Diferente de outras regiões do País, em que cafeterias e padarias são tradicionais como ponto de encontro, de trabalho e até um hábito na rotina, em Fortaleza, esse é um mercado que vem se expandindo e tomando as ruas da Capital.
É só dar uma caminhada pelas áreas de grande circulação que elas estarão por lá. Algumas mais gourmetizadas, com o seu próprio blend de grãos, até as de modelo "to go", em que os clientes vão até a loja e fazem o pedido para levar.
Segundo a Junta Comercial do Estado do Ceará (Jucec), de janeiro a outubro deste ano foram registradas 4.409 aberturas de empresas que podem ter características de cafeteria.
Vale apresentar a realidade que muitos desses estabelecimentos também fecharam neste período. Ao todo, foram 3.080 extinções. Porém, o código de Classificação Nacional de Atividades Econômicas (Cnae) não é apenas de cafeteria, podendo ser contabilizadas também casas de chás, sucos e lanchonetes.
O “boom” depois da pandemia
A Associação Brasileira de Bares e Restaurantes no Ceará (Abrasel-CE), identifica um grande potencial no ramo de cafeterias no Estado, por conta do cenário de crescimento econômico apresentado.
Conforme o presidente da Abrasel-CE, Taiene Righetto, o mercado de cafeterias em Fortaleza, antes da pandemia, era "bem discreto".
"Uma ou duas cafeterias realmente davam a devida importância. Porém, após o lockdown, esses estabelecimentos cresceram em pelo menos dez vezes em Fortaleza e a maioria já nasceu oferecendo serviços e cafés diferenciados."
Taiene, que também possui um estabelecimento nesse setor, acredita que as cafeterias são uma tendência na cidade, mas que o aumento expressivo que está ocorrendo agora, tem um pouco de modismo.
“Por isso, acredito que estamos prestes a saturar esta atividade e que em um futuro próximo, ficarão realmente os estabelecimentos que trabalham de forma especializada com os cafés, pois muitos desses empreendedores desconhecem como realmente funciona o serviço.”
Pontos de atenção para empreender
Membro da Abrasel na região do Cariri, Moacir Siqueira Cavalcanti, co-proprietário, barista e mestre de torras do Mestre Nêgo: Torra, Café & Lab, destaca que hoje os principais desafios deste mercado são a falta de conhecimento por parte dos empreendedores sobre os cafés de especialidade e como isto impacta na qualidade final dos produtos no estabelecimento.
Além disso, ele aponta também a falta de mão de obra especializada no setor, como ponto de atenção para o crescimento do mercado. Já o presidente da Abrasel aponta a preocupação em ter uma boa gestão do negócio como principal ponto de atenção.
“Mesmo essas cafeterias sendo pequenas empresas em sua maioria, elas exigem controle e gestão como qualquer outra grande empresa e muitos empreendedores, por acharem que um pequeno negócio exige menos, acabam focando apenas na sua principal matéria prima e não em conseguir fechar as contas no final do mês.”
Mercado de vários modelos do mesmo negócio
O consultor e professor da Faculdade CDL e Unichristus, Christian Avesque, explica que o setor do food service é um mercado ainda sem muitos dados quantitativos. Porém, a estimativa é que cafeterias representem até 6% do faturamento de food service em Fortaleza. Quando se traz as padarias/cafeterias para esse contexto, a estimativa sobe para até 25%.
"Esse é um amplo modelo de negócio já consolidado, principalmente porque essas cafeterias trabalham fortemente a proximidade, a conveniência e o mix de produtos cada vez mais variado."
Ele lembra que são pelo menos quatro os modelos mais vistos, atualmente, no ramo de cafeterias. Tem aquelas que são as lojas de experiência para o consumidor final das indústrias, como Santa Clara, Pilão e Bauducco. Neste caso, a indústria além de ter o seu produto na casa das pessoas, por meio da venda nos supermercados, por exemplo, também tem a sua loja que gera experiência com a marca com o próprio consumidor final, sem o intermediário.
O segundo seria composto por marcas regionais que foram criando cafeterias/padarias, principalmente em parceria com redes de supermercados, para explorar o espaço de food service nos estabelecimentos. "O supermercadista que não quer operar com esse modelo de serviço faz um tipo de licenciamento e a empresa privada que faz cafés, pães, derivados, opera dentro do seu espaço e o remunera."
