Como o corte de gastos avaliado pelo governo federal pode afetar o Ceará?

Para cumprir meta fiscal e evitar endividamento, equipe econômica pode promover cortes em gastos não obrigatórios

Em meio à pressão dos setores produtivos pelo crescimento da dívida pública e à dificuldade de aumentar receitas imposta pelo Congresso Federal, o governo analisa realizar um corte de gastos. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), relutante à contenção, afirmou que a medida pode ajudar a equilibrar as contas públicas.

O mandatário disse, em entrevista nesta quinta-feira (27), que a equipe econômica realiza uma análise de possíveis gastos exagerados. “Isso com muita tranquilidade, sem levar em conta o nervosismo do mercado. Levando em conta a necessidade de manter política de investimento”, disse Lula em entrevista ao portal uol.

Possíveis cortes nas ações de investimentos, que incluem obras públicas e manutenções de estradas, poderiam afetar o Ceará. É o que explica o doutor em Economia Joseph Vasconcelos, professor da Faculdade de Administração e Ciências Contábeis (FACC) da Universidade Federal do Ceará.

Isso acontece porque os cortes são feitos em gastos discricionários, não obrigatórios, que são verbas livres dos ministérios - investimentos e custeio da máquina pública.

Entre os investimentos que podem ser afetados, estão os inseridos no novo Programa de Aceleração do Crescimento (Novo PAC). 

Na última semana, o governo federal anunciou R$ 778 milhões para projetos de educação e saúde em diversas cidades do Ceará, todo o investimento proveniente do Novo PAC. Entre as obras, estão a ampliação da Universidade Federal do Ceará (UFC), Universidade Federal do Cariri (UFCA) e Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (Unilab) e a criação de novos campi universitários.

“Há uma possibilidade de essas obras serem afetadas. Como esses investimentos vão ainda para revisão orçamentária, é possível que esses gastos sejam afetados se o governo for de fato obrigado a fazer uma restrição orçamentária”, explica. 

O economista explica que o corte das verbas não obrigatórias é definido pela equipe ministerial, sem uma regra pré-definida, a partir de negociações políticas. Cabe aos governos estaduais e até mesmo municipais, portanto, mediar junto ao governo federal a manutenção das decisões de investimentos locais.

Joseph avalia que o Ceará deve ter voz ativa na negociação desses investimentos, sobretudo na área da educação. “O Ceará é um estado organizado do ponto de vista fiscal e tem crescido politicamente. As lideranças políticas têm estado em um papel central na política junto ao governo federal. E também tem elementos representativos dentro dos ministérios. O próprio ministro da educação é do estado do Ceará”, explica. 

O economista Wescley Barbosa comenta que, em caso de redução de verbas federais, as gestões estaduais devem priorizar projetos e programas essenciais para a população, a partir do fortalecimento de fundos de contingência. Além disso, renegociar contratos sem a redução dos serviços prestados.

“A gestão responsável e eficiente do orçamento público é crucial para garantir a sustentabilidade fiscal e o bem-estar da população. No geral, a decisão final de ajuste das contas públicas deve equilibrar a responsabilidade fiscal e a minimização dos impactos sociais negativos”, aponta. Wescley reitera que o Ceará adota boas práticas de gestão dos recursos públicos, mas é fundamental avançar na sustentabilidade fiscal. 

META FISCAL DE DÉFICIT ZERO 

A possibilidade de cortar gastos é avaliada pelo governo federal para cumprir a meta de déficit zero e as diretrizes do arcabouço fiscal. O objetivo é que a União termine 2024 com receitas e despesas equilibradas, considerando uma margem de tolerância. 

Em maio, o governo central registrou déficit primário de R$ 61 bilhões - despesas com saldo maior que as receitas. A meta é que ocorra uma transição até 2028, quando o governo pretende chegar um superávit de 1% do PIB - o saldo dos gastos e receitas positivo. 

A gestão de gastos do governo também sofrem influência do arcabouço fiscal, a regra para as contas públicas aprovada em 2023 em substituição ao teto de gastos. Conforme a lei, o crescimento dos gastos não pode ser maior do que 70% do aumento da receita. 

O relatório de despesas e receitas do 2º bimestre projeta deficit de R$ 14,5 bilhões para 2024, o que não indica risco às metas fiscais, aponta Wescley Barbosa.

“O limite inferior da meta de resultado primário para 2024 é um déficit de R$ 28,8 bilhões, então o valor previsto está dentro do limite estabelecido. Tecnicamente, esse momento não exigiria contingenciamento”, afirma.

Apesar de não haver total necessidade, a equipe econômica toma medidas para equacionar o deficit para reafirmar o compromisso com os objetivos fiscais, segundo o economista. “A sustentabilidade fiscal contribui para o País ficar em uma situação menos vulnerável a choques econômicos e crises financeiras, eleva a confiança do setor privado e proporciona um ambiente de estímulo a atividade econômica e a criação de empregos”, explica.

Em março, o Governo Federal já havia promovido um bloqueio de R$ 2,9 bilhões no orçamento de 2024, reduzindo recursos para o Novo PAC e despesas discricionárias gerais. 

Os ministérios mais atingidos foram os de Cidades, Transportes, Defesa e Desenvolvimento e Assistência Social. Os recursos de saúde e educação, bem como emendas parlamentares, não sofreram alterações na época. 

CONGRESSO NÃO PERMITE CRESCIMENTO DE RECEITAS 

O equilíbrio fiscal também pode ser atingido a partir do crescimento das receitas públicas. É o que defendeu o presidente Lula em pronunciamentos recentes. “O problema não é que tem que cortar. O problema é saber se precisa efetivamente cortar ou se precisa aumentar a arrecadação”, afirmou.

O ministro da Economia, Fernando Haddad, também comentou recentemente sobre o direcionamento do presidente. “[Lula] nunca desautorizou o ministério da Fazenda na busca do equilíbrio das contas públicas, pelo lado das receitas, sim, porque nossa receita caiu 2% do PIB de renúncias fiscais nos últimos anos”, disse o titular. 

O aumento da arrecadação, entretanto, tem sido dificultado pelo Congresso Nacional, segundo o economista Joseph Vasconcelos. A criação de novos impostos e o fim de certas garantias fiscais não são emplacados na Câmara dos Deputados ou no Senado Federal.

“O Governo não tem conseguido convencer o parlamento a pautar novos tributos e de que alguns impostos que foram dadas isenções no passado devem ser cobradas novamente, como a desoneração da folha de pagamento. Isso não tem sido recebido com simpatia no Congresso”, explica.

A dificuldade de avançar em ganho de receita pressiona o governo a fazer cortes orçamentários, no objetivo de evitar o endividamento

A formação de dívida pode ser nociva porque o mercado é muito reativo a essa política de deficit. E quando a gente está falando em mercado, também estamos falando de investimentos privados. Então quandro há um acúmulo de dívida, o mercado fica nervoso de realizar novos investimentos, e isso prejudica o crescimento da economia.
Joseph Vasconcelos
Economista