produtiva que temos e atrair mais investidores, que é o que está acontecendo agora.
Os investidores estão vindo para o Brasil, principalmente a partir da publicação do decreto (que regulamenta o offshore) que dá uma sinalização mais concreta.
O governo brasileiro está dizendo o seguinte com esse decreto: senhores investidores, o Brasil vai fazer investimento em offshore e vai receber os investidores de offshore.
É nessa perspectiva que a gente está trabalhando.
Falando de empregos, qual deve ser o impacto da chegada da eólica offshore?
A gente já tem dados brasileiros da cadeia produtiva onshore. Recentemente, nós publicamos alguns dados de impacto social no Nordeste pela chegada dos parques onshore.
A gente tem um estudo que demonstra que para cada MW instalado a gente tem cria 15 postos de trabalho.
Então, no ano passado, com essa instalação de 3,5 GW, a gente superou a cadeia de 42 mil postos de trabalho no Brasil.
Dados de offshore, naturalmente, a gente não tem, até porque a gente ainda não tem a indústria aqui, ela está chegando agora.
O que a gente tem são estudos internacionais que mostram esses números médios de geração de emprego. Só pra gente ter uma aproximação, porque esse estudo da cadeia de valor no Brasil a gente ainda não tem.
Há preocupação do setor com a mão de obra necessária para esses projetos? Pode haver escassez de profissionis qualificados?
Escassez não vai ter se a gente fizer um bom planejamento da indústria. Como a gente está começando a indústria agora, a gente tem a capacidade de pegar todas as variáveis e ajustar pra atender a indústria.
Hoje, posso te assegurar que a gente vai ter que investir em programas de capacitação, como a gente já faz pra eólica onshore.
A gente tem muitas instituições competentes no País, inclusive a Universidade (Federal) do Ceará é destaque nisso, mas a gente tem outros centros de treinamento, tem o Sistema S.
Então, a gente vai trabalhar para capacitar a mão de obra e nós temos impacto em vários pontos da cadeia. Você tem desde necessidade de formação de doutorado, pesquisadores, até técnicos, engenheiros, economistas, advogados.
A gente vai precisar de toda essa mão de obra e vamos certamente investir em programas de capacitação.
Esse crescimento da energia eólica deve gerar redução de custos para o consumidor final?
Esse aspecto do consumidor é desafiador pro Brasil, porque a gente vê que a energia eólica, e depois a solar, são as fontes de energia mais baratas do País.
A gente percebe que o Nordeste, Rio Grande do Norte, por exemplo, já é exportador de energia eólica, produz pra ele e manda pro resto do País.
Porém, a gente não está percebendo tão rapidamente o efeito na tarifa do consumidor. O efeito na tarifa tem primeiro o aspecto do custo evitado e depois do aspecto da energia barata.
A matriz elétrica brasileira tem uma composição de 60% de hidrelétrica, 15% de termelétrica, e a eólica hoje já é a segunda fonte de geração na matriz.
Então, na medida que a matriz elétrica brasileira for se diversificando, for aumentando a quantidade de energia eólica e depois da energia solar, a tendência é que o custo de produção fique mais baixo e que o preço fique mais baixo para o consumidor. Essa é uma lógica de médio-longo prazo.
Porém, tem um aspecto que o consumidor não enxerga que é muito importante. No ano passado, o Brasil viveu a crise hídrica e nós estivemos muito próximos de ter um racionamento de energia.
Foi o ano que a eólica bateu recorde de instalação, inclusive porque nós adiantamos nossos parques para poder ajudar o Brasil, poder ajudar o sistema. Nós geramos 20% da necessidade de energia do Brasil inteiro nesse segundo semestre de 2021.
Então, o fato de a gente ter gerado muito evitou que mais termelétricas fossem acionadas. É claro que foram acionadas muitas, mas se não tivessem as eólicas mais térmicas teriam sido acionadas e o preço da energia para o consumidor final seria ainda mais caro.
E na medida que a gente aumentar a quantidade de energia eólica na matriz a gente vai reduzir esse custo para o consumidor final.
Há uma previsão de quando isso vai poder ser observado?
Na realidade, a gente já está percebendo. A cada ano, quando entra mais projetos de eólica, você vai percebendo o impacto da entrada da eólica no custo final. Hoje, ela já tem 12% da matriz.
Lá em 2030, a gente deve estar com cerca de 15% da capacidade instalada de energia eólica e a redução de custos vai sendo percebida.
Mas, de fato, ela já está sendo percebida pelo consumidor. Não é tão grande ainda, porque a gente tem outras fontes, tem hidrelétrica, e a hidrelétrica também é muito barata, mas quando a gente não tem água, tem seca, aí tem que chamar as térmicas e fica mais caro.