Aqui ele lembra, inclusive, das panificadoras que acabaram abrindo espaços de café nas suas lojas, como o caso da Romana e Costa Mendes.
Avesque também enumera as cafeterias de experiência. Neste caso, são os agregadores os grandes diferenciais, como espaços de coworking, cursos, palestras, ambientação, histórias do café, ou blend exclusivo. Além disso, é neste cenário que baristas fazem a diferença com a preparação da bebida. Esse, na opinião do professor, é um modelo que tem um certo tom de "modismo". "Mas é um modelo que vai se consolidar com o aumento da renda da população."
Por último, o professor cita o que seria o modelo mais simples, que é o "pague e pegue". "Esse é o modelo que não tem salão, onde normalmente o consumidor pede pelo aplicativo ou então em um tablet na frente da loja, sem serviço agregado. Ali o que tem é mesmo o café e um mix bem reduzido de outros produtos, o que torna o custo de operação muito baixo."
Em expansão: Benévolo Café e Gelato deve inaugurar 9ª unidade este ano
A vontade de empreender e fazer a diferença na vida das pessoas fez o então executivo de expansão de uma marca de cafés, Jefferson Deywis, arregaçar suas mangas e depois de estudar o mercado e estabelecer o seu propósito, abrir a primeira unidade do Benévolo Café e Gelato, no Bairro Varjota, há quase uma década.
"O meu propósito era fazer a diferença na vida das pessoas e ter um ambiente acolhedor. Quando veio a definição de que era uma cafeteria que poderia agregar esses desejos, fui atrás da história centenária do café no Ceará e tive como meta ter um blend próprio da minha loja feito apenas com produção local do Estado."
Atualmente, com oito lojas abertas e a previsão da nona para abrir no início do mês de dezembro em Eusébio, a marca não é apenas uma rede de lojas, como também uma fábrica de pães e doces que atende redes de supermercados.
Do ano passado para este, o faturamento do grupo aumentou 50% e a expectativa é de um novo crescimento, para o ano que vem, de 40% - contando a inauguração da nova unidade, a ampliação da fábrica panificadora e ainda a colocação de um espaço da venda dos produtos de panificação na unidade da Varjota (uma espécie de padaria).
Ele comenta que no início, foi o gelato o produto que deu segurança de faturamento do seu negócio e que hoje, nas lojas, as vendas são metade de produtos relacionados a cafeteria e a outra metade os gelatos. "É o mix de produtos e ter os produtos regionais incorporados, como a tapioca, o cuscuz, que faz a gente sobreviver e foi o diferencial, inclusive no período da pandemia. quando abrimos, em 2017, as cafeterias não eram uma cultura aqui e fomos galgando o nosso espaço no mercado com muito trabalho."
Jefferson conta que com relação ao seu produto café, atualmente ele compra de 15 pequenos produtores da região do Maciço de Baturité. "O produto que iniciamos comprando a R$ 650 a saca, hoje pagamos R$ 1,2 mil e muito disso foi pela qualidade que começamos a trabalhar com nossos fornecedores, juntamente com o trabalho que o Sebrae faz naquela região. Assim, mesmo sem ter a certificação, porque ainda é algo muito caro para esse pequeno produtor, compramos produtos orgânicos e que começa a ser bem trabalhado e selecionado."
Ainda como curiosidade, o empresário explica que a proporção de um bom café é 100 gramas de pó para um litro de água. "A partir dessa regra é que se escolhe o método de fazer a bebida e quais sabores podemos ter daquele grão, com aquela torra."
O caso Starbucks no Ceará
O mercado de cafeterias em Fortaleza recebeu destaque este mês, com o recuo da vinda das lojas da Starbucks. A decisão foi tomada pela Southrock, empresa com o licenciamento para operação da marca no Brasil, que entrou com pedido de recuperação judicial em 31 de outubro, com dívidas que alcançam R$ 1,8 bilhão.
Diante deste fato, a Starbucks Coffee International solicitou a rescisão do contrato de licenciamento com a controladora, alegando que a Southrock deixou de pagar algumas obrigações referentes à licença da marca. Agora, a expectativa é de que a marca internacional assuma a operação no Brasil, que tem mercado bastante atrativo para o segmento, segundo especialistas.
Sobre a não vinda da marca norte-americana, uma curiosidade é a expectativa que isso gerou nos empreendedores já tradicionais deste setor de cafeterias. Jefferson Deywis, idealizador da Benévolo, relata que antes de abrir a sua marca, ele estudou o modelo Starbucks de “marca desejada”.
Porém, já consolidado no mercado, ele acabou sentindo-se “escanteado” por administradoras de shoppings onde ele já possui quiosques de sua marca, por conta da vinda da marca mundial.
“Em um local eu poderia, inclusive, perder a minha localização, por ser exigência da outra marca não ter nenhuma cafeteria a tantos metros dela. Além disso, vi a expectativa de de vinda da marca internacional ser patrocinada em redes sociais e minha loja nunca ter recebido divulgação por aquele empreendimento. Mesmo assim, não tive receio porque sei que meu regionalismo é forte e que ter a tapioca no cardápio faz a diferença para o consumidor.”
Os percalços e desilusões de quem tenta empreender no ramo
Mas nem só de aromas e sabores vive o mercado do café. Com pouco mais de um ano como franqueado de uma marca de cafeteria, Marcelo Bloc, comunicador e sócio de uma cafeteria no bairro Aldeota, viu o seu sonho de empreender virar uma grande frustração.
Ele conta que a escolha por uma cafeteria foi pela familiaridade com o consumo do produto e por ter observado a abertura de diversos cafés no modelo ‘to go’ pela cidade.
“Uma amigo sugeriu um café, já que gostamos do produto e consumimos no dia-a-dia. Pesquisamos o mercado, sobre as marcas que estavam franqueando e acabamos por decidir abrir.”
Por falta de experiência em empreender e ainda mais especificamente no mercado de cafés, Bloc comenta que a decisão por uma franquia foi pelo suporte que receberia da franqueadora, além da não cobrança de royalties nos lucros.
“Ouvimos, inclusive, que tocar o funcionamento no cotidiano era simples e que os lucros seriam bem significativos, gerando um payback do investimento feito em 18 meses.”
Altos e baixos
Porém, a dupla de amigos, infelizmente, não tem fôlego para manter e o negócio deve encerrar antes mesmo deste prazo de 18 meses. O empreendedor afirma que ele e o sócio passaram pelo o que consideram “todas as fases” do empreender como franqueado no setor.
Da empolgação no início, passando pelas dificuldades de manter fiel o público, e a desilusão ao ver que, nem tudo “são flores” como lhes fora prometido, até o momento de não ter retorno financeiro nenhum, ou ainda de “precisar colocar a mão no bolso para fechar o mês”. “A questão foi crescendo e se tornando insustentável.”
“Os problemas do dia-a-dia vão minando nossa vontade de colocar o projeto para a frente. A questão financeira é muito diferente do que é prometido, além do suporte, que acaba sendo mínimo. Porém, é a falta de perspectiva de melhora o fator crucial para a decisão que tomamos de fechar.”
Bloc aponta que o grande gargalo financeiro neste tipo de comércio é o ticket médio, que apresenta um valor baixo. “Não há como ter um ticket médio viável apenas com produtos muito baratos em loja. É preciso ampliar e a franqueadora parece não entender isso. Não há viabilidade econômica sem essa reformulação.”
A tão falada troca de experiências
Em contato com outros franqueados, Bloc e seu sócio se depararam com problemas em comum e pouca resolutividade.
“Descobrimos facilmente que os problemas não se resumem à franqueadora A ou B, são praticamente os mesmos dentre as concorrentes do ramo. A franqueadora investe muito em angariar novos franqueados, mas muito pouco para ajudar os que já estão no negócio.”
Além disso, ele destaca que o lucro da franqueadora também se dá na compra dos materiais que as unidades franqueadas precisam fazer exclusivamente dela. “Assim, não cobrar royalties dos lucros acaba sendo ruim. Não à toa diversas lojas de concorrentes já fecharam, algumas da mesma franqueadora que estamos ligados e, além da minha, mais algumas fecharão até o final do ano.”
Questionado se pretende voltar a empreender, Bloc reforça que não descarta, mas que o formato seria outro. “A certeza é que, com o know-how acumulado nesse período, existe a possibilidade de atuar nesse ou em um ramo parecido, mas sem estar amarrado a uma franquia que nos limita muito e leva boa parte dos lucros.”